Orçamento de 2022: foco em projetos eleitoreiros deixa população “à deriva”

Não foi para prestar assistência aos mais vulneráveis.
A aprovação do Orçamento de 2021, na terça-feira, 21 de dezembro, confirmou o que já se sabia desde a negociação da PEC 23/2021 – a “PEC dos Precatórios”: em 2022, o brasileiro aumentará uma insustentável dívida pública – a ser paga por essa e vindouras gerações – e estará ainda mais desassistido. E o motivo é simples: será ano eleitoral. O intuito de manutenção de poder político de determinadas lideranças se sobrepõe aos interesses da população – que representam.

Aprovado por margem expressiva (358 votos na Câmara e 51 no Senado), o Orçamento contempla uma série de pontos polêmicos – alguns duramente criticados pela sociedade – como o aumento do Fundo para Financiamento Especial de Campanha (FFEC), o “Fundo Eleitoral”, – resultado de uma série de negociações ocorridas nos últimos meses, em expressão clara do “toma lá, dá cá” tradicional na política brasileira.

O primeiro ponto justificadamente criticado é o aumento do valor destinado Fundo eleitoral: o Congresso abriu mão de 5,7 bilhões de reais para facilitar a aprovação da cifra de R$ 4,9 bilhões. Os 800 milhões de reais “economizados” não são suficientes pare retirar o Brasil da posição de primeiro lugar entre os países que mais investem recursos públicos em campanhas políticas no mundo. Posiciona-se na frente, com ampla margem, de nações com PIB per capta muito superior ao nosso como EUA, Alemanha e França.

O valor é totalmente desconectado da realidade econômica do País e, a aprovação se torna ainda mais grave em período de recuperação pós-pandêmica, em que a população luta pela recuperação de PIB e renda per capta.

De acordo com um estudo organizado pelo Instituto de Matemática Aplicada (IMA), que considerou 26 países, ainda que se mantivesse o antigo valor do fundo eleitoral, de 446 milhões de dólares, – cerca de 2.1 bilhões de reais – o Brasil permaneceria quase 1,5 vezes è frente do segundo colocado em investimento, o México, que investiu 307 milhões de dólares – cerca de 1,7 bilhões. De acordo com o novo valor aprovado, o “Fundão brasileiro” custará cerca de 2,7 vezes o valor do mexicano.

No que se refere à América Latina, a discrepância é ainda maior. O Chile gasta cerca de $ 23,27 (R$ 130 milhões de reais) em financiamento público de campanhas; a Argentina, algo próximo a 12,5 milhões de dólares (72 milhões de reais).

Fundo Eleitora não é a despesa dos brasileiros com campanhas e legendas partidárias. Só em 2021, os partidos receberam 979, 4 milhões de reais, relacionados ao Fundo Partidário, valor utilizado para manutenção dos partidos políticos.

Criado a partir da extinção do financiamento empresarial de campanha, em setembro de 2017, tem como principal justificativa o suposto “financiamento a democracia”, possibilitando quem não tem acesso a recursos pudesse se candidatar.

Essa justificativa não se concretiza. Em primeiro lugar porque a eleição de quem não conta com recursos públicos é plenamente viável, a julgar pelos 12 candidatos eleitos em 2018, sem utillizar um real de recurso do contribuinte.

Em segundo lugar, em virtude de a distribuição do recursos ser realizada pelas lideranças partidárias. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral, nas eleições de 2020, 8 em cada 10 reais provenientes dos fundos partidários e eleitoral beneficiaram 1% dos candidatos.
No que se refere apenas aos recursos do FFCE, nas últimas eleições, apenas 9% dos candidatos concentraram cerca de 49% das verbas.

O doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas, Arthur Fisch, em artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo” destacou que com a ampliação do valor do Fundão irá gerar ainda mais distorções nas candidaturas: “Novatos e outsiders terão de contar com uma forte rede de financiamento prévio para contrapor as máquinas eleitorais que serão construídas a partir do FEFC”. Sendo assim, o acesso aos recursos já muito concentrado nas mãos de poucos candidatos tende a ficar ainda mais centralizado nos candidatos próximos às lideranças partidárias.

Ele ainda destaca a perda de importância das doações individuais, em decorrência da disputa pelos astronômicos valores do recurso público disponibilizados pelo fundo. Essas doações são um importante instrumento de fortalecimento democrático, uma vez que possibilitam que o cidadão manifeste sua preferência política de outra forma, além do voto. O cidadão doa para o partido que entende poder representá-lo melhor, participando, do processo eleitoral, de uma outra maneira.

A redução dessa importância afastará ainda mais os candidatos de suas bases.
Além disso, irá gerar um inflacionamento dos serviços que uma campanha política, via de regra, contrata.

