Os recentes casos de intoxicação por bebidas alcoólicas contaminadas por metanol geraram incertezas sobre a segurança de consumir produtos do tipo. Às vésperas do fim de semana, período em que o consumo de álcool costuma aumentar, especialistas recomendam evitar a ingestão de produtos do tipo, principalmente de destilados.
Estamos falando de uma intoxicação de potencial letal, em que a única forma de se proteger, até que as autoridades esclareçam a origem e o motivo das ocorrências, é cortar a ingestão de bebidas alcoólicas, sobretudo de destilados incolores, como gim e vodca.
Felipe Liger, médico emergencista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz
O destaque para os destilados incolores, segundo Liger, acontece porque o metanol não tem cor nem cheiro, o que facilita sua mistura em bebidas transparentes, como vodca e gim, sem que seja notado. Isso faz com que o consumidor não perceba a adulteração pelo gosto ou pela aparência, aumentando o risco de consumo inadvertido. Bebidas que possuem coloração podem ficar com a aparência um pouco mais diluída, mas também são difíceis de identificar.
Uno Vulpo, médico de família especializado em redução de danos, usa o whisky como exemplo. Como a bebida tem uma cor específica, quem a consome poderia conseguir identificar alterações. “Já no caso da vodca, por ser transparente, o parâmetro de comparação é ainda menor”, diz.
Em entrevista ao Estadão, o farmacêutico Rodrigo Ramos Catharino, doutor em Ciência de Alimentos e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explicou que a escolha pelos destilados é motivada pelos preços e teores alcoólicos mais elevados. Além disso, eles são mais fáceis de adulterar do que as bebidas fermentadas. “Mas todo e qualquer produto alcoólico é viável”, avisou.
Na mesma reportagem, a química Glauce Guimarães Pereira, integrante da comissão técnica do Conselho Regional de Química de São Paulo, esclareceu que o teor alcoólico da cerveja é baixo (de 4% a 6%, em geral), e o produto apresenta maior complexidade aromática. “Isso significa que qualquer desvio químico é mais fácil de notar”, pontuou.
Luis Fernando Penna, gerente médico do pronto atendimento do Hospital Sírio-Libanês também entende que evitar o consumo é o melhor caminho. Para ele, a recomendação deve ser adotada em todo o território nacional, mesmo em locais sem casos suspeitos de intoxicação. “As pessoas têm que parar de beber neste momento. O metanol leva a um risco de vida muito grande. Não dá para bobear e brincar”, alerta.
Há pelo menos 53 casos de contaminação por metanol em investigação em São Paulo, seis em Pernambuco e um no Distrito Federal. Nesta sexta-feira, 3, a Bahia informou o registro da primeira morte suspeita de contaminação pela substância e o Paraná notificou o Ministério da Saúde sobre uma investigação em andamento no Estado.
Igor Marinho, infectologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo, recomenda ter cautela com a procedência dos produtos. “O risco está relacionado principalmente a bebidas alcoólicas de procedência duvidosa ou vendidas sem rotulagem adequada. Produtos clandestinos, adulterados ou vendidos em garrafas reaproveitadas oferecem maior perigo, porque podem conter metanol misturado ao álcool comum.”
Marinho ainda destaca que não existem medidas que possam diminuir os impactos em uma possível contaminação, como se alimentar ou se hidratar bem. “O risco está na própria substância, que, quando metabolizada pelo fígado, gera compostos altamente tóxicos. A única forma de prevenção é evitar o consumo de bebidas de origem desconhecida.”
O que é o metanol?
Também conhecido como álcool metílico, o metanol é um biocombustível altamente inflamável. Ele pode ser produzido por diferentes processos, como a destilação destrutiva da madeira, o aproveitamento da cana-de-açúcar ou a partir de gases de origem fóssil.
O metanol costuma ser utilizado na indústria química, atuando como solvente, na fabricação de tintas e vernizes e em processos de refinamento. A substância não deve estar presente em nenhum alimento, mas é usada ilegalmente na adulteração de bebidas, por não ter coloração ou odor característicos.
Os primeiros sintomas após a ingestão são parecidos com sinais de embriaguez, como fala pastosa e reflexos diminuídos. Algumas horas depois, após a metabolização da substância no organismo, surgem efeitos mais graves: náuseas, vômitos, tontura, fraqueza e dor abdominal.
Podem parecer sintomas de uma ressaca comum, mas Marcus Gaz, cardiologista e gerente médico das unidades avançadas do Einstein Hospital Israelita, ressalta que, no caso de álcool contaminado com metanol, eles aparecem mesmo quando ocorre a ingestão de pequenas quantidades.
“O segundo ponto importante é a questão do tempo. Depois que a gente exagera no consumo do álcool, com o passar das horas, os sintomas tendem a melhorar, não a piorar. A intoxicação por metanol é diferente. Os sintomas tendem a se intensificar e, normalmente entre 6 e 12 horas, eles começam a mudar.”
A partir desse momento, a contaminação passa a provocar alterações no sistema nervoso central, como dores de cabeça, turvação visual e até mesmo convulsão e desequilíbrio, conforme o médico.
Em caso de suspeita de intoxicação, a principal recomendação é procurar atendimento médico imediatamente.
“O principal fator relacionado ao sucesso do tratamento é ele ser iniciado de forma precoce”, destaca Carolina Pimentel, médica gastroenterologista e hepatologista.
Depois de 24 horas, manifestações graves envolvendo vários órgãos, como o fígado e o rim, se tornam muito importantes e o risco de óbito relacionado a essa intoxicação também é muito maior.
Carolina, que é coordenadora de Gastroenterologia da Afya Educação Médica.
Receio de não beber
Vulpo destaca que ficar sem beber não deveria ser um problema. A dificuldade em não ingerir bebida, acrescenta ele, pode indicar um Transtorno de Uso de Álcool.
Segundo o médico, o transtorno ocorre quando a relação da pessoa com a bebida começa a gerar prejuízos em sua vida. Não importa se ela consome apenas nos fins de semana ou diariamente. O que caracteriza o quadro é o impacto do álcool no cotidiano.
Isso pode se manifestar de diferentes formas: dificuldade em parar de beber mesmo querendo, críticas de amigos sobre o excesso, prejuízos no trabalho, como ressacas frequentes antes de um dia útil, problemas familiares, financeiros ou danos diretos à saúde. Nesses casos, é importante buscar ajuda médica ou psicológica.