Imagem mostra a caneta emagrecedora Ozempic (semaglutida), usada para emagrecer (Foto: Pedro Permuy)
Imagem mostra a caneta emagrecedora Ozempic (semaglutida), usada para emagrecer (Foto: Pedro Permuy)

*Artigo escrito por Mariana Weigert de Azevedo, psicóloga clínica e psicanalista, especialista em infância e adolescência. Atua em clínica particular com adolescentes e adultos, e também em orientação parental e pedagógica.

Usar ou não usar a caneta emagrecedora? O que está por trás da obsessão pela magreza e da busca por soluções milagrosas. Com a chegada do verão, a pressão sobre o corpo parece aumentar — e isso não é novo. Sempre foi assim.

As piadas se repetem, as academias lotam, o imaginário do “treinar para desfilar na praia” volta à cena. O que mudou não foi a cobrança, mas o caminho: se antes o processo se estendia ao longo do ano, hoje ele parece condensado em uma solução rápida.

Quem nunca pensou em usar uma caneta “mágica” que, sozinha, controlasse a compulsão, acelerasse o metabolismo e fizesse os quilos sumirem sem esforço? Os benefícios existem. Médicos sérios indicam seu uso para o tratamento da obesidade, controle do diabetes e outras questões metabólicas importantes. Mas, quando um medicamento pensado para um público específico se torna objeto de desejo coletivo, algo merece ser pensado.

Recentemente, me chamou a atenção uma reportagem: algumas mulheres engravidaram durante o uso da chamada “caneta milagrosa” porque não sabiam que ela podia cortar o efeito do anticoncepcional. Foi aí que me peguei pensando: será que valeu a pena? E mais: quantos outros efeitos colaterais estão sendo ignorados, negados ou minimizados nessa pressa coletiva por um resultado imediato?

Mariana Weigert de Azevedo é psicóloga clínica e psicanalista
Mariana Weigert de Azevedo é psicóloga clínica e psicanalista

Na clínica, escuto histórias mais complexas. Há, sim, quem, ao usar com acompanhamento médico e consciência, tenha encontrado um ponto de virada. Mas esses são poucos. A maioria vive outra realidade: uma relação ansiosa, por vezes desesperada, com o próprio corpo e com o tempo.

A sensação é de que estar magro virou uma exigência silenciosa. Como se a magreza fosse o novo nome do autocuidado, o único sinal válido de saúde, sucesso e disciplina. Nesse clima de performance permanente, o corpo passou a significar valor pessoal. O que vemos, muitas vezes, é um verdadeiro adoecimento: uma corrida para apagar o apetite, a fome, o contorno, a curva. Um ideal de apagamento que, em certos casos, flerta com quadros clínicos sérios, como anorexia, bulimia ou transtorno dismórfico corporal. Em outras palavras, uma desconexão radical com a própria imagem.

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O mais perverso é que sintomas clínicos graves, que aparecem na clínica como sofrimento psíquico, são, fora dela, muitas vezes legitimados. Aplaudidos como força de vontade, autodisciplina, estética “perfeita”. O que deveria acionar alerta é, por vezes, celebrado.

Curiosamente, o debate costuma se limitar ao valor financeiro. Como se o único preço fosse o que aparece no boleto. Mas e o custo simbólico? Esse quase ninguém se dispõe a calcular. Há quem não use por não poder pagar. Há quem não use por receio, por convicção ou por ética consigo mesmo. E o que vejo é que esses sofrem a pressão social por serem considerados inadequados em seu modo de existir.

Não se trata de julgar quem faz uso, mesmo sendo magro, ou quem deixa de usar. Entrar nesse debate torna a questão superficial. O ponto é outro: pensar o lugar que tudo isso passou a ocupar em nossas vidas. A cultura do atalho, da urgência, revela muito sobre a pressa em silenciar sintomas, sobre o desconforto que temos com o tempo e com a elaboração — e isso é reflexo do nosso contexto social.

Viver também exige pausa, elaboração e critério. Talvez o que mais nos falte não seja um novo medicamento, mas tempo psíquico. Tempo para pensar, para sentir, para entender e balancear o que escolhemos. Porque mesmo decisões aparentemente simples, como iniciar o uso de uma medicação, carregam implicações que vão além da bula.

Se há algo que deveria ser contraindicado, é viver no modo automático. Como sujeitos abduzidos por tendências, sem espaço interno para criar critérios próprios e colocar limites.

Comer virou culpa. Esperar, fracasso. A vida parece pedir urgência até para mudar, sem escuta, sem elaboração, sem travessia.

Não basta caber no padrão se, dentro de si, algo transborda e aperta. Corpo bonito com dor calada pesa, e muito. No fim, o convite não é contra a escolha, mas por mais tempo para ela. Porque, quando a pressa manda, a gente nem sempre percebe o quanto pagou ou o que perdeu até que já tenha ido.