Na última semana, o vídeo “1 TREINADOR VS 30 GORDOS”, do canal Foco, com a participação de Guto Galamba, viralizou e já ultrapassa 11 milhões de visualizações. O debate acalorado trouxe à tona velhas questões: obesidade é uma escolha? Existe obeso saudável? Como nutricionista, quero propor uma reflexão fundamentada na ciência.
Obesidade: doença, não escolha
Uma das falas mais fortes foi: “ser gordo é uma escolha”. Essa visão ignora a complexidade da obesidade, reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica com CID próprio.
A genética pode influenciar, mas não atua sozinha. Fatores sociais, ambientais e econômicos também contribuem. Quem não tem acesso a informação nutricional, educação alimentar ou condições financeiras adequadas pode enfrentar maiores dificuldades para manter hábitos saudáveis.
Ao mesmo tempo, existem pessoas com acesso a recursos e conhecimento que deixam de investir no tratamento. Com isso, é possível perceber que reduzir o problema a uma simples escolha não é o caminho. A obesidade é multifatorial, e por isso exige ação. Buscar acompanhamento profissional é essencial para trilhar o caminho da mudança.
Genética, epigenética e obesidade
Ainda sobre a obesidade ser multifatorial, é importante destacar o papel da genética e da epigenética nesse processo. Durante minha graduação, meu Trabalho de Conclusão de Curso foi sobre obesidade e genética, em um estudo na Grande Vitória-ES intitulado “A relação entre o polimorfismo rs9939609 do gene FTO e a obesidade na população da Grande Vitória-ES”. O gene FTO é um dos mais estudados até agora quando o assunto é predisposição à obesidade.
Os resultados mostraram que, para aquele grupo, o ambiente contribuiu mais para o ganho de peso do que o gene em questão. Isso mostra que a genética não determina por completo o futuro de uma pessoa e é um fator que pode interagir com o estilo de vida.
Esse entendimento abre espaço para conceitos como epigenética, que estuda mudanças na expressão dos genes sem alteração na sequência de DNA, e nutrigenômica, que investiga como a alimentação influencia essas expressões gênicas. Em outras palavras: não basta apenas ter uma predisposição genética. O ambiente, os hábitos e a nutrição têm papel decisivo no desenvolvimento da obesidade, o que é um ponto positivo no tratamento, a depender de como o indivíduo vive a sua rotina.
Equilíbrio entre autoaceitação e cuidado
Outro pauta levantada foi: “o que você chama de ‘me aceitar como sou’, a medicina chama de doença”. É preciso esclarecer: não existe obesidade saudável a longo prazo.
A doença engloba outros pilares além dos exames bioquímicos, como composição corporal, estado nutricional, prática de atividade física, capacidades cardiorrespiratórias e de força, qualidade do sono, consumo de álcool, níveis de estresse, saúde mental e até segurança alimentar.
Ou seja, mesmo quando alguns exames parecem bons, a obesidade continua sendo um fator de risco crônico para diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, hipertensão e câncer.
Porém, isso não significa que autoaceitação e tratamento são opostos. Pelo contrário: aceitar-se pode ser o ponto de partida para cuidar da saúde. Reconhecer o quadro e buscar ajuda profissional não invalida o amor-próprio, mas fortalece o processo.
O que fica desse debate?
O debate como um todo mostrou desequilíbrio. Os participantes expuseram suas dores e vivências, mas trouxeram poucos dados científicos para sustentar os argumentos. Esse formato gera visibilidade e engajamento, mas não deve ser visto como fonte de verdade científica de nenhum dos lados.
Encarar o tratamento com seriedade é fundamental. Buscar informação de qualidade, contar com acompanhamento multiprofissional e adotar estratégias adequadas faz diferença. Não se trata de romantizar a obesidade nem de reduzir pessoas a estereótipos ou julgamentos. Trata-se de reconhecer uma doença, compreender sua complexidade e agir de forma responsável.
A prática clínica
No meu consultório, atendo diariamente pessoas que lutam contra a obesidade. O processo nunca é linear: envolve tratamento multidisciplinar, estratégias alimentares adequadas, mudanças de estilo de vida, disciplina e persistência. E, acima de tudo, exige humanidade. Ninguém deve ser culpado pela sua condição. Por trás de cada corpo existem histórias, desafios e dores. O meu papel como nutricionista é ensinar, apoiar e transformar, ajudando o paciente a conquistar mais saúde e qualidade de vida.