“O gigante tomou um calmante e dorme em berço esplêndido”, diz secretária da Transparência Capixaba

Crédito: Agência Senado

Quem não se lembra das inúmeras e numerosas manifestações de rua de 2013? Começou em São Paulo, com o protesto contra o aumento de R$ 0,20 na passagem de ônibus, mas rapidamente se espalhou por todo o País, tendo os mais diversos motivos e alvos. O próprio sistema político foi colocado em xeque e, a cada manifestação, uma frase era dita exaustivamente: “o gigante acordou”.

A expressão, cunhada em muitos cartazes e faixas, indicava que os brasileiros não aceitariam mais corrupção, nem abuso do poder, nem negação de seus direitos. E que estariam dispostos a lutar para mudar (e moralizar) a política do país. Que o “sono profundo” da apatia teria ficado para trás.

Mas, hoje, passados nove anos das “Jornadas de Junho”, a pedagoga Ádila Damiani, que vai assumir o comando da ONG Transparência Capixaba no mês que vem, questiona o paradeiro do “gigante” que sumiu das ruas.

“O gigante tomou um calmante e está dormindo em berço esplêndido. E está difícil de acordar, porque já teve muitos motivos para ele acordar desse sono e voltar para as ruas. Se a gente for pensar bem, naquele momento dos movimentos foi por conta de 10, 20 centavos. Hoje nós temos aí o valor dos combustíveis, a fome voltando, o valor dos alimentos, os impostos e a gente continua dormindo. Esse gigante tinha que acordar e se manter atento”, disse a pedagoga no programa “De Olho no Poder”, que foi ao ar nesta quinta-feira (21), na rádio Jovem Pan News Vitória (90.5 MHz).

Para ela, o brasileiro é muito mais ligado à política partidária do que à política econômica e trata a política com uma “paíxão que cega”. “O brasileiro tem aí seu candidato, seu político de estimação, e o defende com unhas e dentes. Mesmo que se mostre que aquela pessoa tem fortes indícios de que esteja envolvida em corrupção, uma parcela da população não reconhece essa possibilidade de fragilidade do governante”, avaliou.

Ádila será a primeira mulher a comandar a Transparência Capixaba, que tem 20 anos no Espírito Santo e atua na busca por transparência dos órgãos públicos e no combate à corrupção. É da organização o ranking capixaba de Transparência e Governança Pública, que avaliou todas as prefeituras do Estado com relação à transparência, participação cidadã, abertura de dados, transformação digital, acesso à informação e combate à corrupção.

Dos 78 municípios, apenas 11 alcançaram as notas máximas – destaques para Colatina, que ficou em 1º lugar com 98,29 pontos, e, no outro extremo, Apiacá, que teve a pior nota com 22,79 pontos. Segundo Ádila, a transparência nos dados públicos é uma das ferramentas mais poderosas no combate à corrupção.

“A partir do momento que se tem as informações no Portal de Transparência fica mais fácil para acompanhar se aquele dinheiro está sendo bem aplicado. Se está sendo bem investido, se a Lei de Responsabilidade Fiscal está sendo observada. Às vezes tem (no portal) uma obra ali e a obra não existe. Tem os contratos de compra, dá para acompanhar as licitações”, exemplificou.

Algo que ela notou ao avaliar as prefeituras com relação à divulgação de dados é que nos municípios com piores avaliações foi observada também uma pequena ou quase que nenhuma participação popular, por meio de chamados na ouvidoria ou pela Lei de Acesso à Informação. “Quanto menor a participação popular, menos a prefeitura tem o interesse em divulgar questões de transparência e de governança pública”, explicou. Mas ter um portal transparente também não significa estar livre de corrupção, segundo Ádila.

“Eu diria que a corrupção é um câncer no Brasil, está enraizada em todas as esferas. Por mais que tenha o acompanhamento da sociedade, é muito difícil falar: ‘no meu governo não tem corrupção’. O gestor pé no chão sabe que ela está ali enraizada e em algum momento pode florescer. Claro, que se você tem mecanismos de fortalecimento das instituições – e é uma coisa que a gente prega muito –, isso vai coibir a corrupção. Se tem um Tribunal de Contas que faz um trabalho sério, um Judiciário que não se corrompe, uma legislação clara dos caminhos que deve trilhar, uma Polícia Federal e um Ministério Público fazendo um trabalho eficiente (…) Quanto mais se fortalece essas instituições, mais se combate a corrupção”, afirmou Ádila.

