Para unir os ‘brasis’, Lula precisa conquistar a ala fiel ao ‘bolsonarismo’

Roberto Casimiro/ Estadão Conteúdo

Quando Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito pela primeira vez, em 2002, com 61,27%, contra 38,72%, de José Serra, a palavra polarização ou espectros políticos nem eram mencionados. Muita coisa mudou de lá para cá. Vinte anos depois, Lula terá um novo mandato, e para além dos problemas sociais, econômicos e ambientais, terá que enfrentar um país totalmente dividido.

Em seu discurso de vitória neste domingo (30), o presidente eleito apostou em um tom conciliador. Lula não fala apenas para os 60.345.999 eleitores que o elegeram, mas também para os 58.206.354 que preferiam Bolsonaro. Para uma parcela mais bolsonarista, as palavras de Lula não fazem efeito, são vistas como “mentiras”, ou “conversa para enganar”. Ao fugir de temas ideológicos e polêmicos Lula acerta o tom de não inflamar sentimentos de ódios, mas não unifica os ‘brasis’.

Para caminhar no seu objetivo de união, Lula terá que ir além das palavras impressas em um discurso, que soam genuínas e emocionantes. Porém, na prática, sua tarefa será árdua. Para reconstruir a nação, será preciso estourar as bolhas afetivas, ou seja, grupos que fundamentam seus discursos no emocional, e acreditam em fatos não por serem verdades, mas por amaciarem seus egos.

É inegável a boa retórica que Lula possui. No entanto, quando ele foi eleito pela primeira vez em 2002, o mundo era outro. É preciso olhar para os projetos sociais, ajustá-los, ampliá-los. Rever as questões ambientais, do agronegócio, da economia. No entanto, é imprescindível ter uma atenção especial e cuidadosa com os discípulos bolsonaristas. Não dá e nem pode ignorá-los. Bolsonaro pode sair de cena nos próximos dias, meses e até anos, mas seus seguidores e defensores continuarão nas redes sociais, ecoando e perpetuando os discursos de ódio, anti-sistema, anti-ciência, e estimulando cada vez mais a polarização.

Se Lula deseja governar com um mínimo de diálogo terá que unir os brasis para além da palavra escrita. Não há, ainda, um modo de fazer para resolver o ‘x’ dessa questão. Mas não pode ignorar. Um dos muitos pontos positivos da democracia é a liberdade e pluralidade dos pensamentos e opiniões, desde que se respeite o outro. Na existência de discursos extremistas a resolução não é tarefa fácil.

A eliminação do outro vai totalmente contra a lógica democrática, na qual a oposição não é minha inimiga, mas apenas adversária. Sendo assim, é preciso pensar o que fazer com essa ala extrema. Talvez o primeiro passo seja o Brasil conhecer sua história, afinal, o “Brasil tem um longo passado pela frente”, cunhado assim por Millôr Fernandes. Aprender e entender como chegamos até aqui, qual as raízes das políticas públicas e a necessidade de certas bandeiras talvez contribua para que os extremos se aproximem mais do centro.

Por fim, arrisco em dizer que vencer a eleição não foi a fase mais difícil. Têm suas dificuldades de conquistar votos e convertê-los em vitória. Mas para um político experiente como Lula, o campo, em especial os das mídias digitais, que o espera pelos próximos quatro anos é terreno novo. Muito habitado, explorado, mas com uma infinidade de comportamentos que fogem do discurso de conciliação.

Por Nadine Silva Alves

É jornalista, pós-graduada em Comunicação e Marketing Digital e mestranda em Ciências Políticas na Universidade Beira do Interior, em Portugal.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *