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Transtornos mentais na adolescência: entre a comparação e a busca por pertencimento

Ansiedade, depressão e distúrbios alimentares surgem cada vez mais cedo entre adolescentes. Entenda os impactos dos transtornos mentais

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transtornos mentais
Imagem de Freepik

Das transformações físicas, às sociais e emocionais, a adolescência representa um momento de descoberta e adaptação. É nesta fase que a pressão para encontrar seu lugar no mundo e de superar expectativas se torna ainda mais evidente.

Entretanto, junto às descobertas típicas da idade, a soma desses fatores pode impactar a saúde mental, tornando os jovens mais suscetíveis aos transtornos mentais. Ansiedade, depressão e distúrbios alimentares aparecem cada vez mais cedo, revelando uma geração que enfrenta desafios emocionais profundos.

Além de impactarem a vida social e emocional, os transtornos mentais podem abrir caminho para pensamentos suicidas.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada sete pessoas, entre 15 e 19 anos, sofre de algum tipo de transtorno mental, representando quase 15% da população global da faixa etária. O mesmo relatório afirma que metade dos transtornos mentais aparecem aos 14 anos e que o suicídio é a terceira principal causa de morte entre os jovens.

Fonte: Organização Mundial da Saúde (Imagem: Folha Vitória)

No Espírito Santo, um levantamento do Instituto Jones dos Santos Neves, de 2023, apontou que, das 1.646 internações de mulheres, por saúde mental, no Estado, 31% delas tinham entre 15 e 29 anos.

O Setembro Amarelo busca prevenir o suicídio, além de conscientizar a população para olhar com cuidado para a saúde mental de todos.

O professor de psicologia da Faesa, Francisco de Assis, explica que o sofrimento mental está diretamente ligado às transformações sociais e culturais. De acordo com ele, o impacto não é sentido apenas pelos jovens, mas esse grupo acaba sendo mais suscetível ao que acontece ao seu redor.

Professor da Faesa fala sobre transtornos mentais em jovens
Francisco de Assis é professor de psicologia da Faesa (Imagem: TV Vitória/Reprodução)

Os jovens, de alguma forma, são mais sensíveis à cultura e as mudanças culturais parecem chegar primeiro a eles. O adulto já tem uma cronicidade existencial e uma vida montada. Embora ele não esteja isento dessas mudanças, os jovens acabam sendo mais sensíveis.

Francisco de Assis, professor de psicologia da Faesa

Para o professor, em uma época de rápidas transformações e que carece, muitas vezes, de propósito e sentido, “o transtorno, muitas vezes, é uma tentativa de responder a um mundo que está, de certa forma, em crise.”

Transtornos mentais mais comuns na adolescência

Além das transformações sociais, a exposição à pobreza extrema, a influência da mídia, as normas de gênero, a falta de acesso aos direitos básicos e o convívio com o abuso e a violência são alguns dos gatilhos para os transtornos mentais. A genética também pode influenciar, em alguns casos.

Quanto a mais fatores de risco o jovem for submetido, maiores os impactos na saúde mental dele.

Assim como as causas podem ser diversas, os tipos de transtornos também podem variar. Segundo dados da OMS, os mais comuns são:

  • Transtornos emocionais: são os mais comuns na adolescência. Os transtornos de ansiedade — que podem envolver pânico ou preocupação extrema — são diagnosticados em 4,1% dos jovens, de 10 a 14 anos, e 5,3% dos jovens, de 15 a 19 anos. Já a depressão ocorre entre 1,3% dos adolescentes, de 10 a 14 anos, e 3,4% dos jovens, de 15 a 19 anos.
  • Transtornos comportamentais: o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), caracterizado pela dificuldade em prestar atenção e/ou atividade excessiva, ocorre com 2,7% dos mais novos e em 2,2% dos jovens, de 15 a 19 anos. Os transtornos de conduta, envolvendo comportamento destrutivo ou desafiador, ocorrem em 5% deles.
  • Transtornos alimentares: a anorexia nervosa e a bulimia nervosa são exemplos. Esse tipo de transtorno envolve o comportamento alimentar anormal, a preocupação excessiva com a comida e, na maioria dos casos, com o peso e a forma corporal. A estimativa é de que 0,5% dos jovens convivam com algum tipo de transtorno alimentar, podendo essa condição coexistir com outros transtornos mentais.
  • Psicose: seu surgimento é mais comum no final da adolescência e os sintomas podem incluir alucinações ou delírios. A esquizofrenia, por exemplo, ocorre em 0,1% dos jovens, de 15 a 19 anos.
Fonte: Organização Mundial da Saúde (Imagem: Folha Vitória)

O preço da comparação

A chefe de cozinha Rosana Neres sempre foi considerada uma adolescente fora dos padrões corporais. As percepções pessoais e os comentários que ouviu de outros jovens sobre o seu peso, fizeram com que ela passasse por momentos de sofrimento emocional.

Rosana Neres sofreu com transtornos mentais na adolescência por pressões estéticas
Rosana sofreu com transtornos mentais na adolescência por pressões estéticas (Imagem: TV Vitória/Reprodução)

Na escola sofreu com a exclusão e o bullying de colegas, o que representou uma fase dolorosa da sua vida. A pressão social fez com que ela desenvolvesse uma compulsão alimentar. “Eu tinha dois escapes, ou eu chorava ou eu comia. Eu sempre vivi muita pressão psicológica por ser gorda”, relembrou.

