Adoecimento psicológico do pré-vestibulando: precisamos falar sobre o assunto

Adoecimento psicológico
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Há alguns anos, diversos estudos evidenciaram o preocupante e alto índice de adoecimento psicológico em pós-graduandos. Segundo pesquisa publicada na revista Nature, alunos de pós-graduação tem seis vezes mais propensão a experienciar quadros de depressão e ansiedade quando comparados à população geral. Além do último nível da educação acadêmica, profissionais do ensino têm percebido o mesmo padrão em estudantes nos anos finais de preparação para o vestibular.

São muitos os fatores vivenciados por esses alunos que contribuem para um aumento no número dos quadros de adoecimento psicológico em pessoas ainda tão jovens. Dessa forma, esse assunto tem sido pauta de discussões mais recentes. Ademais é relevante, além de urgente, o debate sobre a questão, a fim de evitar o surgimento de uma nova sociedade doente.

No artigo “O que fazer nessa reta final para o Enem 2021 – parte 2” foi abordado a importância do equilíbrio psicológico durante a preparação para o exame nacional. Obviamente isso não se restringe ao maior vestibular do Brasil. Muitos alunos não entendem a importância desse pilar, mas os que entendem e possuem condições financeiras suficientes, logo procuram acompanhamento psicológico com profissionais da saúde.

No entanto, mais preocupante que alunos darem a devida importância para o tema, é a existência de escolas, cursos livres (cursinhos) e do arcabouço educacional como um todo que não contemplem na sua estrutura um suporte seja psicológico ou pedagógico para o acompanhamento integral dos estudantes durante o ano letivo.

Dessa forma, podemos elencar uma série de aspectos que ao se combinarem geram transtornos psicológicos – dos quais, o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), o Transtorno de Ansiedade, a Depressão, a Síndrome de Burnout e a Síndrome do Impostor, bem como alguns distúrbios alimentares, são apenas alguns poucos exemplos possíveis – que tanto impactam no adoecimento psicológico do pré-vestibulando:

5 pontos que ajudam no adoecimento psicológico do pré-vestibulando

a romantização da sobrecarga e do vestibulando zumbi

A pressão imposta pelos pais e/ou familiares, aliada a pressão das escolas e dos cursinhos, contribuem para o aumento dos quadros insalubres. Entretanto, algo que tem colocado mais lenha nessa fogueira é a autoexigência imposta pelos próprios estudantes sobre si mesmos.

O sul-coreano Byung-Chul Han expõe bem o assunto em seu livro “A Sociedade do Cansaço” ao falar da transição da “sociedade da disciplina” para a “sociedade do desempenho”. O enaltecimento da produtividade e a sensação de liberdade levam a um paradoxo mental entre autocobrança exacerbada e o não saber exatamente o que fazer.

O aluno de pré-vestibular é um exemplo claro disso, na qual a “liberdade” dada a eles esbarra no grande universo de possibilidades que o aluno pode escolher, tanto para eleger um curso quanto para filtrar o que estudar.

Assim, é comum observar alunos paralisados sem saber o que fazer, angustiados por não estar conseguindo render em um ano tão puxado ou ainda se sentindo culpados por necessitarem de momentos de relaxamento e descanso.

Isso é agravado pelo fato de que os alunos encaram o vestibular como algo decisivo para a sua vida. E, por isso, a saída arranjada é encarar por horas a fio os estudos diários. Isso concretiza aquela imagem do pré-vestibulando exausto e doente. O estudante que não tem tempo nem para si, nem para o lazer, nem para ter uma vida social adequada.

o formato e a baixa frequência de vestibulares

Os sistemas de seleção para as IES (Instituições de Ensino Superior) ocorrem via de regra uma ou duas vezes por ano. Isso traz para o aluno uma sensação de urgência, já que caso ele não seja aprovado, terá que se dedicar por mais 6 ou 12 meses ao mesmo processo seletivo.

Por outro lado, o maior vestibular norte-americano (SAT) possui um total de sete aplicações durante o ano (dependendo da modalidade), podendo servir de parâmetro para uma reformulação na oferta e aplicação dos vestibulares brasileiros no futuro.

