
A vodca é o nono tipo de alimento mais falsificado no mundo, de acordo com uma análise publicada no periódico científico Journal of Food Protection em 2024. O grupo de bebidas alcoólicas, além disso, ocupa a sexta colocação entre os mais adulterados.
Os dados foram reunidos por pesquisadores da FoodChain ID a partir de informações de companhias norte-americanas e do Ministério da Agricultura e Pecuária do Brasil (Mapa). O levantamento analisou mais de 15 mil registros públicos sobre fraudes alimentares, como publicações científicas e notícias, produzidos entre 1980 e 2022.
Segundo o estudo, as falsificações de bebidas alcoólicas acontecem, principalmente, com o objetivo de obter vantagem econômica. A fraude mais comum é a diluição e substituição, que ocorreu em 81% dos casos analisados. A situação ocorre quando parte ou a totalidade do produto é substituída por um ingrediente alternativo. Nos registros, a água e o etanol (de origem duvidosa) são listados como adulterantes.
A segunda fraude mais recorrente é o uso de substâncias não aprovadas em alimentos. No caso das bebidas alcoólicas, isso envolve a adição de compostos perigosos, como metanol, álcool isopropílico e etilenoglicol, identificados como adulterantes nesse tipo de produto. O metanol se destaca por ter uma alta toxicidade.
Outros tipos de fraudes incluem a deturpação de origem geográfica, quando há alteração da região no rótulo de um vinho, por exemplo, para vender como se fosse de outra área mais prestigiada, e violação de propriedade intelectual, quando trocam a marca do produto para que este se pareça com um mais caro.
O metanol
O metanol ganhou destaque nos últimos dias. A substância é apontada como causa da morte de pelo menos três pessoas no Estado de São Paulo. Também há casos de intoxicação em investigação em Pernambuco. A suspeita é de que as vítimas tenham ingerido bebidas alcoólicas adulteradas com o produto.
A substância, também conhecida como álcool metílico, é um biocombustível altamente inflamável. Ele pode ser produzido por diferentes processos, como a destilação destrutiva da madeira, o aproveitamento da cana-de-açúcar ou a partir de gases de origem fóssil.
O metanol costuma ser utilizado na indústria química, atuando como solvente, na fabricação de tintas e vernizes e em processos de refinamento. A substância não deve estar presente em nenhum alimento, mas, como citado, é usada ilegalmente na adulteração de bebidas.
Os primeiros sintomas após a ingestão são parecidos com sinais de embriaguez, como fala pastosa e reflexos diminuídos. Algumas horas depois, após a metabolização da substância no organismo, surgem efeitos mais graves: náuseas, vômitos, tontura, fraqueza e dor abdominal.
Além disso, a contaminação provoca alterações no sistema nervoso central que podem variar da sonolência até a perda da visão, um dos principais impactos da intoxicação. Em alguns casos, o quadro evolui para óbito.
Como identificar adulterações?
De acordo com Mariana Thibes, coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa), no caso do metanol, apenas um laboratório consegue detectar a contaminação.
Por ser uma substância incolor e volátil, com odor e sabor muito semelhantes aos do etanol, não é viável que o consumidor consiga identificar o metanol presente em bebidas adulteradas.
Mariana Thibes, coordenadora do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa)
Ela, no entanto, destaca que existem sinais aos quais os consumidores podem ficar atentos, como preço muito abaixo do mercado; ponto de venda informal; embalagens com rótulo mal impresso ou com erros; ausência de CNPJ, lote ou data de validade; lacre violado e turvação ou alteração de cor em bebidas que deveriam ser transparentes.
“Diante disso, o ideal é comprar de fontes confiáveis. Também é fundamental que os órgãos competentes fiscalizem constantemente bares, festas e pontos de vendas para evitar os danos causados por bebidas falsificadas”, destaca.
Recomendações para os estabelecimentos
Em nota, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também faz recomendações para os estabelecimentos comerciais. Uma das orientações é ter o controle da origem das bebidas. “Mantenha notas fiscais e registros de fornecedores. Não compre de estabelecimentos clandestinos/irregulares ou de procedência duvidosa”, cita o órgão.
A agência também destaca que é importante ter cuidado quanto ao armazenamento e ao monitoramento interno dos produtos, e recomenda, por exemplo, que se confira se eles correspondem às especificações originais, como volume, lote e data de validade.
Além disso, é necessário ter atenção a possíveis sinais de adulteração em estoque: embalagens abertas, tampas soltas, rótulos mal colados ou coloração diferenciada. “(Também) é importante capacitar equipes para identificar sinais de adulteração e orientar consumidores”, cita a Anvisa.
Outros produtos falsificados
Além das bebidas alcoólicas, diversos outros alimentos também sofrem com falsificações. O leite lidera o ranking. Confira a lista dos produtos mais adulterados:
- Leite de vaca (líquido)
- Azeite de Oliva (extra virgem)
- Mel
- Carne bovina
- Pimenta chili em pó
- Azeite de oliva (não especificado como extra virgem)
- Açafrão-da-terra em pó
- Leite em pó
- Vodca
- Ghee (gordura do leite)
Assim como no caso do álcool, a diluição ou substituição de ingredientes foi a principal fraude. Dentre as trocas mais registradas, estão a adição de água, ureia e até detergente em produtos lácteos; a venda de frutos do mar de espécies diferentes das anunciadas, muitas vezes com uso de gelatina; e a comercialização de carne bovina vencida ou misturada com carne de outras espécies, proteína de soja e vísceras.
Também foram identificados casos de ervas e temperos adulterados com corantes artificiais, folhas, cascas e farinha de milho, além de azeite de oliva diluído com óleos mais baratos, como o de girassol.
Como identificar as falsificações?
As recomendações são parecidas com as das bebidas alcoólicas. É indicado desconfiar de produtos com preços muito baixos, ter cuidado ao comprar alimentos sem rótulos ou vendidos a granel e conhecer bem os fornecedores. No caso dos azeites, há também algumas dicas de pesquisadores que abordamos aqui.
A Anvisa alerta que produtos falsificados são fabricados em condições desconhecidas e apresentam composição incerta. Por isso, não é possível garantir que tenham sido produzidos de forma higiênica nem que sua formulação seja segura.
“A população não deve consumir produtos suspeitos de falsificação ou adulterados. Em caso de suspeitas, deve-se proceder com denúncia junto ao órgão de vigilância sanitária competente”, destaca o órgão.
A preocupação com fraudes, vale destacar, não deve impedir o consumo de alimentos in natura, obtidos de plantas ou animais e com alterações mínimas na indústria, como moagem ou secagem. Eles são amplamente reconhecidos como saudáveis e recomendados como prioridade na alimentação.