Por que empresas de sucesso estagnam e declinam?
Artigo recebido do colaborador da coluna e amigo Marcelo Drumond, ex-colega da CST. Neste belo texto publicado no Brasil originalmente pela AMANA (WWW.amana-key.com.br), Hamel dá o tom da nova maneira de gerenciar organizações de sucesso passando do sistema autoritário para o sistema compartilhado de definição de práticas e estratégias vencedoras.
Sobre o autor: Gary Hamel é atualmente professor convidado de Estratégia e Gestão Internacional da London Business School, co-fundador da consultoria internacional Strategos e diretor do Management Innovation Lab. Tem escrito artigos para jornais e revistas na área da gestão como, por exemplo, a Harvard Buiness Review, o Wall Street Journal e o Financial Times. Gary Hammel é considerado o guru da estratégia pela revista Economist, o maior especialista em estratégia de negócios pela revista Fortune e um inovador da gestão sem par pelo jornal Financial Times.
Vamos ao artigo.
Uma das mais importantes e profundas questões em negócios é: por que empresas de sucesso não chegam ao futuro, por que empresas de sucesso fracassam? Muitos já disseram que as sementes do fracasso são plantadas no auge do sucesso. Acho que isso é verdade. Provavelmente há muitas razões para isso, mas deixem-me sugerir uma e permitam-me criar para vocês uma descrição do que é uma organização de sucesso.
Toda organização é formada por quatro tipos diferentes de modelos. É como se fossem latas empilhadas umas sobre as outras. Na base está o modelo operacional. Isso é o que as pessoas fazem todos os dias: como respondem ao telefone, como despacham os produtos, os processos que têm para controlar estoques ou serviços de entrega. Em suma, as atividades que as pessoas realizam todos os dias. Sobre esse modelo operacional fica o modelo do negócio, que é um conjunto de premissas da empresa sobre quem é o cliente, para quem vendemos, como estabelecemos os preços, como criamos valor, quem são os competidores. Em suma, todas as decisões estratégicas-chave tomadas pela empresa sobre em que negócio está e como atende seus clientes. Sobre esse modelo do negócio estão todos os modelos mentais. Estes são todas as crenças e premissas sobre quais são os fatores críticos de sucesso no ramo, quais são as fontes mais importantes de vantagem competitiva etc. Finalmente, no topo, em cima de tudo, está o modelo político. O que quero dizer com isso? O modelo político refere-se àquelas pessoas na organização que têm o poder de impor os modelos mentais. São as pessoas que podem dizer: essa é uma idéia estúpida, e matam uma idéia sem mais comentários. São as pessoas que podem dizer: tentamos isso há cinco anos e não funcionou, portanto também não funcionará agora. O modelo político é formado pelo topo da empresa, o topo da pirâmide, que tem o poder de impor os modelos mentais, de definir certas idéias como fora dos limites ou inviáveis.
Em empresas de sucesso, empresas que obtiveram cada vez mais sucesso, todos esses modelos alinham-se perfeitamente um em cima do outro. Isso é o que queremos dizer quando falamos de alinhamento, certo? Um modelo operacional que está perfeitamente alinhado com o modelo de negócio, as crenças profundas das pessoas estão em perfeito alinhamento com isso e as pessoas que chegam ao topo e dirigem a empresa são as pessoas que tiveram sucesso no modelo operacional, provavelmente são as pessoas que inventaram os modelos mentais, sua forma de pensar combina com esse modelo específico e, finalmente, por terem dirigido tudo isso muito bem eles chegam ao topo, ao controle, ao ápice da pirâmide política.
