Demonização do feminismo e desconhecimento sobre feminicídio durante votação na Ales

Plenário da Assembleia / crédito: Lucas S. Costa-Ales

Na sessão da Assembleia em que o governo conseguiu aprovar um pacote de projetos, a maior polêmica ficou por conta da votação da criação da Secretaria das Mulheres, que já funciona de forma extraordinária. A criação da secretaria foi aprovada por 18 votos, mas, dos projetos em votação, foi o que recebeu o maior número de votos contrários: cinco.

Votaram contra a criação da secretaria, os deputados: Danilo Bahiense (PL), Lucas Polese (PL), Callegari (PL), Capitão Assumção (PL) e Coronel Weliton (PTB).

Ao justificarem o voto contra a proposta, alguns parlamentares da oposição demonizaram o feminismo e mostraram total falta de conhecimento sobre o crime de feminicídio. Teve também quem votou contra alegando que a criação da secretaria não acarretaria em mais segurança para as mulheres, mas na criação de um “cabide de emprego” do governo.

Os questionamentos e debates ideológicos começaram durante a discussão da matéria. O deputado Callegari (PL) pediu a palavra e questionou: “A criação de um órgão significa mais proteção e mais justiça? Ou significa mais cabides de emprego? Não vai melhorar em nada para as mulheres do Espírito Santo”.

Placar da votação do projeto de criação da Secretaria das Mulheres

A secretaria está sob o comando da ex-vice-governadora Jacqueline Moraes (PSB), que no ano passado foi candidata à deputada federal, porém, não foi eleita.

“As mulheres não são seres humanos? Por que elas teriam que ter uma secretaria exclusiva?”, questionou Lucas Polese (PL), fazendo coro ao correligionário e defendendo que as políticas públicas para mulheres já são atendidas por meio de outras secretarias.

O contraponto veio por meio da deputada Camila Valadão (Psol): “A criação da secretaria é uma pauta antiga do movimento das mulheres. Vejo muitos deputados que se dizem aliados das mulheres, mas na hora de garantir uma instância específica que acolha as demandas, os mesmos se colocam contrários, como se criar essa instância fosse um privilégio. Não é nenhum privilégio no Espírito Santo onde as mulheres ainda hoje têm dificuldade de acessar políticas públicas. Quem sabe a partir dessa secretaria, em vez de quatro deputadas, seremos na próxima legislatura pelo menos 15 e é isso que os meus colegas mais temem”, alfinetou.

O deputado João Coser (PT), pedindo a atenção dos homens, também defendeu a criação da secretaria, justificando que a sociedade é machista e patriarcal.

Veio do deputado Lucas Scaramussa (Podemos), porém, o discurso mais fervoroso. Num microfone rodeado de deputados da oposição, ele chegou a subir o tom da voz e citou a filha de 10 anos ao defender a criação da pasta.

“Esse ano, essa Casa aqui votou inúmeros projetos de políticas públicas em favor das mulheres. Todos votamos. Pra mim é um ponto comum que essa Casa concorda que não existe isonomia de tratamento e de oportunidades no Brasil, quando se fala de homem e de mulher. Então, com todo respeito, enquanto não houver isonomia e igualdade nesse País, nós vamos ter Secretaria da Mulher para defender políticas públicas para mulheres”.

Lucas Polese quer secretaria para os homens / crédito: Ales

Polese, que já tinha discutido a matéria, voltou ao microfone para rebater o xará. “Se quiser lutar por isonomia, vai ter que derrubar a lei do feminicídio, que é uma lei que trata o homicídio de mulheres diferente. A gente vai ter que colocar a aposentadoria pareada, já que homem se aposenta com 65, mulher com 60 (na verdade, com 62 anos). E já que os homens são 91,4% das vítimas de homicídios, são 80% dos moradores de rua (…), eu recomendo a criação de uma secretaria dos homens, pra proteger a gente que é vítima em grande parte dos casos da sociedade”, disse o deputado.

Após a aprovação, o deputado Alcântaro Filho (Republicanos) disse ser preciso combater o feminismo e chamou o movimento de “demoníaco” e vindo “direto do inferno”.

Pera lá, deputado!

A coluna não vai discorrer sobre o início, as ondas e as vertentes do feminismo. Até porque o movimento não é único e abarca diferentes grupos em diferentes épocas. Mas parte de um ponto comum: a luta pela igualdade social e de direitos para as mulheres e esteve presente em praticamente todas as conquistas femininas.

É importante lembrar que num passado recente, as mulheres não tinham direito ao voto (no Brasil foi conquistado há 90 anos), não podiam ocupar cargo político, não podiam estudar, ter uma profissão e muito menos trabalhar fora. Também não podiam escolher seus próprios maridos e muito menos escolher não se casar.

