Gilmara Sossai: “Ser líder é ter retidão e seguir o que é certo de forma transparente”

Gilmara Sossai tem mais de 30 anos de atuação em favor da saúde, principalmente em clínica médica, cirurgia eletiva especializada de média complexidade, atenção ao idoso, Programa de Internação Domiciliar (PID), nefrologia e ambulatório de especialidades. Desde maio de 2020, é diretora-geral do Hospital Estadual Dr. Dório Silva (HEDS).

“Lidamos diariamente com o que é mais sensível – a saúde das pessoas. Por isso é importante ter uma certa leveza na gestão, ouvir muito as pessoas, extrair tudo o que é positivo, buscar alternativas em conjunto.”

O hospital foi inaugurado em 1988 por meio de parceria entre o Governo do Estado e a República Federal da Alemanha. A unidade foi projetada para ser um hospital geral, mas teve seu perfil modificado, em especial no atendimento às urgências, devido à mudança das necessidades da população da cidade de Serra (em 1980 eram 82.568 habitantes). Em 2007, esse número saltou para 385.370. Ao longo dos últimos 20 anos o hospital se tornou referência também para pacientes da Grande Vitória, do interior capixaba, do sul da Bahia e do norte e leste de Minas Gerais.

 

Você foi eleita líder no seu segmento de atuação por votação popular. A que atribui sua vitória? Por que as pessoas a elegeram líder?

Agradeço esse voto de confiança e posso atribuir a minha trajetória profissional aos resultados que tive ao longo do tempo e também aos resultados do nosso hospital. Iniciei na área da saúde aos 17 anos de idade, como acadêmica e estagiária. Tive a oportunidade e atuar em vários segmentos, como assessoria, atenção primária, atenção secundária, atenção ambulatorial especializada, também como superintendente regional de Saúde, em São Mateus. São mais de 30 anos trabalhando muito em favor da saúde.

O Hospital Estadual Dr. Dório Silva é uma instituição tradicional, com 33 anos de serviços prestados ao Sistema Único de Saúde, sob gestão da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), e que hoje vive um novo momento organizacional, com ampliação da oferta de leitos e serviços, melhorias nos processos internos que resultam numa melhor assistência aos pacientes. Tudo esforço de um time muito engajado e comprometido com os processos e resultados que a sociedade espera de nós.

 

Qual seu conceito de liderança?

Conceituar é complexo, mas é fundamental ter clareza nos processos para que todos caminhem no fluxo estabelecido. É ter retidão e seguir o que é certo de forma transparente. Sempre tive oportunidade de assumir liderança por onde passei e nunca encarei isso como ter poder na mão, mas sim como oportunidade de fazer mais e melhor. Eu represento uma instituição, ela não é minha e preciso promover um ambiente organizacional em que todos tenham sintonia. O que é necessário para a instituição deve ser entendido e seguido. Não gosto muito de frases feitas, mas costumo dizer que não temos recursos humanos, temos humanos com recursos, por isso lidamos com o contraditório, ajustamos e seguimos o processo – essa é minha estratégia.

 

Por que é importante ter uma liderança positiva e como praticá-la?

Lidamos diariamente com o que é mais sensível – a saúde das pessoas. Por isso é importante ter uma certa leveza na gestão, ouvir muito as pessoas, extrair tudo o que é positivo, buscar alternativas em conjunto. Eu posso ter os melhores recursos, mas se as pessoas não executarem, nada vai para a frente. Se tenho um problema, não posso criar outro, temos que analisar os desdobramentos e resolver. Discernimento, maturidade, conhecimento técnico e sensibilidade são elementos que praticamos diariamente.

 

Na sua avaliação, como é possível encontrar o equilíbrio e desenvolver uma liderança mais humana, capaz de engajar pessoas?

