Marina x Michelle: fé, política e a diferença no discurso religioso

Marina em Vitória / crédito: Fabi Tostes

A ex-ministra e agora deputada federal eleita Marina Silva (Rede) esteve em Vitória nessa quinta-feira (27) para participar de um culto ecumênico e de um ato político chamado “LulaDay”, que contou também com bandeiraço, adesivaço e discurso de várias lideranças religiosas e políticas, principalmente do PT.

Marina e seu partido apoiam o ex-presidente Lula, fazem parte de sua frente ampla, e entregaram ao petista uma agenda – chamada por ela de “robusta” – na área de proteção ao meio ambiente e sustentabilidade que, segundo Marina, o ex-presidente se comprometeu a implementar.

Marina é evangélica, da igreja Assembleia de Deus, e se considera progressista. Disse que já quis ser freira católica, mas que acabou se convertendo à fé evangélica em 1997. Ao falar sobre religião e política disse que nunca fez do púlpito um palanque e nem do palanque um púlpito. “Há uma forte manipulação que está sendo feita da política pela fé e da fé pela política, o que não é bom nem para a fé e nem para a política”, disse Marina.

A passagem de Marina pelo Estado, que durou três horas, ocorre na mesma semana (seis dias depois) que a visita da primeira-dama do País, Michelle Bolsonaro. Na última sexta-feira (21), Michelle trouxe ao Estado a caravana “Mulheres com Bolsonaro”, um evento organizado por ela e pela senadora eleita Damares Alves para tentar conquistar votos entre o eleitorado feminino, uma vez que Bolsonaro, segundo apontam pesquisas, teria baixo desempenho nesse público.

Michelle participou de um culto num espaço de eventos localizado na área do aeroporto e fez um pequeno discurso – ou, na tradição evangélica, deu uma “pequena palavra”. Marina, ontem, também participou de um culto ecumênico, em cima de um trio elétrico na Praça dos Desejos, em Vitória, e também “pregou”. Mas, embora sejam evangélicas, de tradição pentecostal – Marina, de igreja pentecostal tradicional e Michelle, neopentecostal – o discurso religioso das duas foi bastante discrepante, e não só o discurso.

Antes do LulaDay, Marina separou um momento para atender jornalistas e dar uma coletiva de imprensa. Nela, falou sobre sua fé, foi questionada sobre o ex-prefeito da Serra Audifax Barcelos – que deixou a Rede –, sobre a possibilidade de se tornar ou não ministra, sobre sua atuação na campanha. Ela não se furtou de responder a nenhuma pergunta.

Já no “Mulheres com Bolsonaro”, embora a equipe da primeira-dama tenha pedido dados dos jornalistas que cobririam o evento, não houve atendimento à imprensa, que ficou num lugar separado, na lateral do palco, e não pode se aproximar da primeira-dama. Aliás, como ocorreu nas duas vezes em que o presidente Bolsonaro esteve no Estado, além do seu vice, Hamilton Mourão.

A primeira pergunta da coletiva foi sobre o uso da fé e da igreja nesta eleição – como nunca antes visto – e sobre como é ser evangélica de esquerda. Pesquisas mostram que a maior parte dos evangélicos apoia Bolsonaro e os que não apoiam são, em muitas congregações, perseguidos, como já mostrou a coluna e diversas outras publicações.

“Há uma demanda legítima de participação de todos os segmentos da sociedade no espaço da política, com os evangélicos não é diferente. É legítimo que queiram participar do processo político. Agora, nós somos um estado laico e no estado laico, tem política pública para todo segmento da sociedade. Política pública se faz para quem crê, para quem não crê, quem é evangélico, católico, de fé de matriz africana. O estado laico é o grande legado da reforma protestante. Graças à reforma protestante que tivemos a separação entre igreja e estado”, disse Marina.

A deputada eleita citou também a carta de compromisso com evangélicos assinada por Lula. “Ele assinou uma carta de compromisso com o povo evangélico, de respeito à fé, porque ele vem sendo caluniado de que vai fechar igrejas. O que é doloroso para ele que é um cristão católico. Ele teve que assinar um compromisso de não fazer aquilo que ele nunca fez e que nunca pretenderia fazer”, disse Marina.

Michelle Bolsonaro em Vitória / Crédito: Thiago Soares

No culto que promoveu, Michelle disse que a “nossa liberdade religiosa está sendo sim comprometida pelo comunismo. Temos visto o que está acontecendo e está muito fácil escolher um lado”, vinculando um eventual governo de Lula à implantação do comunismo e ao fechamento de igrejas. Essa defesa tem estado presente em muitos sermões de igrejas Brasil afora.