Questionada se em 20 anos (tempo de existência da ONG) o país estaria mais ou menos corrupto, Ádila disse não ter como mensurar. “Não tenho como avaliar se a corrupção diminuiu no Brasil porque as coisas estão em sigilo”, disse a pedagoga citando as investigações nos governos passados, a operação Lava-Jato e casos recentes.

 

“Dinheiro público não pode ser sigiloso”

Questionada sobre a existência e a manutenção de um Orçamento Secreto no país – emendas parlamentares do relator da peça orçamentária que não publicizam valores e nem quem indicou –, Ádila disse que trata-se de algo complicado e grave. “Vemos o Orçamento Secreto com muita preocupação, porque é uma forma de corrupção, de compra de voto. O Orçamento Secreto deveria acabar”.

Numa avaliação feita pela ONG Transparência Internacional, foi constatado que nenhum estado da federação publica todas as informações sobre o uso das emendas parlamentares. Nem os estados do topo do ranking – o Espírito Santo é o estado mais transparente e seu Portal de Transparência é considerado referência – publicam. “Tudo que é dinheiro público não tem que ter sigilo, tem que ser claro”, enfatizou Ádila.

Segundo ela, hoje o cidadão não tem como checar os dados relativos às emendas parlamentares. Citou que alguns congressistas e prefeituras chegam a fazer uma prestação de contas, mas esses são poucos. Ádila falou também da importância dos gestores lançarem mão do orçamento participativo para que a população possa debater e definir onde o recurso será investido e as obras prioritárias para a comunidade. “É uma proposta interessante da população definir como o recurso vai ser empregado”.

 

Como escolher bem nas próximas eleições?

Ádila disse que uma das formas de acabar com o Orçamento Secreto é elegendo congressistas que sejam contra essa prática. Questionada sobre como o eleitor pode escolher bem seus candidatos – em 2 de outubro, o Brasil vai eleger deputados estaduais, federais, senadores, governadores e presidente da República –, a pedagoga deu algumas dicas:

Ádila deu dicas de como votar bem em outubro

“Primeira coisa é conhecer bem as propostas dos candidatos, eles têm que ter plano de governo. Se não tiver, já está fora. O eleitor tem que salvar, guardar em algum lugar esse plano de governo, para que possa acompanhar, do início ao final do mandato, se aquelas propostas foram contempladas na governança do eleito. Não adianta ter um plano de governo no papel, porque o papel aceita tudo. Esse é o primeiro ponto”, alertou Ádila.

“Depois, o eleitor tem que avaliar as propostas e se as pautas correspondem às suas expectativas. Se serão relevantes para a sociedade como um todo. Não é pensar só em si, porque a gente sabe que tem muitos candidatos que levantam bandeira para defender determinado nicho, quando na verdade deveriam defender a sociedade como um todo. Então é defender propostas que atendem à coletividade”.

Outra dica de Ádila é passar a história e a trajetória do candidato por um crivo. “Se você já votou naquela pessoa e ela está tentando a reeleição, avalie o mandato dela, as pautas votadas, se te favoreceu enquanto cidadão, trabalhador. Às vezes a pessoa nem lembra em quem votou e isso é uma falha do eleitor. Tem que votar consciente, não votar porque fulano pediu, porque é irmão de ciclano e nem vender o voto em troca de um emprego ou de outra coisa. Assistir debates, ler entrevistas daquela pessoa, ler avaliação do governo ou do ente público”, sugeriu Ádila.

Ádila disse que a ONG sempre sugere acender o alerta para candidatos que já tenham se envolvido em casos de corrupção e que, mesmo após o voto, é preciso ficar vigilante. “Quando vota numa pessoa assina um cheque em branco, mas o cheque em branco pode ser cassado na próxima eleição”.

NA ÍNTEGRA

Ádila também falou sobre os ataques às urnas eletrônicas e ao processo eleitoral: “As urnas deveriam ser o orgulho de todo brasileiro” e que “quem questiona era quem deveria dar o exemplo, porque foi eleito através de uma urna eletrônica”; citou que a ONG também sofre ataques por conta dos dados que divulga; que está prevista uma nova avaliação das prefeituras no final do ano e, em breve, os legislativos municipais também serão avaliados, entre outros pontos. A entrevista na íntegra pode ser vista aqui: