Pai e filho
Imagem: Freepik

O lugar onde entro todos os dias para trabalhar tem teto de vidro e chão de granito. Tudo para dar abrigo à altura ao seu imponente piano de cauda que saúda os recém-chegados. Hoje quando chegava ao saguão principal do hospital, uma cena incomum me chamou a atenção: um homem em lágrimas acenava entusiasmado para alguém lá em cima.

Vi de longe uma criança que não devia contar mais do que quatro anos, igualmente emocionada, já vestida com camisola cirúrgica no colo de uma enfermeira acompanhada por mais duas técnicas.

Podia ser uma cena trivial se a história por trás dela não guardasse tanto lirismo.
Um pai atrasado, um filho prestes a ser operado, a angústia de não ter visto o pai antes do procedimento não o permitia se aquietar.

Três profissionais comovidas e comprometidas com a melhor assistência fizeram o mundo (e o mapa cirúrgico) parar para poder permitir a ele aquele aceno que restituiria sua tranquilidade antes do procedimento. O gesto é simples mas o significado é profundo. Cuidar é uma expressão de amor que vai além da cura.

Ao assistir a essa cena me remeti de imediato a uma fotografia que me marcou anos antes. Tirada pela mãe, Heather Whitten, em 2014, a foto, que ficou famosa no mundo, mostra Thomas Whitten, exausto, carregando no banho o seu filho Fox antes de levá-lo ao hospital, depois de uma noite em claro por diarreia e vômito da criança.

O registro transmite de maneira singular a capacidade de aconchego e proteção do colo paterno em contraste com a nítida impressão de esgotamento físico e mental que o pai demonstrava nu debaixo do chuveiro.

Socialmente fomos condicionados a esperar, dentro de um hospital, a presença da mãe e sermos condescendentes com a ausência do pai justificada pela nobre missão de serem os provedores da casa.

O que o momento de doença nos ensina

O adoecimento nos obriga a enfrentar um lugar de vulnerabilidade e medo historicamente negado aos homens e por isso mesmo tão assustador para eles. Quando um pai, do alto dos seus compromissos profissionais, reserva algumas horas para estar com o seu filho, não como visitante, mas como acompanhante, dentro de um hospital, ele comunica mensagens fundamentais:

1- Que o medo de agulha e sangue é natural e não o impediram de ser grande quando adulto;

2- Que nos momentos de maior incerteza e medo ele terá sempre uma mão forte, ainda que trêmula, para segurar.

3- Que naquela hora, naquele dia, nada no mundo importa mais, pra ele, do que a saúde do seu filho.

Cuidar vai muito além de fazer um diagnóstico certo e aplicar a medicação indicada, mas passa, antes, por criar um ambiente de segurança psicológica que traga para dentro do hospital o que de mais nobre uma criança pode receber em casa: acolhimento e afeto.

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Nesse mês, este hospital completa 24 anos de história e pode se orgulhar de ter sido uma das instituições pioneiras no país em assegurar a presença do pai na sala de parto muito antes de ela se tornar, anos depois, um direito.

Vidro e granito podem ser um bom convite a entrar, mas não te fazem voltar. Há 10 anos, permaneço nesse lugar porque continuo acreditando na sua vocação singular para cuidar de pessoas.

Dra. Polyana Gitirana Guerra Rameh

Colunista

Médica Infectologista, Graduada pela UFMG, Residência Médica HC-UFMG, Coordenadora do SCIH do Vitória Apart Hospital. Gestora SIASS UFES

Médica Infectologista, Graduada pela UFMG, Residência Médica HC-UFMG, Coordenadora do SCIH do Vitória Apart Hospital. Gestora SIASS UFES