Pensando bem, alinhamento em última conseqüência irá destruir o sucesso. De fato, uma das mais perigosas palavras na nova economia é alinhamento, porque ela se refere a um mundo da velha economia, onde escala, reprodução, controle, hierarquia eram o que se queria. Embora essas coisas continuem importantes, estão se tornando menos importantes a cada ano. Em um mundo repleto de mudanças radicais é preciso mais do que alinhamento, controle e hierarquia. É preciso experimentação, imaginação, criatividade etc. Mas a maioria dos processos gerenciais que herdamos do século passado, da era industrial, tem como propósito central a redução da variedade. A variação é uma coisa negativa em qualquer orçamento, a variedade é uma coisa negativa em qualquer processo de produção. Portanto, quanto mais essas coisas se alinham como resultado do sucesso, maior o risco de que uma empresa não chegue ao futuro, porque alguém com um modelo muito diferente aparecerá e mudará radicalmente o ramo.
Na verdade, hoje a competição não é mais entre produtos e serviços, a competição é entre modelos de negócios completamente diferentes. A Amazon é um modelo de negócio muito diferente do de uma livraria tradicional. A Ikea é um modelo muito diferente de vender móveis do de uma loja tradicional de vendas de móveis. O desafio para uma organização é ser capaz de reinventar periodicamente esses modelos novos de negócios. E alguns desses irão minar e destruir os antigos modelos de negócios.
O que isso significa? Significa que não podemos focar nossa energia no nível operacional. Nas últimas décadas, a maioria das empresas e de sua alta administração dedicaram a maioria de seus recursos para aumentar a eficiência do modelo operacional, implantando ERP, CRM – customer response management, reengenharia, redução de custos, downsizing etc. Mas não se pode mudar um modelo de negócio começando por aí, é preciso subir um nível. E para inovar ao nível do modelo do negócio, para inventar novos modelos de negócio, é preciso desafiar os modelos mentais. É preciso esquecer o passado, sistematicamente desafiar as convenções e ortodoxias que se desenvolveram em sua empresa e no seu ramo.
Tipicamente, quando formulam suas estratégias, as empresas aceitam 90 ou 95% dessas ortodoxias como dados e manobram nos restantes 5%. Por isso é preciso aprender a desconstruir esses dogmas e ortodoxias. Mas esses modelos mentais só podem ser mudados se os modelos políticos também mudarem. Em outras palavras, se a alta administração detém hegemonia absoluta, um monopólio da criação de estratégias, nunca se verão as coisas novas.
Vocês podem ler algumas coisas que escrevi a esse respeito. Minha tese é de que as empresas fracassam porque têm um modelo político autoritário, no qual as pessoas no topo querem reforçar cada vez mais os padrões que levaram ao sucesso. Isso é da natureza humana. Todos achamos difícil lançar a depreciação de nosso capital intelectual, é uma coisa dolorosa admitir que não se sabe sobre o futuro tanto quanto sobre o passado. Acredito que as empresas só conseguem ter essa coragem, a alta administração só consegue ter essa coragem de abrir mão de parte do controle sobre a estratégia, de depreciar seu capital intelectual, quando se vêem não como os criadores da estratégia, mas como os descobridores da estratégia.
O que isso significa? Algo muito simples: é preciso criar uma organização na qual novas estratégias possam emergir de qualquer parte, na qual não seja papel exclusivo da alta administração criar essas coisas. Uma vez que se tenha criado uma organização na qual novas estratégias borbulham o tempo todo, a missão da alta administração é observar essas estratégias e encontrar padrões interessantes. Por exemplo, na Virgin surgem vários tipos de iniciativas, vários tipos de inovação, mas a alta administração apóia as inovações que ajudem a alavancar a marca Virgin. Eles entram em todo negócio que lhes permita alavancar essa marca. Há diferentes padrões em diferentes empresas, mas a missão da alta administração é encontrar esses padrões e ajudar a nutrir essas oportunidades em vez de tentarem, eles mesmos, estabelecer a direção futura.
Assim, se você quer superar o aparentemente inevitável declínio, você tem que fundamentalmente reinventar os modelos de negócios, você não pode fazê-lo sem desafiar seus modelos mentais e você não pode fazê-lo sem um novo modelo político.