Outro ponto importante em relação a essa questão é o formato (desumano) de ingresso no ensino superior, no qual todo o aprendizado obtido no ensino básico é resumido a somente uma prova. Quando concentramos toda a avaliação do desempenho a esse único momento, ali concentramos também todo o nosso nervosismo e descontrole emocional. Por essa razão, é tão comum ver excelentes estudantes irem tão mal no vestibular ou conhecer bons alunos que não conseguem fazer provas.

Propostas como vestibulares seriados – aluno avaliado durante os anos de ensino médio -, diminui a tensão, premiando a consistência do estudante ao longo do tempo. Felizmente, essa prática tem tomado força entre as IES e hoje algumas universidades são adotantes do modelo. Como exemplo temos a UFV, UNB, Unimontes, UEA, UFJF, entre outras.

a alta competitividade

Sem dúvida, a grande competitividade é um fator preponderante nesse quesito. O aumento da concorrência dos principais cursos (podendo chegar a mais de 150 candidatos por vaga) e o melhor desempenho dos estudantes obtido a cada ano exigem um grau de dedicação cada vez maior por parte dos pré-vestibulandos. O que, com frequência, aumenta também a pressão psicológica entre os estudantes.

as particularidades da geração z

O crescente aumento de ansiedade e estresse entre os jovens é perceptível e entre um de seus potencializadores está o avanço digital. Apesar de os nativos digitais estarem mais expostos aos avanços da tecnologia, por outro lado são também aqueles que sofrem mais os malefícios dessa evolução.

A dependência de smartphones e das redes sociais gera vulnerabilidades psicológicas, como relata a psicóloga norte-americana Jean Twenge na revista The Atlantic. Por serem acostumados a terem informação e resultados facilmente ao alcance de um click, os estudantes cobram de si mesmos resultados na mesma velocidade.

Isso leva a pensamentos de curto-prazo, que impedem de enxergar que coisas grandiosas levam tempo para serem plenamente conseguidas e que decisões bem pensadas podem impactar beneficamente suas vidas. Assim, para esses alunos, se o resultado imediato não acontece, as chances de frustração são imensas.

o modelo arcaico da educação

No artigo “Afinal, como a inovação pode ditar as tendências da área educacional?” foi exposto o atraso da área de educação e como é uma tendência global em outros setores implantar setores de cuidado com o cliente, algo conhecido como “sucesso do cliente” (Customer Success).

Além dos seus serviços tradicionais, as empresas têm investido no trato com o cliente, buscando uma melhor relação e uma boa experiência com o mesmo. Já no setor educacional, por muito tempo, pensou-se apenas no resultado final, na aprovação do aluno. Entretanto, pouco se preocupou com a trajetória do aluno, principalmente no decisivo ano de pré-vestibular.

Dessa forma, a busca por excelência sem um acompanhamento adequado tornou ainda mais conveniente a ansiedade e o esgotamento mental do aluno. Ele, por muitas vezes, pouco orientando pela instituição contratada, preocupada apenas em oferecer o produto “educação”.

Recentemente, algumas empresas e escolas têm tomado a frente nessa causa. Elas buscam assessorar os estudantes com soluções que envolvem mentorias, apoio psicológico, estratégias gamificadas, entre outros.

Pesquisas recentes têm mostrado os altos índices de depressão, sofrimento psíquico e ansiedade em estudantes pré-vestibulandos (por exemplo, Depressão e sofrimento psíquico em estudantes pré-vestibulandos, 2021 e Transtorno de ansiedade generalizada entre estudantes de cursos de pré-vestibular, 2020).

Os dados revelam que mais de 40% desse público presenciou transtornos psicológicos. Esses números são ainda maiores que os próprios graduandos de Medicina segundo outro artigo (Estresse em estudantes de cursos preparatórios e de graduação em medicina, 2017).

Além do preocupante resultado, as pesquisas também concordam na negligência geral do assunto, na necessidade de mais estudos e atenção para essa causa. Além disso, como da necessidade de criação de mais iniciativas que promovam cuidados com jovens na transição do ensino básico para o superior. Portanto, por tal motivo, mais propensos ao adoecimento psicológico da nossa sociedade do cansaço.

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*artigo escrito por Lorenzo Ferrari Assú Tessari, especialista em aprendizagem e metodologias de ensino e diretor e cofundador da Gama Ensino e da Anole.

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