Equilíbrio nas decisões, ouvindo os envolvidos no processo de trabalho que está posto. Como gestor da unidade, não estou na linha de frente o tempo todo, então, preciso ouvir meus parceiros de trabalho em todas as áreas do hospital. Fundamental é sempre analisar os indicadores e provocar as reflexões sobre o que ocorre. Ao fazer essa provocação, sou transparente, mantenho o time focado e permito que todos se sintam parte desse processo e dos bons resultados que ele traz e pode ainda trazer. O engajamento das pessoas vem a partir do entendimento de que cada um faz o todo acontecer. Com isso, o processo de liderança é natural.

 

Quais comportamentos e habilidades precisam estar mais desenvolvidos no líder?

Comportamento é uma palavra-chave, pois não adianta eu liderar uma equipe para ter uma conduta e eu mesma ter conduta não condizente com os valores da unidade. O comportamento diz muito sobre as pessoas, credibilidade e honestidade são muito importantes no trato com o liderado, pois eles veem as atitudes que são essenciais ao bom funcionamento de todos os processos de trabalho. Se eu não tiver conhecimento técnico sobre o que está posto, não consigo fazer com que as pessoas acreditem que a mudança / melhoria é necessária, nem mesmo para a tomada de decisão. Tenho obrigação de ter conhecimento de cada linha de trabalho.

Tenho formação em administração hospitalar e durante um estágio eu tive que conhecer o processo de higienização, então, eu entrei com a equipe de higienização e executei todo o processo.  E assim foi com outras áreas do hospital. São exercícios muito ricos para nossa maturidade como líder. Tive uma preparação muito boa, até diferenciada de muitos profissionais. E quando sou confrontada com algo que não sei, imediatamente busco o conhecimento para desenvolver as habilidades na equipe, porque as pessoas não estão prontas o tempo todo, elas também têm seu processo de crescimento profissional. Não posso cobrar além daquilo que a pessoa pode me dar, tenho que investir nela, num  aperfeiçoamento que faz a instituição melhorar também.

 

Qual o papel do líder para a garantia da diversidade na companhia?

Um hospital é, por si só, um ambiente muito diverso. E para ter o foco no que é melhor para o paciente, as habilidades das equipes multiprofissionais são essenciais. São diversas categorias profissionais envolvidas no cuidado com o paciente, com as mais diversas opiniões, e num processo construtivo somos  privilegiados enquanto hospital, porque estamos abertos a ouvir os relatos, ajustar o que for necessário e envolver as pessoas no processo, não dar uma opinião apenas para o outro executar, é opinar já se sentindo parte daquela construção.

Hoje, no Dório Silva, colhemos frutos da mudança iniciada há um ano com a implantação de um novo modelo hospitalar assistencial, com indicadores mostrando na prática o impacto positivo que a escolha do Governo do Estado realizou quanto à qualificação do Sistema Único de Saúde capixaba. São melhorias obtidas por causa do comprometimento de todos. Além do início do projeto de estruturação do Núcleo Interno de Regulação Hospitalar (NIR), da Medicina Hospitalar (MH) e mais recentemente do Escritório de Gestão de Alta (EGA), uma outra mudança importante que a unidade viveu foi a ampliação de leitos para o atendimento de pacientes com a Covid-19, passando de 165 leitos no período pré-pandemia, para 275 atuais.

 

A quais outras pautas e temas o líder precisa estar atento nos dias atuais?

Certamente ao bombardeio de informações que vivemos atualmente com a alta conectividade das pessoas com o mundo virtual. Isso é novo para nós e precisamos muito fazer os filtros. As pessoas recebem uma informação no smartphone e já tratam aquilo como verdade absoluta. Não há conhecimento embutido na mensagem, há superficialidade. Isso me preocupa porque as redes sociais deixam as pessoas vulneráveis a fake news e fragiliza nossos processos diante do poder de exposição e da velocidade característica de compartilhamento do que é negativo para a imagem da instituição. O que se compartilha em áudio ou vídeo muitas vezes não representa o que aconteceu naquele momento retratado. Por isso, no dia a dia, temos que ter muita clareza dos processos de trabalho, cumprir as metas e zelar pela instituição. Nossos processos não são garantidos por equipamentos que adquirimos, mas sim por pessoas, e pessoas são vulneráveis.

