Nos últimos anos, muita gente passou a acreditar que o “vapor” do vape seria inofensivo — quase “apenas água” com sabor. Não é. Cigarros eletrônicos são dispositivos que aquecem líquidos e liberam um aerossol que vai direto para a boca, garganta e pulmões.
Esse aerossol costuma conter nicotina (uma substância altamente viciante), solventes como propilenoglicol e glicerina, aromatizantes e partículas muito pequenas capazes de chegar a tecidos sensíveis.
Diversos órgãos de saúde deixam claro: não existe nível seguro de uso para jovens, gestantes e não fumantes, e esses produtos não são “saudáveis” para a boca.
O que entra na sua boca quando você traga um vape?
Estudos independentes identificaram no aerossol metais tóxicos como níquel, cromo e chumbo, vindos principalmente das partes metálicas aquecidas do aparelho. Esses metais podem se depositar na cavidade oral e, com o tempo, favorecer processos inflamatórios e dano tecidual.
Além disso, as bases líquidas (propilenoglicol e glicerina) e os sabores doces formam um “spray” pegajoso que adere aos dentes e às gengivas. Em laboratório, aerossois de sabores doces dobraram a formação de biofilme (a “placa bacteriana”) e reduziram a dureza do esmalte em até 27% — um passo na direção da cárie.
Cárie: por que o vape aumenta o risco
A ciência já observou uma associação entre uso de e-cigarros e maior risco de cárie em pacientes acompanhados em consultório. Não é um detalhe: usuários de vape tendem a ser classificados com risco de cárie mais alto do que não usuários. O provável “combo” por trás disso inclui a película doce e viscosa dos sabores, alterações na saliva e uma mudança no equilíbrio das bactérias da boca.
Em outras palavras: o vape cria um ambiente perfeito para bactérias cariogênicas grudarem melhor, produzirem mais ácido e desmineralizarem o esmalte.
Gengiva e osso: inflamação que vai além da superfície
Gengivas saudáveis dependem de um equilíbrio delicado entre a placa bacteriana e a resposta de defesa do nosso organismo. Pesquisas detectaram, na saliva e no fluido gengival de usuários de cigarros eletrônicos, marcadores inflamatórios aumentados — um sinal de que a gengiva está reagindo negativamente ao contato frequente com o aerossol.
Revisões recentes também apontam pior status periodontal em usuários, quando comparados a não usuários. Embora os estudos ainda estejam evoluindo, o recado é claro: o vape não é neutro para as gengivas.
Boca seca: menos saliva, mais problema
A saliva protege dentes e gengiva: neutraliza ácidos, “lava” a boca e ajuda na remineralização do esmalte. Uma meta-análise mostrou que a xerostomia (boca seca) é comum em usuários dos cigarros eletrônicos, com prevalência aproximada de 33% — maior do que entre fumantes de cigarro comum.
Propilenoglicol e glicerina têm propriedades que “puxam” água e irritam mucosas, o que ajuda a explicar essa sensação. Boca seca, por sua vez, eleva o risco de cárie, halitose e gengivite.
“Mas é menos pior que cigarro?”
Comparações diretas com o cigarro tradicional variam conforme o que se mede, o produto, o uso e o usuário. O ponto importante para saúde bucal é: “menos pior” não significa “sem risco”. O aerossol do vape contém nicotina, partículas ultrafinas, compostos orgânicos voláteis e metais — e tudo isso passa primeiro pela sua boca.
Mesmo autoridades que discutem possíveis usos do vape na cessação para fumantes adultos reforçam que não é um produto seguro e não deve ser usado por jovens, gestantes e não fumantes.
E os procedimentos odontológicos?
Nicotina contrai vasos sanguíneos e pode prejudicar a cicatrização, reduzindo a chegada de oxigênio e nutrientes ao local onde foram realizadas cirurgias odontológicas.
A literatura cirúrgica — já robusta para o cigarro comum — alerta que nicotina, mesmo sem fumaça, está ligada a piores desfechos de cicatrização, o que justifica recomendações de suspender o uso antes e depois de cirurgias orais, implantes e enxertos.
Se você vai passar por um procedimento, converse com seu dentista sobre um plano de abstinência temporária (idealmente completa) de nicotina.
Riscos para adolescentes e gestantes:
A nicotina é altamente viciante e pode interferir no desenvolvimento do cérebro de adolescentes.
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Para gestantes, há risco de efeitos no feto. Por isso, organizações como a OMS e o CDC orientam claramente: jovens e gestantes não devem usar cigarros eletrônicos; não fumantes não devem começar; e políticas públicas precisam proteger crianças e adolescentes da exposição e do marketing desses produtos.
Sinais de alerta na boca de quem usa vape
- Aumento de placa e sangramento gengival na escovação e no fio dental;
- Mau hálito e sensação persistente de boca seca;
- Sensibilidade e manchas brancas nos dentes (início de desmineralização);
- Aftas/irritações recorrentes na mucosa.
Se você percebeu algum desses sinais, vale marcar uma avaliação. - O que fazer a partir de hoje
- Se você não fuma, não comece a usar vape. Não é “inofensivo” para sua boca — nem para o resto do corpo.
- Se você usa, reduza e planeje parar. Combine apoio profissional com estratégias de cessação com evidência (aconselhamento, terapias de reposição de nicotina de uso médico e medicações quando indicadas). O importante é sair da dependência, e não trocar uma via por outra indefinidamente.
- Reforce a higiene bucal. Escove com creme dental fluoretado três vezes ao dia, use fio dental diariamente.
- Cuide da saliva. Beba água com frequência; evite beliscar doces o dia todo.
- Faça check-ups regulares. Consultas de rotina detectam cedo cáries, gengivite e lesões de mucosa que muitas vezes passam despercebidas em casa.
Vapes e cigarros eletrônicos podem parecer modernos, discretos e “limpos”, mas não são neutros para sua saúde bucal. A evidência que cresce ano a ano aponta mais placa, mais inflamação, mais boca seca e maior risco de cárie — além de preocupações com cicatrização e com a dependência de nicotina.