Morango do amor
Morango do amor: Foto: ChatGPT

Nos últimos meses, o morango do amor virou febre nas redes sociais. Doce, vistoso, envolto em calda vermelha ou chantilly, ele virou símbolo de romantismo, desejo, prazer visual e até de uma certa estética do afeto. A imagem é forte, é chamativa e, de algum jeito, parece acionar uma parte do nosso cérebro que desperta e diz: “eu quero”.

E não é só impressão. O cérebro responde mesmo a esses estímulos. Como neurologista, vejo esse tipo de fenômeno como uma excelente oportunidade de falar sobre algo muito mais profundo: como o nosso sistema nervoso constrói sensações como desejo, prazer, antecipação, memória afetiva e até dependência.

Tudo isso está mais conectado do que a gente imagina.

Desejo não nasce no estômago — nasce no cérebro

Quando vemos algo atraente — um morango com calda, um olhar que nos seduz, uma lembrança boa, nosso cérebro ativa o chamado sistema de recompensa, uma rede complexa de estruturas que envolve o hipotálamo, o núcleo accumbens, o córtex pré-frontal, a amígdala e o hipocampo, entre outras.

Esse sistema é alimentado principalmente por um neurotransmissor chamado dopamina, que está diretamente ligado à sensação de prazer, motivação e recompensa. Mas o mais interessante é que não é o prazer em si que mais ativa esse circuito, é a antecipação do prazer.

Ou seja: o desejo começa antes da mordida. Começa quando o cérebro associa aquela imagem, aquele cheiro, aquela lembrança a uma boa experiência. É a dopamina que nos faz buscar aquele momento, que nos impulsiona para frente. A expectativa da recompensa é, neurologicamente, quase tão poderosa quanto a própria recompensa.

Memória, emoção e prazer: um trio cerebral

Você já se pegou sentindo saudade de uma comida da infância, só pelo cheiro? Ou teve vontade de repetir um momento simplesmente porque ele “ficou bom na memória”? Isso acontece porque o cérebro associa prazer a contextos emocionais.

A amígdala cerebral processa as emoções envolvidas naquela experiência. O hipocampo registra a memória. E, juntos, eles ajudam o cérebro a decidir: “isso vale a pena repetir”.
É por isso que o “morango do amor” pode funcionar mais como símbolo do que como sobremesa.

Ele representa um contexto emocional de carinho, afeto, beleza, desejo. Não é só sobre comer, é sobre sentir!

Quando o sistema de recompensa falha

Como tudo no cérebro, o sistema de recompensa precisa de equilíbrio. E há doenças neurológicas em que esse circuito se desregula.

Na doença de Parkinson, por exemplo, a queda de dopamina leva à perda da motivação, do prazer, da capacidade de sentir desejo. Muitos pacientes descrevem isso como “apagar o brilho das coisas”.

Na depressão, ocorre um fenômeno parecido, chamado anedonia: a pessoa perde o interesse por atividades antes prazerosas, como se o caminho entre estímulo e recompensa tivesse sido cortado.

Nos transtornos alimentares, o sistema de recompensa é frequentemente hiperestimulado por alimentos calóricos, doces ou ricos em gordura, o que pode levar à compulsão. E, nas dependências químicas, o cérebro passa a buscar estímulos cada vez mais fortes para obter a mesma sensação de prazer, num ciclo vicioso.

Em todos esses casos, o que está em jogo não é a força de vontade, é um circuito neurológico que deixou de funcionar como deveria.

Entre o morango e o afeto, há um circuito que quer se conectar

Falar sobre dopamina e sistema límbico parece técnico, mas na prática, estamos falando de algo muito humano. Desejar é humano. Antecipar o prazer, também. E é nesse intervalo entre o olhar e o ato, entre o cheiro e o gosto, que mora a beleza do nosso sistema nervoso.

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O “morango do amor” pode ser só uma moda, um viral, um doce bonito. Mas também pode ser um lembrete de que nosso cérebro não quer só sobreviver, ele quer se encantar. Ele quer lembrar, associar, desejar. E, sobretudo, ele quer conexão: com o outro, com a memória, com a emoção.

Porque no fim das contas, o que movimenta o nosso cérebro, muito mais do que comida ou estética, é o afeto.

Dra. Camila Resende

Colunista

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende