
No último domingo (29), o Brasil assistiu com tristeza ao nocaute de Charles do Bronx no UFC 317, em Las Vegas. O lutador foi derrotado pelo adversário Ilia Topuria ainda no primeiro round, em pouco mais de dois minutos. Apesar do choque pelo resultado, quero te convidar hoje a olhar além do octógono, para um tema que influencia muito mais do que se imagina no desempenho dos atletas: a brusca perda de peso para atingir a categoria alvo.
Em esportes de combate, essa prática é comum. Lutadores como Charles do Bronx e Alex Poatan são conhecidos por estratégias extremas antes da luta. Mas até que ponto isso é seguro? E mais: será que ajuda ou prejudica a performance?
Por que existe pesagem nas lutas?
A pesagem existe para separar os atletas em categorias de peso, garantindo combates mais justos. Afinal, seria perigoso e desigual um lutador de 70 kg enfrentar outro de 90 kg, por exemplo.
Mas, na prática, essa regra abriu espaço para uma estratégia arriscada: muitos lutadores realizam grandes cortes de peso antes da pesagem para entrar na categoria desejada e, depois, recuperam o máximo que conseguem antes do combate. Dessa forma, sobem para lutar maiores e, teoricamente, mais fortes que o adversário.
Dois tipos de perda de peso pré-luta
A perda de peso pode acontecer de duas formas principais:
Gradual/crônica:
O atleta planeja a perda de peso ao longo de semanas ou meses antes da luta, ajusta a alimentação, reduz a gordura corporal e realiza treinos adequados. Essa estratégia é a mais segura, pois preserva sua saúde, mantém a força e garante boa capacidade aeróbica.
Rápida/aguda:
O atleta perde peso em poucos dias ou até horas antes da luta, principalmente através de desidratação, seja ativa, com treinos em ambientes quentes e uso de roupas de plástico, ou passiva, como saunas e banhos quentes. Esse método pode resultar em uma redução brusca do peso corporal inicial em um prazo muito curto, trazendo consequências graves para a saúde e para a performance.
Quais os perigos da perda de peso rápida?
A desidratação pode afetar significativamente o desempenho. Quanto maior a perda, maiores os impactos físicos e psicológicos:
Desidratação leve (1-2% do peso corporal)
- Reduz a resistência física
- Diminui a capacidade de concentração e atenção aos detalhes
moderada (3-5%)
- Aumenta a frequência cardíaca e o cansaço
- Prejudica força, potência e aumenta o risco de câimbras e lesões
- Compromete a clareza mental, diminuindo a rapidez no pensamento, na tomada de decisões e no raciocínio estratégico durante a luta
severa (>5%)
- Pode causar tonturas, vômitos, desmaios, arritmias cardíacas, falência renal e até morte
Além disso, após atingir o peso desejado, o atleta busca recuperar rapidamente tudo o que perdeu em menos de 24 horas. Esse reganho brusco de líquidos e nutrientes, conhecido como efeito sanfona extremo, sobrecarrega rins e coração, aumenta o risco de distúrbios nos níveis de eletrólitos e pode gerar fadiga intensa, náuseas, problemas digestivos e alterações neurológicas.
Outro fator pouco comentado é que, após uma desidratação brusca, o cérebro é um dos últimos órgãos a se reidratar completamente. Isso significa que, mesmo quando o corpo já aparenta ter recuperado o volume de líquidos, o sistema nervoso central pode continuar comprometido por horas. Com menos líquido ao redor do cérebro, a proteção natural entre o tecido cerebral e o crânio diminui, aumentando significativamente o risco de concussões e nocautes em golpes que normalmente seriam tolerados.
Como nutrir o atleta após a pesagem?
Para garantir performance e reduzir riscos, a recuperação nutricional deve ser realizada o mais rápido possível, planejada conforme os métodos utilizados na perda de peso:
- Reidratação: ingerir 125-150% do volume de fluidos perdidos, preferindo bebidas com eletrólitos, como soluções de reidratação oral ou leite, para restaurar a osmolaridade plasmática
- Reposição de glicogênio: ingerir 5-10g de carboidrato/kg até o dia seguinte para restabelecer reservas musculares e hepáticas, fundamentais para força e potência nos combates
- Evitar desconforto gastrointestinal: não reintroduzir fibras em excesso logo após a pesagem, pois pode gerar distensão abdominal e mal-estar
- Planejar e testar antes: todas essas estratégias devem ser treinadas antes de competições importantes, para avaliar tolerância individual
Acima de tudo, é essencial ter acompanhamento nutricional especializado, tanto para o corte de peso quanto para a recuperação. O nutricionista conhece a fisiologia, as demandas do esporte e as melhores estratégias para garantir saúde, segurança e alta performance ao atleta.
Não estamos afirmando tecnicamente o que aconteceu na luta de Charles do Bronx nesse domingo, mas as consequências da desidratação podem ter sido um dos possíveis motivos que contribuíram para a sua derrota.