 

Quais foram seus maiores desafios e conquistas até hoje enquanto líder?

Tive muitas conquistas e desafios ao longo da minha jornada na saúde, mas o que vivemos na pandemia da Covid-19 merece um capítulo especial. Tenho tido um grande líder, o secretário Nésio Fernandes é um visionário, uma pessoa com alta habilidade técnica, que se apropria de um cenário já mirando o futuro. Dias angustiantes, até de desespero, tomaram conta de nós diante de uma doença nova, da necessidade de reorganizar o fluxo para atender os doentes, ajustar equipes, prover insumos, tudo numa velocidade muito grande e que requereu de nós muita dedicação.

Eu assumi a direção do Dório Silva no dia 12 de maio de 2020, auge da primeira onda da pandemia. Em março de 2020, o Dório Silva teve a mudança de perfil estabelecida em portaria para absorver serviços do Hospital Jayme, que estava sendo organizado para ser referência de Covid-19, foi o início de grandes mudanças internas. Em abril do mesmo ano, ocorreu nova mudança de perfil assistencial, e a Secretaria da Saúde (Sesa) começou a planejar obras na unidade para abrir mais leitos. Vivemos uma fase de obras durante a pandemia, saímos de 165 leitos totais para 275 leitos, sendo 70 de UTI. Tivemos um incremento de mais 430 funcionários, passando a ter, hoje, 1.300.

Em meio a isso tudo, eu vim do interior e fiquei longe dos meus filhos, me afastei dos meus pais, sofri muito sem poder abraçá-los. Tive noites de choro, porque a situação era inédita e tínhamos que ter soluções rápidas para tudo. Uma situação que particularmente me comoveu nessa pandemia foi ter que impedir a presença de acompanhante com o doente, doía muito ter que cumprir essa norma porque muitos pacientes se foram sem que seus familiares pudessem dar um último abraço. E a pandemia não acabou. Hoje temos baixa internação pela doença, mas ela ainda está entre nós e temos a vacina como um recurso muito importante neste momento, porque a vida segue, mas dentro de uma condição em que não podemos relaxar.

Agradeço a todos os companheiros de trabalho nessa jornada, bem como a minha família, que entendeu minhas ausências. São grandes os desafios de quem entra para a área da saúde, quem vem para essa área não pode achar que vai viver um mar de rosas. Como o nosso líder Nésio Fernandes sempre nos lembra: “mar calmo nunca fez bom marinheiro”.

 

Qual é, para você, o futuro da liderança? Que habilidades precisa ter o líder do futuro?

Um hospital precisa constantemente revisar processo de trabalho. Temos que estar sempre muito atentos às inovações, ao que é viável, ao que é incremento importante e que traz resultados para a unidade, não só para acompanhar o desenvolvimento, mas também para saber o que é importante e o que não é.

Hoje temos implementado na unidade um modelo inovador de medicina hospitalista que apresenta ótimos resultados. Com a equipe formada por oito médicos e três enfermeiros, a medicina hospitalar da unidade trouxe impactos ao tempo médio de permanência e número de pacientes atendidos por dia nos leitos onde há a atuação do projeto. O hospital passou de uma média de 196 pacientes por dia, em novembro de 2020, para 468, em agosto deste ano, uma ampliação de 138,7%. Em concomitância teve a redução de 11,9 dias de tempo médio de internação para 4,8 dias – isso é mais leito para quem precisa. Os profissionais da MH são responsáveis pelo cuidado de aproximadamente 67% dos leitos clínicos da unidade, o que compreende 80 leitos.

Ações como essa somente são possíveis de serem implementadas se os colaboradores se sentirem parte do resultado. Ao líder do futuro cabe desenvolver ainda habilidades cada vez maiores para lidar com pessoas. O universo hospitalar é muito grande, na verdade, é uma empresa onde funcionam várias outras empresas prestadoras de serviços, nos mais variados segmentos. E em tudo isso temos que estar focados nas pessoas. O líder tem que ter discernimento e conhecer a área em que atua e, ao mesmo tempo, ter habilidade social.

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