Sob o título 'Afinidades Afetivas', começa a 33ª bienal de São Paulo
A 33.ª Bienal de São Paulo abre as portas nesta sexta-feira, 7, com uma proposta inusitada: diluir a importância do tema e da centralidade curatorial, dando ao público a oportunidade de ver não uma, mas sete diferentes maneiras de se construir uma exposição de arte. O evento, sob o comando do curador-geral Gabriel Pérez-Barreiro, estrutura-se em diferentes núcleos, concebidos por um grupo bastante diverso de artistas-curadores. O resultado é um conjunto heterogêneo, que torna ao mesmo tempo instigante e desnorteante a experiência de percorrer os três andares do Pavilhão do Parque do Ibirapuera.
O visitante vai perceber que, sob o título genérico de Afinidades Afetivas, se entrelaçam visões poéticas e plásticas distintas. A expografia de Alvaro Razuk reforça tal variedade e busca amenizar a árdua tarefa de ver, num mesmo dia, cerca de 600 obras de uma centena de artistas diferentes. Logo na entrada, ele é recebido pelo espaço amplo, quase vazio, pontuado apenas por um conjunto de telas bastante sintéticas, que mesclam referências à natureza com uma elegante lógica geométrica, de autoria de Ballester Moreno. O ambiente rarefeito pouco a pouco vai se adensando e torna-se mais claro o esforço do artista e curador de tentar borrar a divisão reducionista entre natureza e razão, sensibilidade e ciência, em trabalhos como o gabinete de gravura montado por Mark Dion para mapear os vestígios naturais do parque (sejam sementes ou tampinhas de garrafa) e o potente núcleo dedicado ao pedagogo e filósofo alemão Friedrich Fröbel, pioneiro do ensino infantil.
O contraste entre o caráter leve e asséptico da proposta de Moreno e a intensidade dramática do núcleo seguinte, regido por Sofia Borges, é perturbador. A mais jovem das artistas-curadoras mescla uma tamanha profusão de referências, obras e texturas que o visitante se vê mergulhado numa relação quase física com as obras. Novas divisórias parecem abraçar o vão central do prédio e, numa espécie de labirinto encortinado de veludo, colocam em diálogo autores os mais variados, como a própria Sofia, Leda Catunda, Tunga, Sarah Lucas e artistas do Museu de Imagens de Inconsciente, como Adelina Gomes e Carlos Pertuis.
Intitulados O Pássaro Lento e Sempre, Nunca, os núcleos organizados pelas artistas-curadoras Claudia Fontes e Wura-Natascha Ogunji se espraiam com leveza pelo segundo andar. São trabalhos delicados, que buscam valorizar a relação com o prédio e o entorno. Destaca-se por exemplo a obra da própria Claudia Fontes, uma enigmática coleção de cacos, delicadamente envolvidos em tecido branco e etiquetados com palavras, disposta sobre uma ampla mesa forrada de azul, formando uma delicada trama poética de palavras aleatórias. Ao fundo do mesmo piso está o núcleo Aos Nossos Pais, concebido por Alejando Cesarco e que se debruça sobre questões de ordem conceitual e de linguagem. Há aí um conjunto interessante de trabalhos que lidam com a repetição e a ordem, como algumas das 5 mil pinturas feitas por Peter Dreher de um mesmo copo de vidro ao longo de anos.
Lado a lado, no terceiro andar, estão as curadorias de Mamma Anderson e Waltercio Caldas. Com uma série de potentes resgates e referências históricas, os dois de certa forma referendam a intenção primeira do curador-geral: integram potência plástica e reflexão sobre arte e estabelecem um vínculo profundamente íntimo entre seus trabalhos pessoais e as obras que selecionaram.
Se os sete núcleos dos artistas-curadores atraem as atenções, eles não chegam a ofuscar os outros 12 projetos individuais selecionados pessoalmente por Pérez-Barreiro para pontuar a exposição e que promovem interessantes resgates. É o caso por exemplo da brasileira Lucia Nogueira (1950-1998), que atuou na Inglaterra, mas é praticamente desconhecida no Brasil. Ou a potente sala dedicada ao guatemalteca Aníbal López (1964-2014). Com certeza a obra mais política de toda a Bienal, López trata de maneira arguta e penetrante a situação de seu país.
A escolha desses artistas decorre da convicção, segundo o curador, da necessidade de "praticar um exercício de visibilidade", aproveitando a Bienal como importante plataforma, tanto para o público especializado como o leigo. Afinal, boa parte dos cerca de um milhão de espectadores que a visitará nos próximos dois meses nunca ou raramente vê arte contemporânea. "Esta é uma das poucas Bienais em que o público se mantém constante da primeira à última semana", celebra.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.