Biodecodificação dental e o Dentista Biológico: o que é isso?

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Dra. Daniela Feu

“A biodecoficação dental descreve pontualmente os conflitos que forjam inconscientemente as patologias dentárias, considerando inclusive a herança transgeracional que herdamos do inconsciente coletivo familiar.”

Conseguiu compreender esse conceito? Eu também não! Mas não para por aí: sugere-se a possibilidade de solucionar conflitos antigos, doenças e problemas avaliando a radiografia panorâmica, que é um exame radiográfico que mostra todos os dentes e ossos da maxila e da mandíbula da pessoa. Qualquer semelhança com a leitura da sorte pela palma das mãos não é mera coincidência. Nada disso é ciência, nada é comprovado, não tem metodologia e cria nas pessoas a percepção falsa de que tratamentos importantes para a saúde delas seriam desnecessárias ou até mesmo arriscados.

Segundo a biodecodificação, os dentes de leite, a presença de lesões cariosas, dores, má posição de dentes e ausências significam questões familiares, problemas na infância, tudo teria ligação emocional. Em um vídeo recente que viralizou nas redes, uma “biodecodificadora” relata que quando uma paciente é “dentuça”, o problema está na ausência e afastamento dos pais dessa pessoa durante a infância dela, pois “os dentes superiores da frente indicam o posicionamento dos pais na vida da pessoa que está sendo biodecodificada.

Mesmo que ela não saiba, os pais rejeitaram ela”. Pergunto então: no caso da ausência de formação dos dentes da frente significaria que essa pessoa é órfã?

Atrelado a isso, vemos pelas redes o chamado “Dentista Biológico”. Você sabe o que é? O nome pode até ser bonito e inovador, porém, reúne uma série de preceitos e conceitos que não são baseados em ciência de verdade. Usam as palavras “holístico”, “tóxico”, “toxicidade”, são contra tratamentos de canal e peças metálicas no corpo, inclusive contenções ortodônticas e implantes feitos de titânio.

Essa especialidade ou a denominação “biológica” não existe. O Conselho Federal de Odontologia não reconhece esse tipo de Odontologia. Portanto, legalmente, ela não existe e nem poderia ser propagandeada. É uma “invenção” que mistura “naturebismo”, medicina chinesa, eletromagnetismo, ozônio e conceitos ultrapassados advindos da Medicina Biológica – que também não existe legalmente.
Eles são totalmente contra tratamentos de canal. Dizem que não funciona e que um dente tratado endodonticamente “entoxica” todo seu organismo, podendo causar até disfunção erétil.

Inclusive, no início deste ano de 2019, começaram uma guerra contra a Endodontia lançando um documentário “Fake News” no Netflix. De tanto receber comentários de dentistas ao redor do mundo e de associações sérias da área da Odontologia, o Netflix tirou o filme do ar. A Endodontia tem bases extremamente sólidas e literatura contundente desde os anos 40. A arte de conservar dentes em boca e evitar extrações foi e é um grande avanço da Odontologia.

Prega-se a extração em massa de dentes com lesões de caries profundas e de dentes com canal tratado, mesmo que esses estejam com tratamento estável e osso saudável. Além de serem contra a Endodontia, são contra implantes de titânio. Aliás, são contra a presença de qualquer metal junto ao corpo humano porque acaba “mexendo com a eletricidade dos meridianos”. Veja como eles pegam conceitos diversos de várias áreas e jogam no liquidificador, resultando em uma grande confusão.

Recomendam que se remova amálgama utilizando um traje amarelo cinematográfico (o seriado “Breaking Bad” que o diga) e máscaras de gás. Um exagero que provoca pânico e desinformação na população leiga. Da mesma forma, relacionam o flúor (inclusive o de uso tópico, nos cremes dentais, de baixíssima absorção) como causa de autismo, alterações na glândula pineal, e efeitos neurotóxicos. Na onda de serem inovadores, eles vão contra a Odontologia baseada em evidência científica, que tem pilares sólidos em literatura e experiência clínica de anos de atuação. Prestam um desserviço para toda classe odontológica e espalham dúvidas pela Internet.

Esse mês o Conselho Federal de Odontologia e a Academia Brasileira de Odontologia enviaram notas esclarecendo a população em relação à ilegalidade dessas práticas e a não existência desses fundamentos. O compromisso de todo cirurgião dentista é cuidar da saúde, prezar pelo seu paciente e para isso, o curandeirismo e o ocultismo não pode e não deve ressurgir das cinzas em pleno 2023.

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Dra. Daniela Feu

Cirurgiã Dentista Graduada em Odontologia pela UFES. Especialista em Ortodontia pela UERJ. Mestre e Doutora em Ortodontista (UERJ). Diplomada pelo Board Brasileiro de Ortodontia (BBO). Diretora do Colégio de Diplomados do BBO. Editora associada da Revista Dental Press Journal of Orthodontics (DPJO) e editora da Revista Clinical Orthodontics. @dani_feu