Na última semana, um vídeo do fisiculturista e influenciador Gabriel Ganley, de apenas 21 anos, viralizou nas redes. Nele, Ganley relata que, após uma fase de dieta extremamente restrita para competição, acabou vivenciando um episódio que foi descrito como uma “compulsão alimentar”, resultando em um ganho de 20 kg em dois dias.
Mas será que o que ele viveu foi, de fato, uma compulsão alimentar no sentido clínico? Ou foi um episódio de descontrole alimentar, algo muito comum — e previsível — após protocolos extremamente restritivos? Esse episódio levanta um debate essencial sobre saúde mental, nutrição e os impactos de estratégias ultrapassadas, ainda muito comuns no meio esportivo.
Compulsão alimentar: o que é, de fato, um transtorno?
A compulsão alimentar é um transtorno alimentar reconhecido, com critérios diagnósticos bem definidos. Ela se caracteriza por episódios recorrentes de:
- Ingestão de uma quantidade muito grande de comida em um curto espaço de tempo.
- Sensação de perda total do controle sobre o ato de comer.
- Forte sofrimento emocional após o episódio, como culpa, vergonha, tristeza e desconforto físico.
Importante: na compulsão, não existe escolha dos alimentos. A pessoa come o que vê pela frente — o que tiver disponível. Muitas vezes envolve alimentos congelados, restos da geladeira, comida crua ou até alimentos do lixo.
E aqui é fundamental esclarecer: embora a restrição alimentar possa sim ser um gatilho, ela não é a única causa. A compulsão alimentar tem origem multifatorial e envolve aspectos genéticos, fatores psicológicos, traumas e até mesmo desequilíbrios na microbiota intestinal.
Descontrole alimentar: quando o problema é o protocolo, não a pessoa
Por outro lado, o que muitos atletas, fisiculturistas e até pessoas comuns vivem após períodos de dietas muito restritivas não necessariamente é compulsão alimentar. É, na verdade, uma resposta fisiológica do corpo à restrição extrema.
No caso dos fisiculturistas, protocolos tradicionais — e muitas vezes ultrapassados — incluem semanas ou meses de:
- Dietas extremamente hipocalóricas.
- Corte severo de carboidratos, gorduras e sal.
- Redução drástica da ingestão calórica, muitas vezes associada a treinos exaustivos e cardio em jejum.
O resultado? O corpo entra em estado de alerta, buscando desesperadamente equilibrar tudo o que perdeu. Isso gera:
- Aumento da fome fisiológica.
- Craving intenso por alimentos altamente calóricos, ricos em gordura, açúcar e sal.
- Sensação de descontrole, que muitas vezes é confundida com compulsão.
Mas diferente da compulsão alimentar clínica, esse descontrole tem causa biológica, previsível e explicável. Não é um transtorno. É uma resposta natural do organismo tentando proteger você.
O problema dos protocolos ultrapassados
Durante muitos anos, o fisiculturismo — e parte do mundo fitness — se apoiou em práticas conhecidas como “bro science”, aquelas estratégias passadas de geração em geração, sem respaldo científico sólido.
Hoje, já sabemos que essas abordagens não são sustentáveis, levam ao efeito rebote — muitas vezes previsível — e comprometem a saúde hormonal, metabólica, emocional e até social. São estratégias que já não são mais consideradas as melhores escolhas, especialmente quando falamos de pessoas fora do ambiente competitivo
A nutrição moderna caminha para abordagens muito mais inteligentes, com ajustes graduais, alimentação periodizada, foco em recuperação e manutenção da saúde — inclusive no pós-competição.
Esporte de alta performance não é sinônimo de saúde
É fundamental dizer que, embora admiremos atletas, suas práticas não são necessariamente saudáveis.
O objetivo do esporte de alta performance, incluindo o fisiculturismo, não é promover saúde. É alcançar performance, estética ou resultados máximos dentro de um esporte específico, muitas vezes às custas de desequilíbrios temporários (ou até prolongados) na saúde física e mental.
Por isso, os métodos utilizados por atletas não devem replicados por pessoas que buscam saúde, bem-estar e estética de forma inteligente e duradoura.
O olhar da nutrição sobre esse episódio
O que aconteceu com Ganley — e com tantos outros atletas — não é um sinal de fraqueza, falta de disciplina ou falha pessoal. Na maioria das vezes, é uma resposta absolutamente esperada do organismo após um período de privação extrema.
Esse cenário evidencia a importância de um acompanhamento nutricional sério, com profissionais atualizados e estratégias sustentáveis — tanto para atletas quanto para qualquer pessoa em busca de melhora física e estética.
O episódio serve como um alerta muito valioso: restrição não é disciplina. E descontrole alimentar após uma dieta radical não significa, necessariamente, que você tenha um transtorno de compulsão alimentar.
Felizmente, a nutrição moderna sabe conduzir processos de emagrecimento, ganho de massa e até preparação esportiva sem comprometer a saúde física e mental.
Ganley, aliás, merece reconhecimento por compartilhar essa vivência de forma tão aberta. Falar sobre isso na internet, com vulnerabilidade, é um ato de coragem — e ajuda a desmistificar o mundo da preparação física extrema, mostrando que por trás do shape existe um corpo real, com limites, e um ser humano que também sente. Desejamos que ele se recupere logo.