Foi a pressão de mulheres por direitos iguais (= feminismo) que fez com que leis fossem alteradas, costumes machistas combatidos e injustiças cessadas. Há muito ainda que se avançar, há muitas pautas a serem debatidas e vencidas. Mas negar as contribuições do feminismo na conquista de direitos como o de, por exemplo, escrever sobre política – um campo majoritariamente masculino – é desconhecer a história.

Feminicídio não é piada!

Feminicídio não é o assassinato de mulheres. Feminicídio é o assassinato de mulheres motivado pelo fato de ser mulher e em decorrência de violência doméstica e familiar ou por menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Na maioria das vezes, o autor é o companheiro ou o ex.

Nem todas as mulheres assassinadas no Estado foram vítimas de feminicídio. De acordo com dados do Observatório da Segurança Pública da Sesp, de 1º de janeiro até terça-feira (28), 25 mulheres foram mortas no Estado. Dessas, sete (28%) foram vítimas de feminicídio, que é um homicídio qualificado e que tem penas mais altas.

Nos demais casos as motivações para o crime são variadas. Em conversas anteriores com a coluna, o secretário de Segurança, coronel Alexandre Ramalho, disse que, tirando os casos de feminicídios, a principal motivação dos assassinatos que ocorrem no Estado é o envolvimento com o tráfico de drogas.

Normalmente, os assassinatos que têm como vítimas as mulheres correspondem a 10% de todos os homicídios registrados, ou seja, nos outros 90% dos casos, as vítimas são homens. Mas, eles não foram assassinados pelo fato de serem homens, em decorrência de violência doméstica, porque suas ex-companheiras não aceitaram a separação ou tinham um ciúme doentio.

Não que não exista registro de homens assassinados por mulheres. Mas as estatísticas mostram que são casos muito raros e pontuais e que nem se comparam com o oposto. O Espírito Santo já ocupou os primeiros lugares do País no ranking de assassinato de mulheres. E hoje há um esforço de vários setores da sociedade para que o Estado não volte a esse posto triste e vergonhoso.

A criação de uma secretaria específica para atender a demandas das mulheres vai fazer diferença nos índices de criminalidade? Não se sabe. Isso só poderá ser mensurado com o tempo. Pode-se e até deve-se debater sobre o tamanho da máquina pública. O que não se pode é minimizar um problema social tão grave como a violência doméstica em solo capixaba.

Jornada dupla

Outro ponto citado na sessão e digno de esclarecimento é o fato da aposentadoria. A idade mínima para a aposentadoria das mulheres é de 62 anos e, dos homens, 65, segundo a última Reforma da Previdência, de 2019.

A diferença na idade se deve ao fato de sociólogos e dos próprios legisladores entenderem que as mulheres, ao longo da vida, acabam trabalhando mais que os homens, porque agregam, em sua maioria, os afazeres domésticos e o cuidado dos filhos e/ou dos pais, além do trabalho remunerado. A idade menor para as mulheres se aposentarem não é um privilégio e sim uma forma de “compensação” pela jornada dupla e até tripla.

Dados de 2019, ano da reforma, mostraram que, no Brasil, as mulheres dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens – 21,4 horas contra 11 horas. Os dados fazem parte da 2ª edição do “Estatísticas de Gênero – Indicadores sociais das mulheres no Brasil” do IBGE.

Além disso há uma desigualdade salarial. A diferença de remuneração entre homens e mulheres ocupando os mesmos postos chega a 22%, segundo índices também do IBGE, de 2022. Isso significa que uma mulher recebe, em média, 78% do que ganha um homem.

No último dia 8, Dia Internacional da Mulher, o presidente Lula enviou ao Congresso um projeto de lei que pune empregadores que pagam salários diferentes para homens e mulheres que desempenham a mesma função. Na teoria, a CLT já prevê a proibição da diferenciação salarial, mas, na prática, as divergências acontecem e falta fiscalização para coibi-las.

“Respondo aos ataques com sorrisos”

Jacqueline Moraes: “Feminismo é a luta das mulheres por igualdade de oportunidades”

A secretária estadual das Mulheres, Jacqueline Moraes, comemorou a criação oficial da pasta, que já estava tocando, de forma extraordinária. “Fico muito feliz de ver o Espírito Santo avançando numa pauta tão relevante, fico feliz de ver a Ales votando a criação dessa secretaria. É uma luta antiga. Fico triste com alguns debates, mas entendo que é muito da construção cultural da nossa sociedade, estamos construídas culturalmente num machismo estrutural, patriarcado estrutural”, disse a ex-vice-governadora.

Ela também fez uma defesa do feminismo e disse como que irá responder aos ataques. “Quero ter oportunidade de falar mais sobre o feminismo, que é a luta das mulheres em busca da igualdade de oportunidades. Vou responder aos ataques com muitos sorrisos e muita alegria das conquistas que estamos tendo. Nada das mulheres, até os dias de hoje, foi dado, sempre foi conquistado”.