Os recados e os alertas de Barroso

Barroso votou pela inconstitucionalidade da lei

O presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, esteve na última sexta-feira (03) em Vitória, para participar do VIII Encontro Nacional do Colégio Permanente dos Juristas da Justiça Eleitoral (Copeje) e, numa palestra de 48 minutos, debateu sobre reforma política, defesa da democracia e combate à desinformação. Sem citar nomes, mandou um recado para os autores de ataques ao sistema eleitoral brasileiro e disse ser “inevitável” o controle da internet e das mídias sociais.

O evento ocorreu na sede do TRT e contou com uma mesa e plateia formadas por juristas e autoridades. Barroso iniciou sua fala dizendo que o TSE tem uma posição oficial na defesa de um sistema distrital misto para a eleição do Legislativo, explicando que permitir que o eleitor vote em um candidato para o seu distrito e em outro de sua preferência ideológica iria baratear as eleições, aumentar a representatividade e facilitar a governabilidade dos eleitos.

Ele também defendeu que as mulheres passem a integrar pelo menos 30% dos cargos de direção dos partidos, para que tenham poder de decisão sobre as candidaturas femininas, e disse que a Corte Eleitoral apoia uma reserva de vagas para mulheres no parlamento. Embora a legislação já conte com uma reserva de ao menos 30% de candidaturas femininas e destinação de 30% dos recursos para elas, Barroso disse que ainda não é suficiente.

“Existe apenas 15% de representação feminina no Congresso. É ruim, é baixo, é uma disfunção representativa. Portanto, o TSE defende, como já existe em outros países do mundo, uma reserva de vagas, num crescimento progressivo, para que se atraia mais mulheres para a política. Que seja 20% da primeira vez, 30% na segunda, e assim se vai avançando”, explicou.

Ainda no campo das reformas, Barroso também defendeu regras objetivas para a distribuição dos fundos Partidário e Eleitoral, destinando um percentual do recurso para a atração de gente nova, que nunca teve mandato, “para que não se permita que a política seja feita por capitanias hereditárias”. Ele criticou a “eternização de comissões provisórias”, afirmando que partido não pode ter dono.

O ministro considerou a reforma política de extrema importância e lamentou que os temas tenham ficado de fora das mudanças propostas pelo Congresso para valer nas próximas eleições. Disse que o TSE não teve como se debruçar sobre o tema por conta do gasto de energia para defender o sistema eleitoral de “ataques absurdos” e foi nesse ponto que o ministro se aprofundou.

Crédito: TJ-ES

Defesa da democracia

Barroso fez uma explanação sobre os conceitos da democracia e de como ela foi a ideologia vitoriosa do século XX, tendo derrotado o comunismo da Revolução Russa, o fascismo na Itália, o nazismo na Alemanha, os múltiplos regimes militares do pós-guerra e da guerra fria e o fundamentalismo religioso. “A democracia prevaleceu, colocando no centro do sistema político a constituição e não um partido, como no comunismo, fascismo e nazismo; não colocando as Forças Armadas, como no regime militar, e não colocando um documento religioso, como no fundamentalismo. No centro do sistema está a constituição”, disse ele para fazer uma ressalva logo depois.

“Infelizmente, nos últimos tempos, alguma coisa parece não estar indo muito bem em diferentes partes do mundo, num quadro que as pessoas se referem como recessão democrática. Diferentemente do que acontecia quando éramos mais jovens, a democracia já não sucumbe sob os golpes militares. A erosão democrática no mundo contemporâneo tem sido conduzida por líderes políticos eleitos pelo voto popular. E que uma vez instalados no poder, sutilmente, tijolo por tijolo, desconstroem os pilares de sustentação da democracia. Enfraquecendo os órgãos da sociedade civil, cooptando ou demonizando os parlamentos, concentrando poderes no Executivo, depreciando a imprensa lívre e crítica, mudando as regras do jogo e atacando as Cortes Supremas e a Justiça Eleitoral”, disse o ministro avaliando como uma mistura perigosa para a democracia a junção de populismo, extremismo e autoritarismo.

A tese de Barroso não é solitária. No livro “Como as democracias morrem”, os autores e professores de Ciência Política Steven Levitsky e Daniel Ziblatt abordam, com exemplos, como o mundo democrático contemporâneo entra em colapso com a escalada do autoritarismo por meio do enfraquecimento lento e constante das instituições.

Barroso foi, ao lado do ministro Alexandre de Moraes, o principal alvo dos ataques de apoiadores de Bolsonaro. O próprio Presidente chegou a xingá-lo em tentativas constantes de deslegitimar o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Embora não tenha citado os ataques que ele e outros ministros da Corte receberam, Barroso defendeu o STF: “O papel de uma Suprema Corte é esse mesmo, o de dizer não, quando o poder politico quer ultrapassar o que está previsto na Constituição”.

“É preciso enfrentá-los”

Barroso trouxe para o debate também a necessidade de, sem abalar a liberdade de expressão, impedir que a internet e as redes sociais se tornem um espaço destrutivo da democracia e da convivência civilizada. “As mídias sociais servem de comunicação para o mundo inteiro, mas muitas vezes no Brasil, sobretudo, se tornam um gueto dos milicianos digitais, de terroristas, de pessoas que espalham o mal. São pessoas que moram no pântano moral e espiritual com um comportamento destrutivo. É muito triste quando isso acontece e é preciso enfrentá-los”, disse o ministro sendo interrompido por palmas da plateia.

Uma das grandes preocupações de cientistas políticos para as eleições de 2022 é sobre como a Corte Eleitoral irá combater o uso de fake news durante as campanhas, principalmente da viralização de notícias falsas e desinformação com potencial para impactar o voto.

O ministro disse que “hoje em dia já parece inevitável a necessidade de controle da internet e das mídias sociais” e uma das formas de se fazer isso seria enfrentar o uso de robôs, perfis falsos, trolls e todos os outros meios de comportamentos inautênticos. “Essa é a principal forma de enfrentamento à desinformação. Porque uma pessoa falar uma bobagem não é o problema. O problema é quando se amplifica. Isso minimiza o controle de conteúdo, que será importante para evitar crimes, ódio, mentiras deliberadas quando signifiquem ataque às instituições”.

“O Brasil está em recessão contínua praticamente desde o final de 2014 e isso tem sido um duro teste para a democracia brasileira, mas nós temos resistido. O avião até chacoalhou com algumas turbulências, mas não caiu. E vai pousar em segurança no dia 1º de janeiro de 2023 quando quem quer que seja eleito no dia 2 de outubro estará tomando posse”, avisou o ministro.

Barroso fica à frente da Corte Eleitoral até agosto de 2022, quando será substituído por Alexandre de Moraes que já prometeu cadeia para quem fizer disparo em massa e disseminar fake news durante a campanha eleitoral do ano que vem. Moraes está à frente do Inquérito das Fake News no STF, tem conhecimento de causa de como funciona as milícias digitais e, pelo que tem mostrado principalmente de 2020 para cá, será ainda mais contundente e incisivo que Barroso.

Os causos

Espirituoso, Barroso intercalou sua palestra contando diversos causos que levaram a plateia aos risos. Após o evento, ele almoçou com o governador Renato Casagrande e terminou o dia postando suas “Dicas da Semana” no Twitter – atividade vista por muitos como uma forma de descontração do ministro e por outros como provocação, por meio de indiretas.