Enem 2021: veja o tira-teima do primeiro dia de provas

Enem
Compartilhe esta notícia

No último domingo (21), estudantes do Brasil inteiro foram aos locais de prova para realizar a primeira etapa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A expectativa era de uma prova controversa e tendenciosa por conta das declarações de membros do governo atual. Dessa forma, vamos analisar como foi esse primeiro dia de exame que englobou as provas de Redação, Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias.

Linguagens

Com apenas 26% de abstenção no primeiro dia de prova – um número bem inferior ao registrado no Enem 2020 no auge da pandemia -, os mais de dois milhões de candidatos encontraram uma prova de linguagens dentro dos padrões no que diz respeito ao conteúdo das questões.

Historicamente, a prova de Linguagens é dominada por interpretação de texto. Cerca de 70% da prova requer algum conhecimento de linguagem verbal e não-verbal, gêneros e tipos textuais, análise de recursos linguísticos, coesão e coerência textual.

Vale ressaltar que o Enem é uma prova muito contextualizada. Portanto, geralmente, uma questão aborda mais de um conteúdo podendo o assunto estar presente em várias questões, como é o caso de interpretação de texto.

Um segundo bloco da prova exige conhecimentos das escolas literárias e de variação linguística. A abordagem tradicional da velha gramática (praticamente) é deixada de fora da prova.

Analisando a prova de 2021, vemos que a parte que exige interpretação de imagens se manteve dentro da média. Ao todo, 13 questões requisitaram esse tipo de habilidade, número próximo a média de 12 observada nos últimos cinco anos de prova. Além disso, o número de questões que necessitavam da compreensão de linguagem verbal e não-verbal, gêneros e tipos textuais foram mais altas do que o padrão, perfazendo 85% da prova.

A maioria das questões apresentou textos que exigiam mais interpretação dos candidatos, principalmente aqueles com viés argumentativo. Se por um lado a interpretação de texto foi mais exigida nessa prova, a gramática sumiu de vez, como era tendência segundo os últimos anos. Já os tópicos de literatura e variações linguísticas se mantiveram dentro do esperado em número de questões.

“Ao comparar a prova desse ano com edições anteriores, é possível perceber que alguns textos estavam mais longos, ocupando quase toda a folha. Essa situação pode prejudicar o desempenho nas questões, principalmente aquelas que exigem maior atenção. Isso porque tendem a cansar o aluno”, explica a professora de português e redação, Jocileia Kutz.

Redação

O tema de redação do Enem 2021 “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania” foi uma surpresa para grande parte dos professores e alunos. Levando em consideração que não é uma discussão tão ampla em redes sociais e mídias em geral. Por outro lado, ele mostra que a organização da prova seguiu a tradição e trouxe novamente um assunto marcado pelo viés social.

Segundo a professora Jocileia, “o foco da discussão desse tema está concentrado na ausência de registro civil de uma parcela da sociedade brasileira. A partir disso, os candidatos deveriam relacionar tal questão à invisibilidade dos indivíduos nessa situação e destacar como isso impede o acesso aos direitos básicos. Assim, o aluno tinha diferentes possibilidades de argumentação, que poderiam abordar tanto as causas quanto as consequências do problema”.

Nesse sentido, por ser uma questão social, os alunos que se preparam previamente não encontraram tantas dificuldades. Isso porque já estavam acostumados a desenvolver a argumentação em torno desse eixo. Para aqueles que acharam o tema mais complexo, principalmente pela falta de debate atual sobre o assunto, uma boa dica de construção argumentativa seria usar esse tópico a fim de explicar como a ausência de discussão e de informação contribuem para a permanência do problema.

Humanas

Nos últimos anos, as disciplinas de história, geografia, filosofia e sociologia (que constituem a prova de Humanas) têm se alternado entre qual delas apresenta mais questões no Enem.

