
A busca por saúde e boa forma nunca esteve tão em alta. No entanto, quando disciplina e cuidado com a alimentação ultrapassam a linha do equilíbrio, surgem comportamentos pouco discutidos. Entre eles estão o MODE (Muscularity-Oriented Disordered Eating, em português: Transtorno Alimentar Orientado à Muscularidade) e a ortorexia, ambos marcados por padrões rígidos e pouco realistas.
MODE: a obsessão pela muscularidade
O MODE caracteriza-se por comportamentos voltados ao ganho de massa muscular e redução extrema de gordura corporal. Entre eles:
- Contagem compulsiva de proteínas e calorias;
- Uso excessivo de suplementos;
- Treinos compensatórios após deslizes na dieta;
- Checagem corporal frequente e comparação com outros;
- Uso de ergogênicos como anabolizantes, associado ao risco de efeitos colaterais sérios.
Mais comum em jovens do sexo masculino, a consequência vai além do físico: ansiedade, isolamento social, alterações metabólicas e até danos à saúde mental e hormonal.
Outro ponto importante é a hiperexposição à proteína. Não apenas atletas, mas também o consumidor comum recebem diariamente uma enxurrada de opções proteicas. A Starbucks, por exemplo, lançou recentemente bebidas com até 36 g de proteína por copo e transformou a proteína em símbolo de status ‘fitness’. Essa tendência mostra como a sociedade passou a exigir que cada refeição seja maximizada, mesmo sem necessidade clínica real.
Ortorexia: o mito da pureza alimentar
Já a ortorexia se manifesta como obsessão por comer apenas “limpo” ou “puro”. A pessoa restringe grupos alimentares, passa horas planejando refeições e evita situações sociais com medo de “errar”. Embora a intenção inicial seja “viver saudável”, o efeito é justamente o contrário: isolamento, culpa e carência de nutrientes. Diferente do MODE, o foco não está na hipertrofia, mas na perfeição da dieta.
Vale lembrar: a ortorexia não possui critérios diagnósticos oficiais, mas já preocupa profissionais de saúde. O mesmo acontece com o MODE: os manuais diagnósticos, como o DSM-5 e o CID-11, ainda não o classificam formalmente como transtorno alimentar. Mesmo assim, a literatura científica já o reconhece como um padrão patológico de comportamento alimentar que exige atenção clínica.
A influência das redes sociais
As redes sociais exercem um papel significativo e multifacetado no MODE. De um lado, podem oferecer acesso rápido a informações sobre saúde e treino. Por outro, os algoritmos tendem a amplificar conteúdos extremos e corpos visualmente impactantes, justamente porque chamam atenção e geram engajamento. Essa lógica faz com que imagens de resultados radicais sejam mais vistas, o que reforça comparações e pressões sociais, especialmente entre os mais jovens e perfeccionistas.
Onde termina o saudável e começa o risco
Sinais de alerta incluem:
- Plano alimentar rígido e sem margem para flexibilidade;
- Culpa ou punição após refeições fora da rotina;
- Uso excessivo de suplementos e interesse em ergogênicos;
- Medo intenso de determinados alimentos;
- Isolamento social por conta da dieta;
- Excesso de foco na quantidade de proteína em absolutamente tudo.
O papel do nutricionista
O nutricionista precisa ir além da contagem de macros:
- Investigar rigidez, uso de suplementos, ergogênicos e culpa associada à comida;
- Evitar reforçar o transtorno com protocolos extremos de proteína ou estética;
- Resgatar a flexibilidade alimentar e o prazer em comer;
- Orientar o consumo crítico de redes sociais, incentivando fontes confiáveis;
- Trabalhar em equipe com psicólogos e médicos, quando necessário.
Mais do que prescrever, cabe ao profissional acolher, educar e orientar. Afinal, saúde não é só corpo definido ou dieta perfeita, é energia, equilíbrio e qualidade de vida.
O desafio da época é reconhecer quando o “estilo de vida saudável” virou prisão. Entre disciplina e obsessão, há uma linha tênue. Nada ao extremo é saudável. Você pode e deve seguir uma dieta para alcançar seus objetivos, mas ela precisa se adaptar à sua vida, e não o contrário.