Idosos com computador
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Pensar e Agir

Conectados, mas não incluídos: o alcance e os limites da tecnologia

Analfabetismo digital é principal motivo para a não utilização da internet; maioria dos excluídos são idosos

Conectados, mas não incluídos: o alcance e os limites da tecnologia Conectados, mas não incluídos: o alcance e os limites da tecnologia Conectados, mas não incluídos: o alcance e os limites da tecnologia Conectados, mas não incluídos: o alcance e os limites da tecnologia

Em um mundo cada vez mais conectado, as dificuldades que uma pessoa excluída digitalmente enfrenta são enormes. Da solicitação de um serviço público à candidatura a uma vaga de emprego, diversas situações são prejudicadas quando não se sabe ou não se tem acesso à tecnologia.

Por mais que, em 2023, 92,5% dos domicílios brasileiros (72,5 milhões) tivessem internet, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) divulgada pelo IBGE, cerca de 22,4 milhões de pessoas não utilizavam a conexão.

No Espírito Santo, os dados em relação aos domicílios são semelhantes aos índices nacionais. O Estado tem a 11ª maior taxa de domicílios conectados do país, alcançando 90,37% deles, conforme o Censo de 2022.

Contudo, há ainda muitas pessoas que não tiveram a oportunidade de aprender a utilizar equipamentos tecnológicos ou acessar a internet para conhecer suas funcionalidades. Este era o caso de Fernando Pereira de Andrade.

Eu não sabia nem ligar um computador. Muito menos fazer criação de pasta, fazer digitação… era uma negação. Era muito dificultoso para mim.

Fernando Pereira de Andrade, aluno Qualificar ES
Fernando Pereira de Andrade. Foto: Reprodução/TV Vitória

Morador de Cariacica, Fernando sentiu necessidade de se atualizar e começou a buscar uma mudança de vida. Então, ele entrou em um curso profissionalizante na área de informática do Qualificar ES.

“Qualquer coisa que você faz hoje tem tecnologia. Então, nós temos que buscar essa especialização. Isso foi a minha maior motivação”, conta ele, que entrou no curso de Informática básica, chegou à avançada e hoje até monta e faz manutenção de computadores.

“Hoje, eu posso dizer com toda certeza que eu tenho facilidade de entrar no explorador de arquivo, entrar em um servidor, criar uma pasta lá dentro, fazer backup, enfim. Fazer algo novo, tirar arquivo, colocar arquivo, apagar arquivo”.

Analfabetismo digital

A alfabetização digital que Fernando adquiriu é uma das maiores necessidades para viabilizar a democratização do mundo tecnológico. Conforme o professor de Ciência da Computação da Faesa Rober Marcone Rosi, possuir ou não um equipamento conectado é apenas uma parte do problema:

Mesmo que a pessoa tenha acesso ao equipamento, não quer dizer que ela vai conseguir fazer uso dos serviços que estão propiciados por esse acesso. Quando você tem o equipamento, mas não sabe usar, ele vai ficar encostado na parede.

Rober Marcone Rosi, professor da Faesa.
Rober Marcone Rosi, professor da Faesa. Foto: Reprodução/TV Vitória

Os dados confirmam a teoria. Dos mais de 22 milhões de brasileiros que não usavam a internet em 2023, 46,3% disseram que não sabiam utilizá-la, enquanto 29,5% não viam necessidade. Os motivos relacionados à razão econômica, seja pelo valor do serviço de internet ou do equipamento eletrônico, foram apontados por 15%.

Este analfabetismo digital traz consequências reais, como pontua o professor. “Se você não consegue fazer uso dos serviços que hoje estão disponibilizados na via digital, você vai ter que buscar o atendimento presencial. Aí você chega num ponto em que você tem poucas pessoas atendendo, um volume muito grande de atendimento, filas, e acaba não conseguindo o serviço…”. 

Excluídos digitais
Arte: Folha Vitória

Observando o perfil das pessoas que não acessam a internet, é possível identificar que são justamente aqueles que mais se beneficiariam da facilidade de agendar uma consulta médica virtualmente, por exemplo. Segundo os dados da PNAD, 51,6% dos excluídos digitais são idosos.

O secretário de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional (Secti), Bruno Lamas, explica que o objetivo do governo é justamente promover a imersão da população “em um mundo cada vez mais inovador, onde os serviços, inclusive públicos, são cada vez mais adeptos ao uso da tecnologia”.

O secretário Bruno Lamas.
Secretário Bruno Lamas. Foto: Reprodução/Secti

Lamas conta que a gestão tem investido em ensino digital nas escolas e também em cursos itinerantes que levam conhecimento sobre computação e informática para diferentes cidades do Estado.

A interiorização da inclusão digital é uma necessidade apontada por Wanessa Guisso, aluna de Ciência da Computação da Faesa. Da área rural de Viana, a estudante conta que muitas pessoas da região não têm acesso às tecnologias e por isso têm muitas dificuldades para executar tarefas simples do dia a dia.

Wanessa Guisso, aluna da Faesa.
Wanessa Guisso, aluna da Faesa. Foto: Reprodução/TV Vitória

“Emitir boleto, pagar conta, fazer Pix, marcar médico. É um pesadelo. Eles não têm confiança nas ferramentas”, conta a estudante, que também acredita que esse desconhecimento não só dificulta a solução de alguns problemas, como também pode facilitar a atuação de golpistas.

Caminhos para a inclusão digital

Segundo o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), uma co-realização da Fundação Itaú, em parceria com a ⁠Fundação Roberto Marinho, ⁠Instituto Unibanco, UNESCO e UNICEF, apenas um a cada quatro adultos brasileiros possui habilidades digitais avançadas, cada vez mais buscadas pelos empregadores.

Pensando nessa necessidade de democratização do acesso às tecnologias, a Faesa começou a atender pessoas em diferentes regiões do Estado e do Brasil para incluí-las digitalmente há 15 anos. 

O professor Rober Marcone Rosi conta que o projeto começou no entorno da instituição e, em seguida, foi levado para Linhares e São Mateus com a ajuda do Projeto Tamar. Com o tempo, o programa chegou ao Amazonas e até aos presídios capixabas. 

“Fizemos uma parceria com a Procuradoria para atender as pessoas que estão internadas em presídios porque sabemos que essa pessoa, em algum momento, volta para a sociedade e ela precisa de conhecimento para pensar em outra vida que não seja aquela vida que a levou a ficar presa”.

Outro tema relevante apontado pelo secretário Bruno Lamas é o avanço da Inteligência Artificial. Pensando nas múltiplas possibilidades oferecidas pelas ferramentas, Lamas conta que o governo vai começar, em setembro deste ano, uma ação focada na IA para pessoas com diferentes níveis de conhecimento sobre a tecnologia.

Essa é uma ação importante para evitar, inclusive, o aumento da injustiça social. Nós não podemos excluir pessoas por conta da tecnologia que chegou para ficar. Então, essa trilha da IA é muito importante também na transformação e na inserção das pessoas nesse novo mundo do trabalho.

O conhecimento sobre as tecnologias adquirido após anos de exclusão mudou a vida de Silvane Santos de Oliveira Moura. Após fazer um curso básico de informática, ela espera evoluir ainda mais.

Silvane Santos de Oliveira Moura, aluna do Qualificar ES
Silvane Santos de Oliveira Moura, aluna do Qualificar ES. Foto: Reprodução/Secti

“Eu sinto que daqui para frente eu tenho capacidade de buscar alguma coisa melhor. Eu me vejo mais capacitada, eu me vejo melhor”.

Julia Camim

Editora de Política

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.