Paladar infantil
Imagem: Freepik

Falar em paladar infantil é muito mais do que comentar preferências alimentares de crianças. É discutir a forma como aprendemos a sentir, escolher e significar o alimento desde os primeiros anos de vida.

O paladar, afinal, não é um dom natural imutável: é um sistema sensorial e emocional em constante construção — e é justamente na infância que ele se torna mais maleável e vulnerável às influências do ambiente.

A relação do paladar com os sabores

Desde o nascimento, o ser humano demonstra uma clara predileção pelo sabor doce. Essa preferência inata tem explicação evolutiva: o doce está associado à energia e à sobrevivência, e o leite materno é naturalmente adocicado.

Por outro lado, sabores amargos e ácidos costumam provocar rejeição inicial, pois em tempos remotos poderiam sinalizar alimentos tóxicos. Mas essa “biologia do paladar” é apenas o ponto de partida. O que realmente define os gostos e aversões de uma criança é o que ela experimenta — repetidamente, com afeto, e em um ambiente que dá significado à comida.

Pesquisas científicas, como as da fisiologista Julie Mennella, demonstram que o paladar começa a ser educado ainda antes do nascimento.

Os sabores dos alimentos ingeridos pela gestante atravessam o líquido amniótico e, mais tarde, são sentidos no leite materno. Ou seja, o bebê já “aprende a gostar” de certos alimentos por meio da alimentação da mãe. Isso explica por que filhos de mulheres que consomem frutas, verduras e temperos naturais, tendem a aceitar melhor esses alimentos na introdução alimentar.

Aceitar um alimento depende da repetição e experiência

Por outro lado, a ideia de que “a criança não gosta de verdura” e que “não adianta insistir” é um dos grandes mitos da nutrição infantil. Pesquisas de Leann Birch, referência na área, demonstram que a aceitação de novos alimentos depende da exposição repetida e da forma como essa experiência acontece.

É preciso oferecer o mesmo alimento, preparado de maneiras diferentes, várias vezes — sem forçar, mas com constância e paciência. Assim como se aprende a andar ou falar, aprende-se também a gostar de sabores novos e a recusa inicial é parte natural desse processo.

Entretanto, o que tem preocupado especialistas, é a interferência precoce de alimentos ultraprocessados nesse aprendizado sensorial. Produtos industrializados, ricos em açúcar, sal, gorduras e aditivos, são formulados para gerar prazer imediato, estimulando intensamente as papilas gustativas e o sistema de recompensa do cérebro.

Quando uma criança é exposta a esses sabores desde cedo, seu paladar se adapta a um padrão artificial, tornando-se menos sensível aos sabores sutis e naturais dos alimentos in natura. Essa “educação distorcida” do paladar pode ter consequências duradouras.

O perigo do consumo precoce de ultraprocessados

Estudos já evidenciam que o consumo precoce de ultraprocessados está associado a maior risco de excesso de peso, hipertensão arterial, dislipidemias e resistência à insulina — condições que, quando somadas ao sedentarismo, pavimentam o caminho para doenças crônicas como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.

Em outras palavras, o que parece uma simples escolha de lanche na infância, pode, silenciosamente, estar moldando um perfil metabólico e comportamental de risco para toda a vida.

Preservar o paladar infantil é, portanto, uma estratégia poderosa de prevenção em saúde pública. Isso não significa proibir rigidamente, mas educar o paladar desde cedo para reconhecer e apreciar o sabor natural dos alimentos. É permitir que a criança descubra o gosto verdadeiro de uma fruta madura, o frescor de uma folha verde, a textura de um grão integral. É ajudar o corpo a construir memória gustativa saudável, sem depender de sabores artificiais e intensos.

Processo cultural e efetivo

A formação do paladar também é um processo cultural e afetivo. As refeições em família, o exemplo dos adultos, o modo de preparar e servir os alimentos, tudo isso compõe o cenário sensorial e emocional que ensina a criança a comer.

Não basta dizer “coma verdura”; é preciso mostrar prazer em comer bem. Crianças que veem seus pais e cuidadores desfrutando de refeições equilibradas, coloridas e diversas, aprendem, pela observação, a gostar do que é bom para elas.

Educar o paladar é educar o olhar, o olfato, o tato e o afeto. É agregar tempo e significado ao ato de comer, resgatando a comida como experiência, e não como produto. Cada refeição pode ser um exercício de aprendizado e cuidado — uma oportunidade de construir saúde, vínculo e memória.

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Ao desconstruir mitos e reafirmar verdades, percebemos que o paladar infantil é uma janela de oportunidades. Uma chance única de influenciar positivamente os hábitos alimentares, prevenir doenças e promover bem-estar duradouro. Se queremos uma geração mais saudável, precisamos começar pela base: respeitar e educar o paladar das crianças, permitindo que descubram, com encantamento, a riqueza dos sabores que a natureza oferece.

Dra. Ana Cristina de Oliveira | Nutricionista

Colunista

Com uma carreira dedicada à ciência e à prática da Nutrição, Dra. Ana Cristina de Oliveira Soares é nutricionista, pesquisadora e professora universitária. Sua expertise é aprofundada por um Doutorado em Saúde Coletiva e um Mestrado em Administração, que lhe conferem uma visão ampla sobre os desafios da saúde e do bem-estar na atualidade. Especialista em Terapia Nutricional e Coordenadora do curso de Nutrição na Multivix Vitória, ela se destaca por sua atuação em saúde coletiva e na promoção da qualidade de vida, sempre com foco no rigor científico e no compromisso social.

Com uma carreira dedicada à ciência e à prática da Nutrição, Dra. Ana Cristina de Oliveira Soares é nutricionista, pesquisadora e professora universitária. Sua expertise é aprofundada por um Doutorado em Saúde Coletiva e um Mestrado em Administração, que lhe conferem uma visão ampla sobre os desafios da saúde e do bem-estar na atualidade. Especialista em Terapia Nutricional e Coordenadora do curso de Nutrição na Multivix Vitória, ela se destaca por sua atuação em saúde coletiva e na promoção da qualidade de vida, sempre com foco no rigor científico e no compromisso social.