Foto: Divulgação
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Em uma época em que a gastronomia vive uma constante busca pelo novo, é curioso e ao mesmo tempo reconfortante perceber que as festas de fim de ano caminham na direção oposta. Para este Natal, as grandes tendências não vêm da ousadia, mas do afeto. Os clássicos estão de volta à mesa, e ganham, claro, um toque contemporâneo que valoriza técnica, elegância e equilíbrio.

Os pratos que marcaram gerações retornam com força total: peru recheado, tender caramelizado, farofas fartas, salpicões cremosos, bolos de frutas, sobremesas geladas. Mas nada disso chega igual ao que conhecíamos. A novidade está justamente na forma como revisitamos esses sabores, com mais cuidado na execução, ingredientes de qualidade e apresentações delicadas.

Memória afetiva: o ingrediente do ano

O movimento não acontece por acaso. Depois de anos de instabilidade, distanciamento e mudanças no modo de celebrar, muitos reencontros voltam a acontecer com mais significado. Isso faz da ceia um momento de conexão e de lembranças.

E classicamente, essas memórias têm sabor.
Do cheiro de manteiga espalhando pela casa ao abrir o forno, ao barulho da faca cortando o crocante do tender… A comida tem o poder de nos transportar no tempo e isso nunca esteve tão em alta.

Aqui, vale lembrar o que destaca a chef confeiteira Andrea Souto:
“O Natal é quando a cozinha ganha voz, memória e coração. É quando cada receita deixa de ser técnica e passa a carregar histórias. Uma simples rabanada, que nasceu como comida humilde, se transforma em algo grandioso na ceia.”

Clássicos com toque contemporâneo

A releitura moderna não se trata de desconstruir receitas, mas de refiná-las. É sobre trazer leveza, equilíbrio e técnica ao que já é amado. Entre as tendências mais fortes:

Peru com recheios aromáticos
Sai o recheio pesado e entram composições perfumadas com frutas secas hidratadas, ervas frescas e manteiga clarificada. O segredo atual é o método de cocção lenta, garantindo carne úmida e sabor profundo.

Tender glaceado com notas ácidas
O tradicional molho agridoce ganha versões com laranja bahia, redução de balsâmico e especiarias mais sutis. Resultado: brilho, frescor e protagonismo do sabor natural da carne.

Farofas artesanais
O retorno da farofa é um fato e, neste ano, ela volta em versões gourmetizadas: de brioche tostado, de castanhas assadas ou com toques de banana-da-terra caramelizada.

Salpicão repaginado
Mais leve, com menos maionese e mais textura. Nozes tostadas, maçã verde e frango assado lentamente criam um prato elegante, fresco e cheio de personalidade.

Nesse ponto, a chef Anacarla Favalessa reforça como esses preparos despertam nostalgia:
“Falar de ceia é falar desse resgate familiar. A farofinha agridoce, o peru com manteiga de ervas, o pernil em longa cocção… tudo remete àquela comida de mãe e avó. E claro, o salpicão tradicional com passas, que não pode faltar.”

Quando a técnica encontra o afeto

Atualizar clássicos não significa perder a essência. O propósito é valorizar os sabores que marcaram família, tradição e aconchego, mostrando que a alta gastronomia também mora na simplicidade, quando tratada com respeito e cuidado.

Trabalhar essas memórias de forma contemporânea é uma das coisas que mais gosto na cozinha. Há algo especial em transformar receitas antigas em experiências novas, sem romper com a história que elas carregam.

Como diz Andrea Souto:
“No Natal, deixamos um pouco de lado a precisão técnica e abraçamos o lado afetivo. Cada prato conta uma história, e isso faz toda diferença.”

Natal é memória, é reencontro, é o sabor de quem nós somos. E se este ano os clássicos voltaram ao centro da mesa, é porque todos nós, de alguma forma, estamos buscando exatamente isso: um momento de pausa, carinho e pertencimento.

E para celebrar esse reencontro entre tradição e modernidade, trago uma sugestão que traduz perfeitamente o espírito desta coluna: uma farofa clássica, mas com releitura leve, aromática e cheia de personalidade. A Farofa de Banana-da-Terra Caramelizada com Castanhas é daquelas receitas que abraçam a memória afetiva, mas chegam à mesa com a sofisticação que a ceia de Natal merece. Simples de preparar, versátil e absolutamente marcante, um acompanhamento que transforma qualquer prato principal em um momento especial.

Receita: Farofa de Banana-da-Terra Caramelizada com Castanhas

Uma releitura elegante e aromática da farofa tradicional, perfeita para acompanhar peru, tender ou pratos assados.

Ingredientes

2 bananas-da-terra maduras (não muito moles)
2 colheres de sopa de manteiga
1 colher de sopa de açúcar mascavo
1 cebola pequena picada
2 dentes de alho picados
½ xícara de castanhas de caju ou castanhas-do-pará picadas
3 xícaras de farinha de mandioca fina ou biju
Sal e pimenta-do-reino a gosto
Salsinha ou coentro picado para finalizar

Modo de preparo

Caramelize as bananas:
Corte as bananas em cubos. Derreta a manteiga em fogo médio, adicione o açúcar mascavo e cozinhe até formar um caramelo leve. Acrescente as bananas e doure dos dois lados. Reserve.

Prepare a base da farofa:
Na mesma panela, coloque mais um fio de manteiga, acrescente a cebola e refogue até ficar translúcida. Adicione o alho e deixe dourar levemente.

Incorpore a farinha:
Junte as castanhas picadas, mexa bem e acrescente a farinha aos poucos, mexendo sempre para tostar levemente.

Finalize:
Ajuste sal e pimenta. Por último, misture delicadamente as bananas caramelizadas para que não desmanchem. Finalize com salsinha ou coentro fresco.

Para servir

Leve à mesa ainda morna, em uma travessa bonita, e deixe que o aroma abra a ceia com calor e memória.

Que cada prato da sua ceia seja um convite para celebrar não apenas o ano que termina, mas todas as histórias que trouxeram você até aqui.

Boas festas e bom apetite!

Alessandro Eller

Colunista

Chef de cozinha, apresentador do reality show "Chef de Família" da TV Vitória/Record TV. É presidente do Instituto Panela de Barro e professor de Gastronomia na Universidade de Vila Velha

Chef de cozinha, apresentador do reality show "Chef de Família" da TV Vitória/Record TV. É presidente do Instituto Panela de Barro e professor de Gastronomia na Universidade de Vila Velha