Imagem: Freepik
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Imagine conviver com sintomas que ninguém consegue explicar. Dores, fraquezas, movimentos involuntários, esquecimentos precoces, e, a cada exame normal, a dúvida cresce: será que é psicológico?

Em muitos casos, o que parece “inexplicável” pode ser uma doença rara em neurologia, condições que, somadas, afetam milhões de pessoas no mundo, mas cada uma de forma muito específica.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, uma doença é considerada rara quando atinge menos de 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. Estima-se que existam mais de 7 mil doenças raras conhecidas, e cerca de 8% delas têm origem neurológica. Ou seja: o sistema nervoso, cérebro, medula, nervos e músculos, está no centro de muitas histórias difíceis de diagnosticar.

O desafio do diagnóstico

Na neurologia, o tempo até o diagnóstico pode levar anos. Muitas doenças raras compartilham sintomas com condições comuns, como enxaqueca, ansiedade, neuropatias periféricas ou fibromialgia. Isso torna o caminho até a resposta um verdadeiro labirinto.

A Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), por exemplo, pode começar com uma leve fraqueza nas mãos ou nas pernas, confundindo-se com cansaço. A Miastenia Gravis, também rara, provoca fraqueza flutuante e queda de pálpebra, parecendo simples desgaste físico.

Entre as doenças genéticas, a Doença de Huntington e a Doença de Wilson podem causar movimentos involuntários, tremores e alterações de comportamento antes de revelarem sua causa real.

As miopatias, grupo de doenças que afetam o próprio músculo, também estão entre as causas raras de fraqueza. Elas podem ser de origem genética, inflamatória ou metabólica, e muitas vezes são confundidas com doenças dos nervos, exigindo exames específicos como eletroneuromiografia, biópsia muscular e testes genéticos.

Outros exemplos incluem a Ataxia de Friedreich, que compromete o equilíbrio, e a Neuromielite Óptica, que pode simular uma esclerose múltipla, mas com tratamento completamente diferente.

Em comum, todas exigem atenção aos detalhes e uma escuta cuidadosa do neurologista.
Mais do que tecnologia, é o olhar clínico, aliado à experiência e à empatia, que conduz ao diagnóstico correto.

Por que saber o nome da doença faz diferença

Em doenças raras, o diagnóstico correto muda o destino.

Primeiro, porque permite ajustar o tratamento e prevenir complicações. Segundo, porque dá acesso a grupos de apoio, protocolos clínicos e até terapias experimentais que só são oferecidos a pacientes com diagnóstico definido.

No Brasil, o Ministério da Saúde mantém a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, que prevê centros de referência e protocolos específicos para algumas condições neurológicas, como ELA, distrofias musculares e ataxias hereditárias.

Além disso, novos medicamentos vêm mudando o curso de doenças antes consideradas intratáveis. Casos emblemáticos são as atrofias musculares espinhais (AME), em que terapias gênicas já conseguem alterar a evolução clínica de crianças que, há poucos anos, perderiam a capacidade de respirar sozinhas.

O papel do neurologista e do paciente

O neurologista atua como um detetive clínico, reunindo pistas do exame físico, histórico familiar e resultados laboratoriais.
Mas o paciente também é parte essencial dessa investigação: relatar a linha do tempo dos sintomas, registrar vídeos, anotar gatilhos e observar padrões ajuda muito a encurtar o caminho.

O avanço das pesquisas em neurogenética, inteligência artificial e medicina personalizada está transformando esse cenário. Hoje, é possível analisar centenas de genes simultaneamente e cruzar resultados com bancos de dados internacionais, o que aumenta a taxa de acerto e reduz o tempo de espera.

A importância da empatia e da informação

Conviver com uma doença rara é mais do que enfrentar sintomas: é lidar com o desconhecido. Muitas vezes, o paciente se sente invisível ou desacreditado.

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Por isso, informação é também uma forma de acolhimento. Cada diagnóstico confirmado representa uma história validada, um tratamento iniciado e uma nova esperança para outras famílias que ainda buscam respostas.

A mensagem mais importante talvez seja essa: mesmo quando o diagnóstico é raro, o cuidado precisa ser contínuo e humano. A ciência avança, mas é a empatia que mantém o paciente no centro de tudo.

Dra. Camila Resende

Neurologista e Neurofisiologista

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende

Médica. Neurologista e Neurofisiologista (Residência médica USP - RP). Membro titular da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) e da Sociedade Brasileira de Neurofisiologia Clínica (SBNC). @dracamilaresende