Os banquinhos de cimento que resistem ao tempo

Os bancos nunca saem de moda. Existem muitas opções, com os mais variados materiais, tamanhos e formas, capazes de criar um charme todo especial ao ambiente, verdadeiros recantos nos lares. Eles servem para ter uma conversa boa, descansar um pouco, ler um livro.

Mas há décadas, em um lugar especial na memória, eles se “exibiam” nas calçadas, em diversas cores, sempre de cimento. Quando o engenheiro inglês John Smeaton, conhecido como o “o pai da engenharia civil” criou um produto muito resistente através da calcinação de calcários moles e argilosos, em 1756, certamente não imaginou que sua invenção seria o “primeiro ensaio” do cimento. Muito menos que décadas depois no Brasil, os banquinhos de cimento em frente às casas se tornariam tão populares.

Obstáculos

Em capitais e metrópoles ele praticamente já desapareceu, até porque a legislação dificilmente permite interferências dessa natureza nas calçadas, como ocorre na capital capixaba. “Em Vitória, diante do grande volume de pedestres, priorizando a segurança dessas pessoas, e considerando todas as questões envolvendo acessibilidade, esses banquinhos se tornam grandes obstáculos, especialmente para pessoas com mobilidade reduzida, incluindo deficientes, gestantes e idosos, ou ainda pessoas com problema de visão”, destaca a coordenadora técnica do Programa Calçada Cidadã, Verônica Moulin.

A calçada cidadã possui a faixa de percurso plana, sem degraus, sem obstáculos e não escorregadia, e a de serviço, onde se concentra todo o mobiliário urbano, como árvores, postes, e orelhões. A faixa de serviço é marcada com piso podotátil, diferenciado para identificar área não segura para caminhar.

Já no caso dos estabelecimentos comerciais, em Vitória, as calçadas com menos de 2,35 m não podem ter mesas e cadeiras. E nos passeios entre 1,95 m a 2,95 m, os comerciantes têm de separar 90 cm para o pedestre. Para as calçadas maiores do que 2,95 metros, o espaço deverá ser de 1,20 m.

Há algumas exceções que devem ser estudadas junto à Prefeitura de Vitória, mas que envolve a forma de colocação de cadeiras e mesas, bem com o horário para que isso seja autorizado.

Resistentes

Juliti Louzada Lima e Marivaldo dos Anjos Silva sentados no banquinho do restaurante. Foto: Luciene Araujo

Mas, se por um lado a legislação já proíbe a existência do banquinho nas calçadas, por outro, ele ainda pode ser encontrado no interior, mesmo que em cidades grandes.

Proprietário de um restaurante em Linhares há 42 anos, Juliti Louzada Lima reside ao lado do estabelecimento comercial da família. Ele conta que o banquinho passou mais de 30 anos na calçada da casa.

“Mas, moradores de rua passaram a dormir no banco e deixar o local muito sujo, ao lado da entrada do restaurante. Então decidimos que seria necessário tirar ele da calçada. E para não apagar essa história, colocamos ele no quintal”, conta Lima, sentado ao lado do garçom Marivaldo dos Anjos Silva, que se divertiu com a história do banquinho, hoje ao lado do portão, mas do outro lado do muro.

Em um bairro próximo ao do restaurante do Juliti, aos 78 anos, dona Maria nos surpreende contando que o banco na frente da casa dela, “não é dela”. “Eu tinha uma árvore bem grande aqui em casa e esse banco ficava mais pra ali (mostrando a frente da casa de material de construção que fica ao lado). Mas aí o seu Mário foi abrir a loja e me perguntou se podia deixar o banco na frente da minha casa. E eu deixei”, explica a simpática senhora, que não quis tirar foto, porque não estava arrumada.

Contando história

dona Rosa Maria Monteiro tem verdadeiro “xodó” pelo banquinho que há 26 anos está em sua calçada. Foto: Arquivo Pessoal

Aos 72 anos, dona Rosa Maria Monteiro tem verdadeiro “xodó” pelo banquinho que há 26 anos está em sua calçada.

“Eu ganhei esse banco na campanha de reciclagem feita pelo falecido Juca Gama (ex-deputado estadual e ex-vereador por Linhares). E todos as tardes fico aqui sentada, porque adoro aproveitar a sombra e conversar com os vizinhos”, conta dona Rosa.

A vizinha Sônia Matos Santos Alves é testemunha dessa história. “Dona Rosa é nossa guardiã da rua no período da tarde. Já acostumamos chegar e vê-la no banquinho. Ela passa a manhã toda cuidando da casa, do almoço, do netinho de três anos. Mas à tarde, o banquinho não escapa e ela interage com todo mundo que passa. Dona Rosa é maravilhosa. Se alguém pensar em tirar esse banquinho, a gente não deixa”,

Foto: Luciene Araujo

Ao dar uma volta pela cidade, logo se vê que não são poucos os locais em que ainda encontramos bancos nas calçadas em Linhares. Mas essa não é uma exclusividade.

Em alguns locais bem bucólicos, os banquinhos também sobrevivem como em Venda Nova do Imigrante e em Domingos Martins, por exemplo.

E por muitas cidades, nas cinco regiões brasileiras, especialmente no interior dos Estados, os banquinhos de cimento resistem ao tempo e continuam sendo testemunha da história.

 

Por Leticia Vieira e Luciene Araujo

Foto de Alex Pandini

Alex Pandini

Alex Pandini é jornalista, tem 53 anos e mais de 3 décadas de experiência profissional em rádio, jornal, TV, assessoria de imprensa, publicidade e propaganda e marketing político. Além de repórter e apresentador na TV Vitória, é responsável pelo conteúdo da plataforma ConstróiES.