Saúde

Cancelado? Como a neurociência explica a 'Cultura do Cancelamento'

Para o pesquisador e neurocientista Fabiano de Abreu, o egoísmo e a obsessão por si mesmo fazem com que as pessoas deixem de aceitar o outro como ele é

Foto: Divulgação

A 'Cultura do Cancelamento' tem se tornado um dos assuntos mais comentados dos últimos dias. Até para quem desconhecia o termo, a ideia de “cancelar” uma pessoa pela sua conduta tem se tornado mais aceitável e, em alguns aspectos, moralmente, correto. Porém, o que define quando e quem cancelar? Existe um limite, uma atitude ou uma barreira pela qual a pessoa atravessa que a conceda o castigo de ser socialmente cancelada?

Para o pesquisador, psicanalista e neurocientista Fabiano de Abreu, sim. “O que hoje chamamos de cancelamento nada mais é do que a desistência do outro. Ou seja, quando há um sentimento triste em relação a alguém, que gera uma falta de perspectiva de que este alguém mude de conduta”, explica.

Um caso atual que ilustra essa teoria é o reality show Big Brother Brasil. Na vigésima primeira edição do programa, o cancelamento tem ocorrido dentro e fora da casa. Do lado de dentro, a maioria dos participantes cancelou o jogador Lucas Penteado, enquanto do lado de fora, seus algozes, como Karol Conká, Lumena e Nego Di, entre outros, estão sendo vítimas do cancelamento por parte do público.

Ainda de acordo com o especialista, parte dessa desistência acontece devido a um esgotamento mental. “Quando há um cansaço mental que culmina no esvaziamento das forças e no desaparecimento da vontade, podemos dizer que é quando começa o cancelamento.

Mesmo que de forma inconsciente, a preguiça se instala não pela falta de investimento afetivo ou irresponsabilidade na dinâmica da relação, mas pela desistência das ações que tinham por objetivo inicial a reciprocidade”, detalha.

Doutor e Mestre em Psicologia da Saúde pela Université Libre des Sciences de l’Homme de Paris explica que “quando chegamos a este estágio de esgotamento, significa que chegamos a um ponto sem retorno”, que pode justificar a atitude de algumas pessoas dentro da casa com relação a conduta dos outros participantes.

“É um sentimento praticamente irreversível e, por mais que a outra parte demonstre o interesse de mudança, já não há credibilidade nem motivação. Até quando há essa motivação, sempre existirá o receio, a sensação ansiosa e negativa de voltar a ser como era, tudo outra vez”, comenta.

Egocentrismo

Uma das explicações que a neurociência encontra para o esgotamento mental seria o fato de as pessoas estarem concentradas no próprio ego e obsessivas por si mesmas.

“Pensam que estão com a razão e acreditam tanto nas próprias certezas que não conseguem reconhecer através da racionalidade a possibilidade de estarem erradas. Boa parte delas, usam da manipulação e do ambiente para tentar entender de forma inteligente a outra pessoa ou a situação, tentam se antecipar ao que ‘acreditam’ que acontecerá, e desistem antes mesmo de começar, ou, frente às suas percepções, ‘antes de se machucarem’’, aponta Abreu.

Sem o autoconhecimento não é possível compreender o outro

“O outro sempre carrega em si aspectos que são meus, pois nossa condição humana nos coloca ora como espelho, ora como reflexo.”

A dialética apresentada pelo pesquisador Fabiano de Abreu mostra que um dos maiores problemas da sociedade moderna não é somente o egoísmo, o egocentrismo, o “achismo”, a falta de razão e a falta de educação, mas, sim, a falta de capacidade de pensar nas possibilidades.

“A grande maioria das pessoas sofrem por não saberem administrar soluções, por não conseguirem avaliar as questões, as informações e seus motivos, e por quererem impor julgamentos ao fato, e julgar sem antes serem juízes de si mesmos nas próprias razões, é imperativo de conflito”, revela.

Por isso, para ele, há tantas pessoas cansadas umas das outras, sendo que, na verdade, elas se cansam delas mesmas.

“O cansaço vem da indisposição em não saber lidar com o outro, visto que pensam que os outros é que precisam se moldar a elas”, afirma. “Como justificativa de estarem cansadas de si mesmas, cansam-se das outras quando elas não atendem às suas expectativas egoístas”, completa.

Por fim, para o pesquisador, para que esse “caleidoscópio humano” seja rico, colorido, completo em toda a sua diversidade, é necessário que façamos conexões de forma equilibrada.

“Que desenvolvamos uma engrenagem relacional que nos confira a capacidade de experimentar o lado bom da vida, o bem do mundo e o melhor de nós”, finaliza.

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