Vida Saudável

Quando o veneno chega ao cérebro: o que o metanol faz com o sistema nervoso

Mais do que um problema químico ou toxicológico, a intoxicação por metanol é também um problema neurológico

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Metanol causa problemas no sistema nervoso (Foto: Canva)

Nos últimos dias, muito se falou sobre bebidas adulteradas e casos de intoxicação por metanol no Brasil. O tema ganhou destaque, e com razão. É uma tragédia que se repete e que poderia ser evitada com informação e fiscalização.

Mas, mais do que um problema químico ou toxicológico, a intoxicação por metanol é também um problema neurológico. Porque é no cérebro e nos nervos que esse veneno deixa as marcas mais graves e muitas vezes irreversíveis.

O que é o metanol e por que ele faz tanto estrago

O metanol é um tipo de álcool usado na indústria em combustíveis, tintas e solventes. Ele não é próprio para o consumo humano.

Quando é adicionado ilegalmente a bebidas, por ser mais barato que o álcool comum (o etanol), o perigo se instala sem cheiro, sem gosto e sem aviso.

Dentro do corpo, o metanol se transforma em ácido fórmico, uma substância altamente tóxica que interfere no funcionamento das células, especialmente as do sistema nervoso.

E é aí que o problema realmente começa: o ácido fórmico atinge o nervo óptico, responsável por levar as imagens dos olhos ao cérebro, e também áreas cerebrais que controlam movimentos, equilíbrio e consciência.

Os sintomas neurológicos mais comuns

Os primeiros sinais podem demorar algumas horas para aparecer, o que torna a intoxicação ainda mais traiçoeira. Quando surgem, seguem um padrão bastante característico:

  • Visão borrada, com sensação de “neblina” ou manchas no campo visual;
  • Dor atrás dos olhos ou dificuldade para focar;
  • Tontura, dor de cabeça, fraqueza e confusão mental;
  • Em casos mais graves, convulsões, coma e perda permanente da visão.
 A perda visual é, infelizmente, o sintoma mais marcante e mais temido. Ela ocorre porque o ácido fórmico destrói as fibras do nervo óptico e, uma vez lesionadas, elas não se regeneram.

O que acontece no cérebro

Em alguns pacientes, o dano vai além da visão. O metanol pode afetar regiões profundas do cérebro chamadas gânglios da base, responsáveis por coordenar os movimentos.

Quando isso ocorre, o paciente pode desenvolver sintomas parecidos com os da doença de Parkinson — lentidão, rigidez, tremores e dificuldade de caminhar.

Essas sequelas podem surgir dias depois da intoxicação, mesmo quando o quadro inicial parecia estar melhorando. É o tipo de dano silencioso que o neurologista conhece bem: o corpo parece se recuperar, mas o cérebro ainda está sofrendo as consequências.

Como reconhecer e o que fazer

Se alguém apresenta sintomas como visão turva, tontura ou confusão mental após beber algo de procedência duvidosa, isso é uma emergência médica. Não existe “esperar pra ver”.

O tempo é fundamental: quanto mais cedo o atendimento, menor o risco de sequelas neurológicas.

No hospital, os médicos farão a correção da acidose e usarão medicamentos específicos para impedir que o metanol continue se transformando em substâncias tóxicas.

Mas o que realmente muda o desfecho é chegar rápido ao serviço de emergência.

As sequelas possíveis

Entre os que sobrevivem, as principais sequelas são cegueira total ou parcial, alterações cognitivas (como lentidão no raciocínio e perda de memória) e distúrbios de movimento.

Em alguns casos, o paciente recupera a consciência e a estabilidade, mas permanece com limitações visuais ou motoras que exigem acompanhamento neurológico e reabilitação.

Por que o olhar neurológico é essencial

Muita gente associa intoxicação ao fígado, ao estômago, à desintoxicação. Mas o metanol ataca o sistema nervoso, o centro do que somos, sentimos e percebemos. É no cérebro e nos nervos que ele deixa suas cicatrizes.

Por isso, entender o que ele faz não é só uma questão de toxicologia: é compreender o impacto devastador de uma substância que interrompe a comunicação entre o corpo e o mundo.

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O que podemos fazer para evitar novas tragédias

O primeiro passo é a informação. Bebidas de origem desconhecida, vendidas a granel ou com preços muito abaixo do normal, são um risco real. O metanol não tem cheiro, gosto nem cor diferentes. Não há como identificar visualmente.

A prevenção, portanto, depende de consciência coletiva e fiscalização rigorosa.

E, diante de qualquer suspeita, a regra é simples: procure ajuda médica imediatamente.

Dra. Camila Resende

Neurologista e Neurofisiologista

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende