Saúde

Doenças psiquiátricas e neurológicas podem ter mesma base genética

Pesquisa comparou dados de pacientes com diferentes transtornos neurológicos e psiquiátricos

Instituto de Psiquiatria é um dos  protagonistas da pesquisa. Foto: Marcos Santos/USP Imagens.

De modo geral, pessoas que sofrem de diferentes transtornos psiquiátricos ou neurológicos podem apresentar sintomas e características parecidos entre si, às vezes até iguais como alucinações, que são um traço comum tanto em pacientes com esquizofrenia quanto em quem tem Alzheimer. Por este motivo, a possibilidade de tais doenças possuírem as mesmas bases biológicas sempre foi levantada por cientistas.

Uma pesquisa recente, publicada em artigo na revista Science, traz resultados que ajudam a esclarecer a questão. Por meio de estudos comparativos, foram analisados material genético, fenótipo, histórico familiar e outros aspectos de mais de 260 mil pacientes, de modo que fosse possível estimar graus de afinidade genética e as chances de herdabilidade para 25 doenças do cérebro.

O estudo foi feito com a contribuição de cientistas de vários países, reunidos através do Brainstorm Consortium. Como conta a professora Helena Brentani, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), trata-se de uma associação entre consórcios do mundo inteiro, voltados para o estudo de doenças específicas. Ela, junto com outros dois professores da USP, participou do consórcio do Transtorno Obsessivo Compulsivo.

“Sozinho, é impossível fazer uma pesquisa de genética como essa, porque são necessárias amostras muito grandes”, diz a professora. “A ideia então foi fazer um consórcio psiquiátrico global, em que os grupos específicos se juntaram fornecendo o material que tinham.” Assim, os dados fornecidos foram novamente analisados e comparados uns com os outros.

A análise foi feita usando Estudos de Associação Genômica Ampla (GWASs, na sigla em inglês), método que permite mapear variações comuns no genoma de um indivíduo ou organismo. Uma vez reunidos os GWASs das doenças estudadas, foi possível buscar padrões, associando algumas variantes a determinados transtornos ou traços comportamentais. Ao mesmo tempo, dados de 17 tipos de fenótipos foram coletados e quantificados, considerando características comportamentais e cognitivas dos indivíduos, como anos de educação, extroversão e até mesmo hábitos de consumo de cigarros.

Com os resultados, pode-se concluir, por exemplo, que quanto mais cedo uma doença do cérebro se manifesta, maior é a sua herdabilidade, ou seja, maior o componente genético envolvido ‒ algo que já se imaginava, mas só agora pôde ser comprovado cientificamente.

Outra conclusão da pesquisa é que grande parte das doenças psiquiátricas, como ansiedade, depressão e transtorno obsessivo compulsivo, possuem alto índice de correlação genética entre si, ou seja, compartilham genes parecidos. Por outro lado, as doenças neurológicas, dentre elas Alzheimer, Parkinson e epilepsia, apresentam correlação genética pouco significativa comparadas umas com as outras.

Quando cruzadas as informações dos transtornos psiquiátricos com dos neurológicos, descobriu-se que a correlação genética entre ambos também é baixa, sugerindo que sejam causados por fatores diferentes, mesmo que compartilhem algumas características.

Conforme explica Helena Brentani, de forma simplificada, pode-se dizer que a neurologia estuda a relação do cérebro com os demais órgãos do corpo, enquanto a psiquiatria considera também o relacionamento do indivíduo com o ambiente externo, inclusive as outras pessoas. A conclusão do estudo reforça a compreensão destes transtornos em categorias separadas: já que possuem origens diversas, faz sentido que sejam analisados de modo distinto.

Dentro da psiquiatria, ocorre o contrário. A alta taxa de correlação genética entre os transtornos psiquiátricos é algo que leva a repensar o modo como são feitos os diagnósticos. “Hoje, falamos em doenças diferentes, mas, se elas compartilham sintomas, é muito comum que ocorram na mesma família e têm correlação genética enorme, será que a base delas não é a mesma e foi alguma outra coisa no meio do caminho que levou a uma ou outra?”, diz Helena. “Se eu penso assim, eu olho para o paciente de uma forma diferente".

Informações fornecidas pelo Jornal da USP