Por uma arte socialmente engajada – Parte 1

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Carlos Queiroz

O que decidi trazer para vocês nesse meu texto para a Coluna Arte+, carrega e compartilha um incômodo que me acompanha desde sempre, quando o assunto é: que arte é essa que não serve para nada? Aliás, que arte é essa que só serve para fazer movimentar dinheiro, ego e poder de alguns poucos, pouquíssimos, na real?! A arte elitista não me apetece, simplesmente pelo fato dela estar enraizada num capital cultural e social que se configura de uma forma muito distante e inacessível para muitos, reforçando, por assim dizer, sistemas de exclusão e marginalização.

Arte que só serve para contemplar, ainda que em tempos de aceleração máxima de tudo que nos passa, também não me apetece. Quem faz arte somente para contemplação está alimentando, conscientemente ou não, uma lógica extremamente exclusivista, em detrimento daquilo que, por exemplo, se chama de “arte participante”, termo cunhado por Heloísa Buarque de Hollanda ou, como muitos vão chamar, de “arte engajada” ou “arte socialmente engajada”. Este modo de fazer arte, sim, faz movimentar meu espectro crítico e criativo.

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Essa é a questão que me interessa, a qual encontro reforço na ponderação feita por Helio Oiticica sobre aquilo que estava se denominando por “antiarte”. Em suas palavras, as quais faço coro:

“como, num país subdesenvolvido, explicar o aparecimento de uma vanguarda e justificá-la, não como uma alienação sintomática, mas como um fator decisivo no seu progresso coletivo? (Oiticica, 1986, p. 97).

Nesse contexto, um espaço, seja um salão, uma galeria ou qualquer outro, cujo propósito parece ser o de apenas reunir um pequeno grupo de indivíduos financeiramente privilegiados para discutir a eloquência de seus interesses alheios à realidade, não me apetece. Não vejo atração por esse tipo de ambiente nem pela estrutura de poder e prestígio que o acompanha. E, felizmente, não estou sozinho nesse gesto inquietante que aqui compartilho.

Uno-me aos diversos autores (como John Dewey, Walter Benjamin, Herbert Marcuse, Theodor Adorno e Pierre Bourdieu) que reconhecem e exploram a importância da arte na configuração da sociedade. Se a arte realmente tem o poder de dar expressão, sentido e significado à vida, questiono então a validade de uma arte que se restringe a um círculo fechado, composto majoritariamente por gente rica que só fala para si.

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Imagem gerada por IA para este artigoEcoo, nesse sentido, aquilo que nos explica Maria de Fátima Morethy Couto, doutora em História da Arte pela Universidade de Paris I – Panthéon /Sorbonne e professora de História da Arte do Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes da Unicamp, quando referencia algumas das reflexões feitas por Waldemar Cordeiro:

Também o artista Pedro Escosteguy, em seu texto “No limiar de uma nova estética”, ressalta a importância de uma arte engajada, que escape da mera contemplação. Uma arte estritamente baseada em elementos estéticos, afirma Escosteguy, “não corresponde aos anseios coletivos (…) O artista que não se refugia em valores estéticos tradicionais, rechaçando a arte pela arte endereçada às minorias inoperantes, parte para uma semântica positiva de protesto e de denúncia” [Cordeiro, 1965] (Couto, 2012, p. 74).

Será que precisamos estar sob a sombra de um regime de exceção para esperarmos da arte um papel de contestação ou será que podemos considerar a constatação feita há tempos, de que a nossa vida cotidiana, essa que nos é adoecedora em todos os níveis, não é carrega em si mesma matéria-prima o suficiente?

 

[continua…]

 

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Carlos Queiroz

Professor do Departamento de Geografia-Ufes e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades-PÓSCOM/Ufes.