Nessa disputa, a área de história vem apresentando menos questões onde em 2020 apenas 13 abordaram conteúdos referentes a essa matéria. Dentro de história, os tópicos apresentam relevância distribuída, porém, no Enem 2020, Idade Média e História Moderna representaram a maior parte do assunto, sendo pouco cobrada a parte contemporânea de História Geral como Brasileira.

Para geografia, vemos uma constância nos últimos anos, se mantendo como a matéria mais cobrada na prova de Humanidades. Os tópicos mais importantes são Geografia Geral Brasileira, Geoeconomia, Geopolítica e Geografia Agrária e Fontes Energéticas.

Já no que diz respeito aos dois conteúdos menos “tradicionais” do ensino básico brasileiro, filosofia aparece com menos força. Observamos, porém, uma tendência crescente nos últimos anos de sociologia com tópicos das esferas cultural, direitos humanos, estado, política e sociedade.

A prova de Ciências Humanas e suas Tecnologias desta edição consolidou algumas tendências perceptíveis nos últimos anos, mas também deu espaço para certas novidades. Do ponto de vista das disciplinas, vimos firmada a preocupação interdisciplinar interligando as quatro disciplinas da bancada ainda que exista a posição protagonista de geografia, sociologia e filosofia e a presença mais tímida da história.

Quanto a esta última, a presença de duas questões sobre a Era Vargas chamou atenção dos candidatos, confirmando-o como o assunto mais relevante da disciplina. “De forma distribuída, existiram questões sobre as três fases da história brasileira: colônia, império e república. No entanto, ainda que períodos importantes e sempre presentes da história global – a exemplo de tópicos de Idade Média e Moderna – tenham aparecido, fica a sensação de que houve, não sabemos se propositalmente, a negligência dos assuntos mais contemporâneos”, revela o professor de Humanidades, Natan Baptista.

“Nesse sentido, a grande surpresa foi a retomada de um tema até então pouco significativo no universo do Enem: as Revoluções Inglesas do século XVII”, complementa o docente.

No que tange a geografia, aspectos do setor primário da economia, da indústria, de geografia humana e política predominaram uma vez mais em textos transdisciplinares. A novidade se deu pela pouquíssima quantidade de imagens, mapas e representações cartográficas que tornaram a prova de Humanidades longa e um pouco maçante até mesmo para os candidatos mais bem preparados.

Contudo, a despeito das muitas preocupações após as declarações do presidente em exercício sobre o exame, a edição deste ano não se furtou de abordar temas polêmicos em sociologia e filosofia.

Destaca-se a problematização do papel da mulher nas relações sociopolíticas, das questões envolvendo patrimônio e sua conservação. Além disso, da inserção social de minorias marginalizadas – por exemplo, ao abordar o direito e cultura indígena ou a valorização das tradições culturais africanas em nossa sociedade.

“De fato, do ponto de vista do conteúdo, sociologia e filosofia não trouxeram nenhum tema inesperado. Ao contrário, como esperávamos, questões críticas sobre indústria cultural, cidadania, os impactos da globalização e da tecnologia sobre as formas de trabalho ou sociabilidade se confirmaram figurinhas carimbadas no exame. Além disso, filosofia grega antiga, racionalismo cartesiano e questões éticas continuam a ser relevantes na abordagem filosófica do Enem. Até mesmo a linguagem e a construção das questões seguiram o padrão esperado e predeterminado pelas aplicações anteriores. Alunos que se preocuparam em simular e refazer as provas antigas podem ter se familiarizado com a estrutura das questões. Isso certamente foi uma vantagem na execução da prova no último domingo”, comenta Natan.

No próximo artigo abordaremos a análise do segundo dia do exame mais importante do Brasil, com as provas de Matemática e Ciências da Natureza.

Veja mais conteúdos sobre educação e tecnologia no EducaTech.

Enem

*artigo escrito por Lorenzo Ferrari Assú Tessari, especialista em aprendizagem e metodologias de ensino e diretor e cofundador da Gama Ensino e da Anole.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *