Maio 2021
4
Tamires Endringer
FAZ A CONTA

porTamires Endringer

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Tributos

A Tese do Século completa duas décadas.

“No Brasil, até o passado é incerto”. Essa frase foi atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan na década de 1990 e se aplica perfeitamente à insegurança jurídica do país. O ambiente econômico, institucional e social está cada vez mais afundado em incertezas ligadas não somente a aplicação de normas, mas sim no entendimento destas. Não sabemos do futuro, do presente, e agora nem mais do passado. Essa incerteza, que adoece o sistema tributário, a infraestrutura, a renda, e o desempenho econômico tem um preço alto, talvez imensurável.

Estamos vivendo mais um episódio que configura um nítido exemplo de incertezas: a angústia da espera sobre a chamada “Tese do Século”. Em março de 2017, o Supremo Tribunal Federa (STF) proferiu a decisão sobre retirada do ICMS da base de cálculo do Pis e da Cofins (julgamento que demorou 17 anos para acontecer). Porém, a decisão baseada no voto da relatora Ministra Cármen Lúcia, não prevê limitação temporal ou material sobre a exclusão da referida base de cálculo. A partir disso, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) apresentou os embargos da declaração, ou seja, solicitou a modulação para que o efeito da retirada do tributo estadual só tenha efeitos após o julgamento do recurso.
Sendo assim, 4 anos após os embargos — que foram apresentados 5 dias depois da decisão —, os Ministros irão novamente se reunir para sanar tais lacunas. Durante esse tempo, as empresas geraram seus respectivos créditos tributários sob a ótica da não modulação da tese. Se a decisão for modulada (favorável ao Estado) será pelo efeito ex nunc, o qual indica que a decisão não retroage a datas pretéritas, e as empresas deixarão de restituir os valores obtidos através de créditos tributários com o fisco, somatória que se aproxima de R$ 258 bilhões.

Ainda em caso de modulação, a Corte terá que concluir se os efeitos valem a partir de 2017 — data de julgamento do mérito — ou a partir de 2021 — data de julgamento dos embargos da PGFN. Além disso, o STF deverá avaliar se os efeitos valerão para as ações já ajuizadas e para os valores já pagos. Ou seja: qualquer mudança na decisão de 2017 e vai impactar milhares de ações pendentes.
Confuso, não é?

Pois bem, se a implicação desse caso fosse somente o alto impacto tributário, a dor de cabeça seria mais branda. O problema maior está na falta de nitidez em relação a direitos e deveres das empresas, além das constantes alterações em leis e marcos regulatórios. A turbidez nas normas mina a competitividade da economia, o que causa prejuízos às empresas, aos trabalhadores e à sociedade o como um todo. Em outras palavras, em um cenário de incertezas quanto à estabilidade e viabilidade dos negócios, os contratos são invalidados, investimentos são cancelados, postos de trabalho deixam de ser criados e a retomada do desenvolvimento econômico e social é adiada.

Elegemos legisladores que aprovam normas turvas, sem clareza e em grande parte sem fundamento constitucional. Diante dos milhares dispositivos existentes, as empresas nem sequer conseguem acompanhar as adaptações exigidas. O gigantismo do Estado brasileiro, a ineficiência política e administrativa e o insistente desequilíbrio fiscal colaboram com a cristalização de um ambiente hostil ao empreendedorismo e à atração de investimentos. O STF, que deveria ser o guardião da eficiência legislativa, muitas vezes atua no lado contrário, suscitando a dúvida na revisão de entendimentos ou ainda procrastinando decisões, o que causa uma morosidade claramente danosa. Nesta semana, continuaremos convivendo com três de alguns pesadelos do Brasil: o ambiente fiscalizatório ágil, o sistema regulatório ineficiente e a Tese do Século gerando desconforto após 20 anos de existência.

Por, Josiane Haese
Doutoranda em Contabilidade e Finanças pela UFES
Consultoria Tributária e Professora Universitária.

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As informações/opiniões aqui escritas são de cunho pessoal e não necessariamente refletem os posicionamentos do Folha Vitória

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