Exposição “Um dia”: a radicalidade de trabalhar a mesma pintura anos a fio

Foto de Fernando Augusto
Fernando Augusto

Conheci a pintura de Mariannita Luzatti na 22ª Bienal de São Paulo, em 1994. De lá para cá, 40 anos se passaram, a pintura de Luzatti não mudou muito e continua a ter a mesma beleza: camadas de tinta construídas com lentidão, densidade e formas delineadas sem contornos definidos.

Ocorre-me lembrar uma frase atribuída a Keith Haring, lida na epígrafe de uma dissertação de mestrado PUC/SP, nos tempos da pós graduação que dizia: “O desenho mudou pouco de Altamira a Picasso e continua a ter a mesma função, a de nos ajudar a enfrentar nossos medos, nossas inquietações e nossos humores”.

Não recordo as palavras exatas, mas a maneira como ela me tocou. Há coisas que não mudam muito, coisas que envelhecem com a gente e, no entanto, são novas a cada dia e nos encantam sempre. Assim é para mim a pintura de Mariannita Luzatti.

Recebo o convite da exposição e reconheço sua pintura, já vistas em outras exposições, na Bienal ou no Museu Vale, por exemplo. Em cada pintura sua, em cada exposição ela aprofunda um caminho que descobriu, logo da sua formação e nunca o deixou, porque ele nunca se esgotou, nunca deixou de ser misterioso.

Eu vou lá ver essa pintura, ver um pouco desse mistério. Na vernissage, tenho a sorte e o prazer de encontrar com a artista e conversar um pouco com ela. Uma pessoa fabulosa, afável e generosa, que se dispôs a um dedo de prosa, pois viu que eu olhava seus quadros com vivo interesse.

Exposição “Natura“: Mariannita Luzzati e Claudia Jaguaribe Celma AlbuquerqueBelo Horizonte, Brasil

“Natura“ Mariannita Luzzati e Claudia Jaguaribe Celma Albuquerque –
Belo Horizonte, Brasil | Foto: Divulgação

Admira-me a fidelidade com que Luzatti investe na forma e no assunto que escolheu para pintar: a paisagem. “Meu trabalho, desde o início, sempre partiu da questão da paisagem”, diz ela.

Eu, muitas vezes, já me perguntei: o que é isso? O que é fazer sempre a mesma coisa, pintar sempre o mesmo assunto sem mudanças radicais, sem invenções e novidades?

Lembro-me do desenhista e escultor mineiro Amílcar de Castro que me disse em entrevista: “‘eu faço sempre a mesma coisa, e cada dia é novo para mim (…) minha escultura é como ferro de marcar boi’ (…) ‘é como uma marca, é o que quero dizer'”.

O radical aqui é tratar a “mesma coisa”, anos a fio, sem se desviar. É descobrir um caminho que não se mostra como novidade, mas como intensidade. Trata-se de um exercício de profundidade com a forma que, na falta de outra palavra, chamamos de coerência.

Outra coisa que eu sempre me perguntava sobre a pintura de Luzatti, era como ela pintava as passagens de uma cor para a outra, como ela fazia para quebrar a nitidez da forma sem definir os contornos?

Eu pensava que era com pinceladas amplas, traçadas na horizontal, mas somente nesta exposição, conversando com a artista é que descobri que ela pinta na vertical, que realiza a pintura com pinceladas traçadas na vertical!

Parece simples, mas é o contrário do que eu insistia em ver. É outra dimensão. Vi a mesma pintura e foi tudo novo para mim. Voltei para o atelier com vontade pintar.

Exposição: Um dia, da artista Mariannita Luzzati

De 1º de Fevereiro a 26 de Abril de 2024

Galeria OÁ: Av. César Hilal, 1180 – Vitória-ES

 

Foto de Fernando Augusto

Fernando Augusto

Artista plástico, pintor, desenhista e fotógrafo. Professor do Departamento de Artes da UFES. Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP - Sorbonne).