Câmara Municipal da Serra
Foto: Reprodução/TV Vitória

O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) ofereceu denúncia contra quatro vereadores e um ex-vereador da Serra por corrupção passiva, e pediu a suspensão cautelar do exercício dos mandatos deles. Entre os denunciados está o presidente da Câmara Municipal, Saulinho (PDT).

Além de Saulinho, o requerimento do MPES, direcionado nesta quarta-feira (13) a 2ª Vara Criminal da Serra, também mira os vereadores Cleber Serrinha (MDB), Teilton Valim (PDT) e Wellington Alemão (Rede).

A solicitação da medida cautelar se baseia em um Procedimento Investigativo Criminal que apura que os parlamentares “solicitaram, para si, direta e indiretamente, vantagem indevida em razão do cargo de vereador que ocupavam, na época, bem como aceitaram promessa de tal vantagem” durante a tramitação de um projeto de lei.

Saulinho, Cleber Serrinha, Teilton Valim e Wellington Alemão.
Saulinho, Cleber Serrinha, Teilton Valim e Wellington Alemão. Fotos: Reprodução/Câmara da Serra

A proposta em questão, segundo o documento, foi apresentada em 2024 pelo então prefeito da cidade, Sérgio Vidigal (PDT). O texto visava à regularização de imóveis urbanos de propriedade do município.

A investigação apontou que a proposta envolvia “interesse de várias pessoas, inclusive do então prefeito e de Luiz Carlos Moreira” (ex-vereador da Serra e co-denunciado pelo MPES). Segundo consta na denúncia, o texto ficou conhecido como “Projeto do Prefeito” ou “Projeto do Moreira”.

No dia da votação, alguns vereadores, entre eles os quatro denunciados, se reuniram para discutir o projeto e saber “o que estava por trás” de uma emenda apresentada por Wellington Alemão.

Reunião com oferta de propina foi gravada

Esta reunião foi gravada, e o áudio, enviado à Polícia Civil. Segundo consta no documento do MPES, foram discutidas formas de recebimento da suposta vantagem ilícita: R$ 100 mil ou um terreno de 6 mil m². Os denunciados preferiam dinheiro, conforme a denúncia.

Segundo o MPES, Wellington Alemão seria o “porta-voz” de quem oferecia a vantagem ilícita e nessa reunião gravada explicou aos demais vereadores que a “referida vantagem era, inicialmente, R$ 100 mil, mas que, depois, foi oferecido um terreno de 6 mil metros quadrados, em Balneário Carapebus, que, de acordo com Wellington, valeria mais do que os R$ 100 mil antes ofertados”.

Em um dos trechos transcritos da reunião consta uma fala de Wellington: “Não vou mentir pra ninguém, o cara conversou comigo ontem à noite. E conversou hoje de manhã… se vocês não quiserem votar hoje e quiser que dá em dinheiro eu vou atrás do cara também, entendeu?”. Na denúncia não consta quem seria “o cara”, nem mesmo se o pagamento foi efetivado.

O projeto foi apresentado em março de 2024, aprovado três meses depois, no dia 7 de junho, e vetado parcialmente pelo prefeito Sérgio Vidigal no final do mês. O veto foi apenas à emenda apresentada por Wellington, declarada inconstitucional.

A investigação também mostra que houve tratativas semelhantes em relação a outros projetos, como o Plano Diretor Municipal e um projeto de lei que previa sua modificação.

Para o MPES, os casos indicam risco concreto de novas práticas criminosas. Segundo o órgão, as condutas investigadas estão diretamente ligadas ao exercício dos mandatos e evidenciam a necessidade do afastamento cautelar.

“Os fatos que podem ser extraídos do áudio levados a conhecimento do MPES são extremamente graves e colocam a ordem pública em cheque, devendo, para protegê-la, afastar aqueles que possuem a intenção de feri-la de suas funções públicas”, escreveu a promotora de Justiça Giselle de Albernaz Meira.

O que dizem a lei e a emenda

A lei que derivou do projeto 69/2024 (que gerou a discussão dos vereadores) institui a política de regularização de imóveis urbanos do município que foram dados pelo proprietário (prefeitura) a alguém em “aforamento, enfiteuse ou emprazamento” – trata-se de um direito sobre coisa alheia que permite a concessão mediante um pagamento anual. É diferente de uma doação, onde a propriedade é transferida, aproximando-se de um arrendamento. Ou seja, dado para uso de alguém mediante pagamento de taxas.

Consta no texto que a regularização é “de interesse público e social” e pode ser concedida em quatro hipóteses:

  • imóveis concedidos mediante título e não registrados em cartório;
  • imóveis regulares, mas alienados a terceiros de boa-fé sem a anuência da prefeitura;
  • imóveis regulares, mas transferidos aos herdeiros;
  • imóveis cujos pagamentos não foram realizados.

A lei estabelece como será a regularização e os critérios para tal.

Já a emenda acrescentava outras duas possibilidades para a regularização:

  • Imóveis em uso com área superior a 5.000 m² que tenham benfeitorias, memorial descritivo e planta há mais de cinco anos;
  • Áreas remanescentes de enfiteuse, que tenham benfeitorias desde que tenham cinco anos.

O outro lado

A Câmara da Serra foi procurada por email e por telefone pela reportagem do Folha Vitória para se manifestar sobre a denúncia e pedido de afastamento, mas não retornou até o momento da publicação.

O presidente da Casa foi procurado, mas disse que ainda não foi notificado e, por isso, não vai se manifestar.

Teilton afirmou que “o processo segue em análise pela Justiça. Mantemos nossa confiança no devido processo legal e seguimos trabalhando com seriedade e o compromisso de sempre com a população”.

Cleber Serrinha estava “indisponível”, enquanto Wellington Alemão não foi encontrado pela reportagem. Os dois foram questionados também por email. O espaço segue aberto.

O ex-vereador Luiz Carlos Moreira, que também já foi deputado estadual, também foi procurado por telefone, mas sem sucesso. O espaço segue em aberto para manifestação.

O ex-prefeito Vidigal, que não é denunciado no processo, disse que a denúncia trata apenas da emenda feita pelo vereador, que inclusive foi vetada por ele por ter sido declarada inconstitucional. Ele ressaltou que não é denunciado e nem investigado.

Vidigal também afirma que não tinha interesse pessoal no projeto. “O interesse era do município, da prefeitura que tinha a proposta de regularizar terrenos. Foi uma iniciativa da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SEDUR)”.

A prefeitura da Serra disse que não vai se manifestar sobre o caso, visto que não está envolvida.

Julia Camim

Editora de Política

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.

Atuou como repórter de política nos veículos Estadão e A Gazeta. Jornalista pela Universidade Federal de Viçosa, é formada no 13º Curso de Jornalismo Econômico do Estadão em parceria com a Fundação Getúlio Vargas.