Foto: divulgação/freepik
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A companhia aérea australiana Qantas planeja lançar, em 2027, o voo mais longo do mundo, conectando Nova York a Sydney em cerca de 19 horas. Para reduzir o cansaço extremo, a empresa aposta em refeições baseadas em evidências científicas, iluminação inteligente e práticas de bem-estar.

No cardápio, entram alimentos ricos em triptofano, aminoácido que favorece a produção de serotonina e melatonina, hormônios ligados ao sono e à regulação do ciclo circadiano, o nosso relógio biológico.

Essas mesmas estratégias, testadas por cientistas e agora aplicadas na aviação, também podem ajudar atletas e viajantes a chegarem mais descansados e com o corpo em sintonia com o novo horário.

Jet lag e o relógio interno

O jet lag é uma alteração temporária do ritmo biológico que ocorre quando atravessamos vários fusos horários rapidamente. O corpo mantém o padrão do horário de origem, enquanto o ambiente externo segue o horário do destino, causando um desencontro entre o relógio interno e o ritmo natural do dia e da noite.

Os sintomas incluem cansaço, insônia, sonolência diurna, irritabilidade, dores de cabeça e queda no desempenho físico e mental. Em atletas, pode afetar diretamente o rendimento e o tempo de recuperação.

O corpo se reorganiza com ajuda dos chamados zeitgebers, os “sinais do tempo biológico”, como luz, temperatura e alimentação. É nesse ponto que a nutrição se torna uma ferramenta poderosa de ressincronização.

Refeições como marcadores de tempo

Segundo o estudo Nutrition for Travel: From Jet Lag to Catering, publicado no International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, o horário e a composição das refeições funcionam como sinais biológicos que ajudam a alinhar o corpo ao novo fuso.

Uma das estratégias avaliadas é a chamada Argonne Diet, testada em militares. O protocolo alterna dias com alimentação rica em proteínas com dias de ingestão reduzida de carboidratos, incluindo um breve jejum antes da chegada e um café da manhã rico em proteínas no destino. A ideia é que o padrão alimentar funcione como um sinal metabólico para o corpo ajustar o relógio interno mais rapidamente.

Embora as evidências ainda sejam limitadas, o princípio é útil: comer nos horários correspondentes ao destino e ajustar a composição das refeições pode ajudar o corpo a se adaptar mais rápido.

Composição das refeições e sono

A escolha dos alimentos antes de dormir influencia diretamente o descanso e a recuperação. Refeições ricas em carboidratos de alto índice glicêmico, feitas três a quatro horas antes de dormir, reduzem o tempo para adormecer.

Dietas muito pobres em carboidratos aumentam o sono profundo, útil para recuperação física, mas reduzem o sono REM, importante para o equilíbrio mental. O ideal é equilibrar carboidratos de boa qualidade com proteínas ricas em triptofano, como ovos, laticínios, peixes, sementes e grão-de-bico, que estimulam naturalmente a produção de melatonina e serotonina.

Essa combinação pode ser uma aliada valiosa para quem precisa dormir melhor, seja em casa ou após um voo de 12 horas.

Durante o voo: o que comer e beber

O ambiente do avião impõe desafios únicos. Prefira refeições leves e fracionadas, já que o estômago trabalha mais devagar em altitude. Evite comidas gordurosas, álcool e excesso de açúcar.

Hidrate-se constantemente, mas sem exageros, para não interromper o sono com idas ao banheiro. Café e chá podem ser consumidos se forem parte da rotina, evitando cortes bruscos, já que a falta de cafeína também pode causar dor de cabeça.

O ar seco da cabine reduz a percepção do sabor doce e salgado, por isso alimentos com especiarias e aromas naturais tendem a ser mais agradáveis. Para quem viaja com frequência, levar snacks próprios, como castanhas, frutas secas e barras, ajuda a evitar o consumo por tédio e mantém o controle das escolhas alimentares.

Suplementação e ritmo biológico

Além da alimentação, alguns suplementos podem ajudar na adaptação ao novo fuso, desde que usados com orientação profissional.

A melatonina, hormônio que sinaliza o início do sono, pode ser útil em viagens para o leste, que exigem dormir mais cedo. Doses entre 2 e 8 mg costumam ser utilizadas, mas o horário de uso é determinante: quando ingerida à tarde ou à noite, antecipa o ciclo; pela manhã, pode atrasá-lo. É preciso cautela, já que estudos mostram variação nas dosagens e pureza dos suplementos disponíveis.

A cafeína também pode auxiliar, mas o uso deve ser estratégico. Cerca de 300 mg pela manhã, no horário do destino, ajudam na adaptação e na redução da fadiga, enquanto o consumo próximo ao horário de dormir pode atrasar o relógio biológico e piorar a qualidade do sono.

Usadas com critério, melatonina e cafeína podem ajudar o corpo a realinhar o ciclo circadiano, complementando as estratégias alimentares e comportamentais.

Respeitar o ritmo do corpo

O que a Qantas está fazendo nos céus é uma lição para o dia a dia em terra firme. O corpo humano funciona em ritmo, e quanto mais o respeitamos, melhor ele responde.

A alimentação é uma ferramenta poderosa para alinhar esse relógio interno. Equilibrar nutrientes, horários e sono é tão eficaz para a disposição quanto qualquer estimulante. Seja em uma competição, em um voo intercontinental ou na rotina de trabalho, o segredo é o mesmo: ensinar o corpo a acompanhar o tempo, e não lutar contra ele.

Bruna Tommasi

Colunista

Nutricionista graduada pela Universidade Vila Velha e pós-graduanda em Nutrição Esportiva e Estética. É apaixonada por promover saúde de forma prática, combinando ciência e estilo de vida para ajudar as pessoas a alcançarem seus objetivos com equilíbrio

Nutricionista graduada pela Universidade Vila Velha e pós-graduanda em Nutrição Esportiva e Estética. É apaixonada por promover saúde de forma prática, combinando ciência e estilo de vida para ajudar as pessoas a alcançarem seus objetivos com equilíbrio