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Milton Nascimento como tudo começou

Aos 75 anos, Milton Nascimento foi até onde tudo começou, a voz e o violão. Assim mesmo, quando o mundo o chamava de Bituca, pelos começos dos anos de 1950, o carteiro chegou com a encomenda. Não havia quem a recebesse, então foi Milton mesmo. "Uma encomenda para você." Milton era pequeno e levou a sério. Em casa, antes de a mãe voltar da rua, abriu o embrulho e teve um susto. Era um violão. As cordas de nylon soavam alto, mas com suavidade.

Milton gravou um EP como veio ao mundo naquela manhã. Chama-se A Festa, e traz apenas músicas conhecidas, seis delas, com o violão de Wilson Lopes. Parece falta de assunto, mas é significativo que o projeto venha agora. Por problemas de saúde, Milton havia sofrido no palco há alguns anos, tentando achar notas às quais a voz não chegava. A cura de sua alma triste por um tempo iria ser também a cura de sua voz. O que se ouve agora nas músicas que escolheu para cantar - O Cio da Terra; A Festa; Maria, Maria; Beco do Mota; Cuitelinho; e Canção da América - é uma voz precisa e cheia de brilho.

Ouvi-lo assim, na crueza dos anos em que descobriu a criatura que parecia sair de dentro de si, a voz que teria sua origem terrena colocada em dúvida, é um alento. Milton está intacto. Seus lábios continuam tremendo em O Cio da Terra; sua extensão ainda passa pelos agudos de Maria, Maria; e segue sendo comovente tudo o que acontece em Canção da América. Quase sete décadas depois de o carteiro trazer o violão, há muito mais história sendo carregada ali. "Na hora em que estamos cantando, não pensamos muito nisso. A coisa vai acontecendo e quando a gente vê já está tudo gravado", ele diz. "E no caso desse disco foi assim, feito aos poucos, sem muita pressa de nada. Só pensando na música mesmo."

Sobre o surgimento de uma turma de compositores contemporâneos fornecendo materiais para intérpretes de sua geração, como Gal Costa, Erasmo Carlos, Bethânia e Ney Matogrosso, a pergunta é se tal cenário pode ser considerado um momento de troca de guarda. Saem fornecedores históricos, como o próprio Milton, Gil e Caetano, entram Cesar Lacerda, Tim Bernardes, Teago Oliveira, Marcelo Camelo e Malu Magalhães. A resposta é bem Milton Nascimento. "Acho que isso vai da escolha de cada um. Os espaços estão aí, e a rapaziada tem mais que ocupar mesmo."

Há um certo mistério com relação ao futuro musical de Milton. Ele não nega que esteja criando, mas minimiza esse impacto. "Tenho feito umas coisas, mas também sem muita cobrança. Não é um lance que eu estou fazendo com uma intenção de lançar e tal. Por enquanto, está mais em um lance de curtição mesmo. Se está concentrando a criação de suas próximas músicas ao piano ou ao violão? Mais uma vez, vem o Milton sem grandes preocupações. "Eu gosto das duas coisas, né? Para mim, é meio que natural. Quando eu percebo, já estou tocando. Os dois instrumentos fazem parte da minha vida."

O violão de Wilson Lopes, de cordas de aço, o que lhe dá mais brilho e mais volume, é um velho conhecido de Milton. Eles já passaram juntos por palcos em várias apresentações. Agora, não há grandes esforços para que tudo saia redondo. Maria, Maria, em seu tom original, tem ressaltado na harmonia de Milton para a letra de Fernando Brant, as influências dos anos 1970, quando o rock progressivo era algo que os mineiros adoravam. E os violões não deixam uma frase de fora.

A latinizada A Festa, gravada por Maria Rita em 2003 em seu disco de estreia pela Warner, faz Milton se movimentar mais na melodia e a modular para o tom menor da segunda parte, algo que reforça saídas originais mesmo para canções padronizadas. Os agudos de Milton são sempre um presente.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.