Racha no grupo? O que levou Casagrande a se contrapor a Zema

Zema e Casagrande em BH / crédito: Facecbook/Casagrande

Quando esteve no Estado para acompanhar a primeira exportação de lítio verde e participar dos 65 anos da Findes, no último dia 27, o governador de Minas, Romeu Zema (Novo), fez questão de enfatizar a ligação entre seu estado e o Espírito Santo.

Na presença do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), cobrou a duplicação da BR-262 – que liga os dois estados – e a conclusão do acordo de Mariana – a tragédia ambiental que também uniu Minas e Espírito Santo. Ele chegou a dizer que se Minas vai bem, o Espírito Santo é beneficiado também.

“Nós que somos estados complementares – o que acontece no Espírito Santo reflete em Minas e vice-versa –, acaba que os portos capixabas, hoje, exportam um volume maior de produtos mineiros porque quando Minas vai bem é por aqui que as nossas exportações são feitas. Quando Minas vai bem, são mais empregos. Aqui é a nossa praia, como o governador Casagrande disse, é mais turismo, é mais atividade”, disse Zema ao enumerar o que sua gestão tinha feito pelo setor produtivo, no aniversário da Findes.

Na passagem rápida pelo Estado – a visita terminou com um evento do partido Novo –, Zema não chegou a falar, publicamente, sobre o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) e nem citou outras regiões do País, mas ficou bastante claro o tom do discurso, cheio de cobranças ao Vice-Presidente, numa defesa eloquente dos interesses do seu estado.

Até aí tudo bem, é legítima a luta por mecanismos e políticas públicas que favoreçam o estado pelo qual ele se tornou governador. Assim como também são pertinentes as cobranças pelos passivos do governo federal em seu reduto. Para isso, afinal, ele foi eleito.

Até mesmo se colocar como pretenso candidato a presidente da República – embora esteja um pouco longe a eleição – faz parte do jogo. Até porque, mal acaba uma eleição e todos os olhos do mercado político já miram a próxima.

O que causou incômodo e repercutiu negativamente na entrevista dada por Romeu Zema ao Estadão não foi a defesa do Cosud – que existe desde 2019 e foi formalizado nesse ano – e dos interesses do Sul e do Sudeste. Foram as citações que Zema fez ao Nordeste – chegou a comparar a “vaquinhas que produzem pouco” e criticou as políticas do governo federal direcionadas à região – e o fato de se posicionar em nome do grupo.

Na entrevista, Zema chegou a dizer que o grupo estava coeso, ou seja, que havia consenso entre os sete governadores que compõem o consórcio. E foi, principalmente esse último ponto, que acabou provocando a manifestação do governador Renato Casagrande (PSB).

Não que as falas de Zema, que não são isoladas, não sejam por si só polêmicas e motivem um contraponto. Defensor ferrenho da tese da meritocracia, Zema leva em conta apenas o retrato de hoje para definir o que é e o que não é justo um estado receber da União. Não leva em conta, por exemplo, os ciclos econômicos no passado, como do ouro e do café, que foram determinantes, além de políticas governamentais da União, para a industrialização e o desenvolvimento da região Sudeste.

Porém, ao se colocar como interlocutor do consórcio, afirmando que o grupo agiu em conjunto na votação da Reforma Tributária na Câmara Federal, por exemplo, e sinalizando que do grupo pode surgir um candidato à Presidência da República, Zema colocou Casagrande no debate.

Governadores do Sul e do Sudeste em encontro em Minas Gerais / crédito: Facebook/Casagrande

Pomba fora do ninho

Entre os sete governadores das regiões Sul e Sudeste, Casagrande é o único de centro-esquerda. Todos os outros ou são de centro-direita ou de direita. O capixaba também foi o único que, na campanha presidencial do ano passado, declarou apoio a Lula (PT). Os demais ou apoiaram Bolsonaro ou não se manifestaram no segundo turno.

Para além disso, o PSB – partido que Casagrande não só é filiado, mas atuante na direção nacional como secretário-geral da legenda – é coligado ao PT e está na Vice-Presidência da República com Geraldo Alckmin. Hoje, o comando nacional da sigla está concentrado em Pernambuco.

O Espírito Santo também tem suas peculiaridades e é muito mais parecido, em sua economia e interesses, com estados do Centro-Oeste e do Nordeste do que com os vizinhos gigantes do Sudeste. Não à toa que o Estado tem 31 municípios que fazem parte da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene)* – veja ao final do texto quais são.