“Os mesmos que estão falando agora que Lula vai fechar igrejas, são aqueles que iam no Palácio para orar e se encontrar com o presidente (Lula), para sancionar a Lei do Dia do Evangélico, Lei da Liberdade Religiosa”, disse Marina aos jornalistas.

Num outro trecho do seu discurso, Michelle chamou de “cego espiritual” quem tinha um entendimento diferente sobre o que ela chama de “guerra espiritual”. “Só não vê quem não quer ver, só não enxerga quem está cego espiritualmente, e esse é o nosso propósito como cristãos, de nos reunirmos, orarmos, interceder, conversar, orientar quem não está entendendo a guerra espiritual que nós estamos passando no Brasil (…) Peço que não olhem para o candidato (Bolsonaro), peço que olhem para as pautas que ele defende, pela ideologia do bem contra o mal. Para que possamos dissipar esse ‘partido das trevas’ (PT) de uma vez da nossa nação”.

Já no trio, na Praça dos Desejos, Marina pregou por reconciliação. Ela disse ser necessário reconciliar o país “consigo mesmo” e juntar os cacos desta campanha. No local, diversas cadeiras foram disponibilizadas para a plateia, mas centenas de pessoas ficaram em pé para ouvir Marina.

“Nós estamos aqui num ato ecumênico para mostrar o respeito por todas as religiões, por todas as pessoas. Os que creem, os que não creem, os que creem de forma diferente. É isso que está na Constituição, é isso que está na palavra de Deus, que diz que Deus não faz acepção de pessoas. Estão pregando um Jesus que faz acepção de pessoas, esse Jesus não é o que eu conheço, não é o Jesus da Bíblia. Nós estamos aqui, independente da cor, da condição econômica, da orientação sexual para aprender do amor que ama todas as pessoas. Estamos aqui para reconciliar o Brasil”, disse, sendo aplaudida pelos presentes que lotaram a praça.

Assim como Michelle foi alçada para tentar puxar o eleitorado feminino para Bolsonaro, Marina é a aposta da campanha petista para atrair os religiosos, principalmente os evangélicos. Na semana passada ela fez um vídeo repudiando atitudes de pastores que estão perseguindo cristãos que apoiam Lula.

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Vai para o ministério?

Marina foi questionada se chegou a ser convidada ou sondada para participar do ministério de Lula caso ele vença as eleições. Ela disse que não houve esse tipo de conversa e criticou a pressão que tem sido feita para que o petista anuncie nomes.

“Num movimento de frente ampla, tudo que o candidato não pode fazer é abrir uma fila de ministeriáveis. E tudo que um aliado, que de fato quer ajudar, não pode fazer é entrar na fila de ministeriáveis. Nosso debate é programático”, disse.

Marina na coletiva de imprensa / crédito: Thiago Soares

E Audifax?

Marina também foi perguntada sobre o ex-prefeito e ex-candidato ao governo Audifax Barcelos, que deixou a Rede após o partido decidir que não apoiaria, nos estados, nenhuma candidatura ligada a Bolsonaro. Audifax era a maior liderança da Rede no Estado.

“O Audifax foi um excelente prefeito da Serra e costumo dizer que a gente não deve reescrever a história das pessoas. Uma coisa não deixa de ser bonita porque foi feita por alguém que eu discorde. Tivemos divergência com relação a essa questão e em função dessa divergência ele entendeu se desfiliar da Rede. Para nós, isso, claro, tem um custo, mas é o custo de preservar a coerência”.

“Factoide o tempo todo”

Marina também foi questionada sobre a ação da campanha de Bolsonaro no TSE em que ele denuncia que rádios, principalmente no Norte e Nordeste, não teriam veiculado todos os seus programas eleitorais. Seria uma amostragem em oito rádios, o equivalente a 0,16% das rádios no Brasil.

“A atitude do ex-presidente é o tempo todo para deslegitimar a vontade soberana do povo brasileiro. Primeiro tentou com as urnas. Ele tenta criar um factoide o tempo todo. A entrevista que ele deu parecia um discurso antecipado de derrota. Eu espero que o alto oficialato brasileiro, que tem visão estratégica e pensamento de elite, jamais entre numa aventura como essa. É a atitude de alguém desesperado”.

Votos para Casagrande

De Vitória, Marina seguiu para São Paulo para acompanhar o debate entre os candidatos ao governo paulista. Antes, porém, disse que veio ao Estado para pedir votos para Lula e também para o governador Casagrande.

“Vim pedir voto para os candidatos do campo democrático. O Casagrande é um excelente candidato. Eu fui colega de Casagrande, fomos senadores juntos, e eu estou aqui para pedir voto para o Lula e para ele”.