A forma como a sociedade enxergava os transtornos mentais, na época, não favoreceu o seu quadro de saúde mental, já que falar sobre o assunto era ainda mais difícil. Além disso, a família vivia uma realidade financeira ruim, o que dificultava o acesso à possíveis tratamentos.

Rosana conta que as comparações com as musas da televisão e a falta de representatividade também foram fatores cruciais para o descontentamento com o próprio corpo.

“Para a minha geração, tínhamos muita comparação com as mulheres bonitas das novelas. Era uma época em que víamos até as pessoas fazendo propaganda de coisas que, hoje em dia, já não são legais, mas apareciam na televisão e queríamos imitar”, disse.

Apesar do relato ser sobre uma época de anos atrás, a comparação exagerada e a pressão estética ainda impactam significativamente na saúde mental. Esses fatores se tornam ainda mais influenciáveis em um mundo onde as fronteiras do acesso se tornaram menos restritas graças à internet e as redes sociais.

Os padrões de beleza moldados pelos grandes artistas e, mais recentemente, pelos influenciadores, afeta diretamente a imagem corporal das crianças e dos adolescentes. Segundo Francisco de Assis, uma das maiores dificuldades, quando falamos das redes sociais, é o cancelamento da alteridade, ou seja, da percepção do que é o outro.

“O outro existe mais como extensão da minha fantasia do que como um outro real de carne e osso. Costumamos dizer que há coisas que falamos na rede social, mas não falamos na realidade. Então essa certa contenção, regulação e um respeito maior com a alteridade, que as redes sociais, nesse sentido, retira, dá margem para o aparecimento de algumas coisas”, explicou.

A idealização que Rosana viveu durante a sua adolescência ainda é comum para os jovens da atualidade. Até certo ponto, esse sentimento conversa com as dúvidas normais da idade, entretanto, quando ultrapassa o limite, esbarra nas noções de autoaceitação e pertencimento.

Com 46 anos, após os níveis da sua saúde ascenderem alguns alertas, Rosana decidiu que era hora de mudar. Adotou hábitos mais saudáveis, realizou a cirurgia bariátrica e, claro, cuidou da sua saúde mental.

Sinais de alerta

Apesar do sofrimento mental ser algo abrangente e que envolve questões complexas e variáveis, alguns sinais, segundo Francisco Assis, podem indicar que um jovem esteja passando por um momento difícil.

O professor chama atenção para quando alguém começa a se desencantar com coisas que antes eram importantes, quando tudo vira uma tarefa exaustiva ou o afastamento deixa de ser algo pontual.

Ele ainda explica que, além da atenção aos indícios, os pais e responsáveis possuem um outro papel essencial: o de exemplo.

É muito difícil para um adolescente se encantar se ele não vê um pai encantado e se a vida do pai também é um grande tarefismo.

Francisco Assis, professor de psicologia

Caminhos para a melhoria

Os transtornos mentais em adolescentes são um desafio social complexo, mas há caminhos para alcançar um cenário mais positivo.

Um estilo de vida mais saudável, uma alimentação balanceada, aprendizados quanto à gestão de emoções e um ambiente que se torna mais acolhedor, incluindo o desenvolvimento de políticas públicas, são aspectos importantes para a saúde mental, nessa idade.

O exercício físico, por exemplo, libera endorfinas, neurotransmissores que contribuem para uma sensação de bem-estar e redução do estresse. Além disso, de acordo com a personal trainer Larissa Anicio, contribuem com a melhora do sono e da autoestima e também proporciona um ambiente de integração social.

Larissa Anicio
A personal trainer Larissa Anicio diz que o exercício é essencial para a saúde mental (Imagem: TV Vitória/Reprodução)

“É como se fosse uma rede, dentro da sua comunidade, na qual você pode estar inserido. Porque o ser humano precisa muito disso”, complementou.

A OMS recomenda 60 minutos de atividade física diária. Entretanto, segundo um relatório de 2019 da organização, 87% dos adolescentes brasileiros se movimentam menos do que deveriam.

Apesar disso, Larissa diz que o cenário pode estar mudando. Na sua experiência, os jovens têm buscado praticar mais exercícios, muitas vezes, influenciados pelas redes sociais. “O ser humano é influenciado. Então, é possível ver que isso mudou bastante e há essa necessidade de você se movimentar, de você se sentir bem.”

A adoção de hábitos mais saudáveis e o acompanhamento psicológico especializado são essenciais para quem lida com os transtornos mentais.

Na Faesa, por exemplo, a clínica-escola do curso de psicologia oferece atendimento gratuito para toda a população. As consultas são conduzidas por alunos finalistas do curso, monitorados por seus professores. Desde a implementação da clínica, há 23 anos, oito mil pessoas, entre crianças, adolescentes e adultos, já receberam atendimentos.

Para quem precisa de acompanhamento psicológico contínuo ou conhece alguém em situação de sofrimento social, as vagas para atendimento na Faesa variam de acordo com a disponibilidade das disciplinas. Entretanto, em casos de urgência, é possível marcar uma consulta durante o plantão.

Aline Gomes

Repórter

Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa e estudante de Publicidade e Propaganda na Unopar, atuou como head de copywriting, social media, assessora de comunicação e analista de marketing. Atua no Folha Vitória como Editora de Saúde desde maio de 2025.

Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa e estudante de Publicidade e Propaganda na Unopar, atuou como head de copywriting, social media, assessora de comunicação e analista de marketing. Atua no Folha Vitória como Editora de Saúde desde maio de 2025.