Outro exemplo é a Reforma Tributária. Quando o texto ainda estava em tramitação na Câmara Federal, a situação do Espírito Santo se assemelhava muito com a situação do Mato Grosso. Aliás, os dois estados estavam entre os três que mais perderiam com o novo sistema de tributação, que migra da produção para o consumo. Os dois estados são mais produtores do que consumidores e vão perder parte importante de suas receitas.

Por isso, uma forma de compensar essas perdas seria por meio do Fundo de Desenvolvimento Regional e da governança do Conselho Federativo – que será criado para gerir os recursos do IBS (o imposto que junta ICMS e ISS). Zema defende que um dos critérios de decisão desse colegiado seja o populacional.

“Ficou claro, nessa Reforma Tributária, que já começamos a mostrar nosso peso. Eles queriam colocar um Conselho Federativo com um voto por estado. Nós falamos, não senhor. Nós queremos proporcional à população. Por que sete estados em 27, iríamos aprovar o quê? Nada. O Norte e Nordeste é que mandariam. Aí, nós falamos que não. Pode ter o Conselho, mas proporcional. Se temos 56% da população, nós queremos ter peso equivalente”, disse Zema na entrevista.

Esse ponto, porém, é o que mais preocupa Casagrande. Isso porque ele beneficia estados populosos, como Minas e São Paulo, em detrimento dos menores, como o Espírito Santo – a coluna citou quais os quatro pontos que o Estado vai brigar no Senado para alterar no texto da reforma.

Casagrande também defende que a compensação por meio dos recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) também não leve em conta só a população.

“Não somos um estado pobre, mas temos uma população pequena e quando a cobrança do tributo migra para o destino, ela já favorece os estados populosos. Então, na hora de dividir o FDR, tem que considerar outros critérios que não seja só o da população. Vamos tentar trabalhar com os critérios de população mais pobre e com PIB per capita invertido, o que nos ajuda a ter uma arrecadação maior”, disse Casagrande no 11º Encontro Folha Business.

Ou seja, do ponto de vista econômico, há muitos pontos divergentes entre Minas e o Espírito Santo, pontos que ferem os interesses de cada estado e que só aí já mostrariam que não há consenso no consórcio dos sete. Mas tem, também, a questão política.

Casagrande é aliado do governo Lula, depende do governo federal para destravar obras estruturantes no Estado, é do partido do vice-presidente da República. Se Casagrande não se antecipasse em colocar um “peraí” no posicionamento de Zema, sem dúvida ele seria cobrado por isso.

Questionado pela coluna se as posições de Zema o deixaram em maus lençóis, Casagrande negou, mas fez questão de frisar, tanto em sua rede social quanto na entrevista à coluna, que Zema não falava pelo consórcio que, aliás, é presidido pelo governador do Paraná, Ratinho Júnior, que não se manifestou a respeito.

“Eu acredito que ele não falou em nome do grupo, pode ter deixado se expressar, mas não representa a opinião do grupo. Nós não estamos organizando um consórcio para disputar contra ninguém, nem para fazer frente a ninguém, não tem alinhamento nessa opinião de que é uma posição contra outra região, é uma organização política, mas não para fazer desagregação e nem discórdia entre as regiões do País”, disse Casagrande à coluna, com exclusividade.

Em 2026, a aposta do mercado político é que Casagrande tente fazer seu sucessor e seja candidato ao Senado. A despeito de Lula disputar ou não a reeleição, o PSB tem ambições de ter candidatura própria à Presidência, o que também colocaria Casagrande no lado oposto aos colegas do Cosud.

Quando esteve no Estado, Zema fez um compromisso: “O que Minas puder fazer pelo Espírito Santo, faremos”. Mas depois das últimas movimentações é capaz de desandar a receita da política moqueca com pão de queijo. A conferir.

Quer receber notícias 100% gratuitas? Participe da Comunidade de Política no WhatsApp ou entre no nosso canal do Telegram!

*Municípios capixabas atendidos pela Sudene: Aracruz, Itaguaçu, Itarana, Águia Branca, Água Doce do Norte, Alto Rio Novo, Baixo Guandu, Barra de São Francisco, Boa Esperança, Colatina, Conceição da Barra, Ecoporanga, Governador Lindenberg, Jaguaré, Linhares, Mantenópolis, Marilândia, Montanha, Mucurici, Nova Venécia, Pancas, Pedro Canário, Pinheiros, Ponto Belo, Rio Bananal, São Domingos do Norte, São Gabriel da Palha, São Mateus, Sooretama, Vila Pavão, Vila Valério.

LEIA TAMBÉM:

Casagrande rebate Zema: “Não estamos criando um consórcio para disputar contra ninguém”