Embora o pesquisador afirme que o financiamento público de campanha seja importante para “garantir acesso ao eleitorado de diferentes forças políticas”, chama a atenção para as enormes distorções que o valor trará: sairão favorecidos candidatos próximos dos “caciques partidários”. Além disso, todo o processo de campanha tende a encarecer.

A excrescente aprovação do fundão eleitoral não foi, contudo, o único ponto polêmico aprovado no Orçamento.

Nem o mais grave. O Orçamento de 2022 concretiza o desrespeito o limite do teto dos gastos, além do previsto. Há dois meses, a ocasião da aprovação da PEC dos precatórios, abriu caminho para despesas extras de 108 bilhões de reais.

O Orçamento aprovado para 2022, garante 113 bilhões extras – podendo chegar a 116 bilhões com a inflação – 5 a mais do que o inicialmente previsto.

Só o programa Auxílio Brasil, que atenderá 17,9 milhões de famílias custará 89 bilhões, 54,4 bilhões a mais do que a estimativa original, de 34,7 bilhões para atender 14,7 milhões de famílias.

A ampliação do valor pago pelo Auxílio Brasil foi o argumento utilizado para o desrespeito ao teto, desde a aprovação da “Pec dos Precatórios” apelidada, de forma pejorativa, de Pec do Calote”. O que comprova que nunca foi pelos mais vulneráveis é o fato de que o gasto excedente não irá para o repasse aos mais vulneráveis.

Ainda que fosse, não seria justificável.
O não cumprimento do teto dos gastos gera uma crise de previsibilidade, prejudicando a confiança na capacidade de o Brasil cumprir seus compromissos e corroborando a tese de que as despesas da máquina pública estão desenfreadas.

Credibilidade e previsibilidade fiscal é algo fundamental para um País que precisa recuperar sua economia e gerar mais de 13 milhões de postos de trabalho.

Além disso, o Orçamento foi realizado com previsão de crescimento de PIB de 2,1% para 2022. O IPEA, por exemplo, já trabalha com projeção de 1,1%, maior do que inúmeros especialistas, que não passam de 0,5% em 2022.

Além do “Fundão”, o Congresso carimbou outras despesas questionáveis. A concessão de aumentos para policiais federais, policiais rodoviários federais e membros do Departamento Penitenciário Nacional (DENAPEN). ao custo 1,7 bilhões aos cofres públicos, por exemplo, uma vez que poderá gerar um efeito cascata entre outros categorias de servidores. Proposto pelo ministério da Economia – ao custo de 2,8 bilhões de reais –, foi justificado como um pedido pessoal do Presidente da República. As categorias contempladas fazem parte da base de apoio ao governo.

Os políticos carimbaram ainda 16,5 bilhões das chamadas emendas de relator: as verbas que chegaram a ser questionadas pelo STF, em virtude da falta de clareza nos critérios para a distribuição.

Em ano eleitoral, esses recursos, via de regra, são alocados nas bases eleitorais dos parlamentares e, em não raros casos, investidos em medidas que resultem em favorecimento de seus próprios projetos eleitorais.

A destinação desses recursos deve ser em áreas específicas – serviços de saúde, assistência social; esgoto sanitário, estrutura para educação e políticas de desenvolvimento urbano. Os critérios de distribuição, todavia, permanecem pouco claros – e esta foi a razão pela qual essas emendas, no chamado “Orçamento Secreto” foram questionadas pelo STF.

O valor das emendas foi retirado dos gastos obrigatórios, como subsídios, previdência, pessoal e o BPC (o Benefício de Prestação Continuada, concedido a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda).

Apesar do aumento do valor per capta concedido no Auxílio Brasil ( que passará de 300 a 400 reais mensais, para mais de 4 milhões de brasileiros), o investimento social terá redução de cerca de 7 bilhões.

E o recurso investimentos – fundamentais para a recuperação da Economia – terão a maior redução da história, desde 2010. Depois da “farra” do Fundão, emendas e aumento para categorias específicas, restaram 44 bilhões para em estrutura – saneamento, escolas, energia, instalações públicas etc…Em um cenário pós-pandêmico, faltou dinheiro o básico para que a economia se recupere, alavancando o crescimento do País e gerando oportunidades de melhoria das condições de vida dos brasileiros.

Em 2022, gastaremos mais e, em um paradoxo nefasto, não teremos dinheiro para o essencial. É como se tivéssemos nos lançado num “mar revolto embarcados em um navio sem comandante e tripulação hábeis. No ano que se anuncia, estaremos todos à deriva, inclusive, os mais vulneráveis.

Gabriela Cuzzuol é comentarista de política da Rede Vitória. Debate temas da política nacional e local no quadro Visão Política, na Jovem Pan News Espírito Santo, (90,5 fm), às terças e quintas, às 11h30.

Instagram: @editoragabi.

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