Casos de racismo nem sempre são denunciados, diz professora da Ufes
A coordenadora do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Ufes acredita que o número de denúncias ainda é pouco e insuficiente para gerar estatísticas
Casos de racismo que se tornam destaque nos jornais não são raros. Sejam fatos que ocorrem frente a frente com a vítima ou por meio de postagens nas mais diversas redes sociais, o assunto sempre vira notícia e deixa muitas pessoas com um sentimento único: a indignação.
Apesar do número preocupante de casos divulgados pela imprensa, a professora doutora Patrícia Rufino, coordenadora do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros da Ufes, afirma que a quantidade ainda não retrata a realidade dos casos que acontecem no dia a dia.
Patrícia acredita que muitas vítimas do preconceito por conta da cor da pele não denunciam. Por este motivo, não é possível precisar uma estatística do que ocorre de fato. “Os negros precisam estar prontos para enfrentar as situações de racismo e denunciar aos meios diretos. Não temos estatísticas dos casos, porque não temos feito denúncias”, afirma.
Entre os casos registrados no Espírito Santo, Patrícia comentou sobre um fato ocorrido na mesma universidade onde trabalha. Em novembro de 2014, um professor disse, durante uma aula, que "detestaria ser atendido por um médico negro ou advogado negro" e que "o nível intelectual da Ufes reduziu-se com a presença de negros cotistas".
“Ele externou o pensamento de muitas pessoas que não conseguem lidar com esta questão. Ele acha que a pessoa negra é destituída da própria formação. Ele especifica o que muitas pessoas pensam e como colocam o negro na sociedade. A pessoa negra não está desvinculada das outras apenas pela cor de sua pele”, comentou.
Para Patrícia, casos que ganharam destaque servem de exemplo para mostrar que não se pode menosprezar o outro apenas por causa da cor da pele. “A sociedade reinventa os processos de racismo e as pessoas precisam saber que o acesso à Educação, ao trabalho, à tudo precisa ser para todos, independentemente de sua cor”, declara.
Patrícia fez o comentário acima ao lembrar o caso da capixaba Day McCarthy. Ela mora no Canadá e usou as redes sociais para fazer declarações sobre a pequena Titi, filha adotiva dos atores Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank. Em novembro de 2017, ela publicou um vídeo na qual ofende a criança de forma preconceituosa e racista, chamando a menina de "macaca, preta, cabelo de pico e adotada".
Outro caso citado por Patrícia foi quando o funcionário de uma hamburgueria da Serra foi hostilizado durante o trabalho. Na época, em outubro do ano passado, ele estendeu a mão para cumprimentar um cliente e o mesmo solicitou que fosse atendido por outro funcionário. “Foi um caso radical e chocou pela forma com que a pessoa fez. Foi deselegante e afetou pela forma impressionante, fazendo a pessoa ser vitimizada pelo racismo”, disse.
Racismo no Espírito Santo
Em maio deste ano, um outro caso ocorrido nas dependências da Ufes ganhou repercussão no Estado. Uma aluna denunciou um episódio de racismo dentro do Campus de Goiabeiras, em Vitória. A estudante Jhenefer Tolentino contou que nunca havia sofrido injúria racial e não imaginava que aconteceria dentro de uma universidade.
"Foi terrível porque eu não esperava que isso acontecesse no século XXI. Eu estava no corredor do prédio em que estudo e alguns alunos do curso de Biologia estavam no mesmo corredor que eu, assobiando e atrapalhando a gente. Então pedimos para que eles parassem ou diminuíssem e eles não pararam. Quando saíram, voltou um casal e fez gesto e sons de macaco. Na hora não acreditei que estava acontecendo e depois fui atrás para saber porque eles tinham feito aquilo, então procurei outros estudantes do curso e eles disseram que não sabiam quem era", contou.
Poucos meses antes deste caso, durante um bloco de Carnaval em Vitória, uma publicação de um jovem em uma rede social resultou em denúncia por racismo. Tudo começou com uma selfie em um bloco, no Centro da capital. A postagem, realizada no Instagram, mostra três jovens negros ao fundo e um jovem branco à frente, com o seguinte texto: "Vou roubei seu celular".
Poucos dias depois, Iarley Duarte, um dos jovens da foto, publicou, em no Facebook, um comentário em repúdio à legenda colocada na postagem. Segundo ele, o autor da postagem pediu para tirar uma foto com os três amigos, que, mais tarde, se depararam com a publicação. "Infelizmente ninguém está livre do racismo e do preconceito", escreveu.
Também em relação com o Carnaval, foi em 2016 que a rainha de bateria da escola de samba Chegou o Que Faltava se tornou mais uma vítima de racismo. “Você vai ter que fazer muita faxina para pagar sua fantasia”, essa foi a mensagem que Bethyna Nascimento Casagrande recebeu por inbox no Facebook.
Na época, em entrevista ao jornal online Folha Vitória, Bethyna contou que a história começou quando o ex-marido recebeu um vídeo pornográfico de um perfil falso na segunda-feira. “Mandaram um vídeo pornô para meu ex-marido pelo Messenger no Facebook e disseram que era eu, mas não era. Ele me ligou dizendo que a pessoa tinha mandado esse vídeo e ainda tinha dito pra ele que iria acabar comigo. Entrei no meu ‘face’ para ver o que estava aconteceu e quando olhei meu ‘inbox’, tinham várias mensagens desse perfil”, contou a rainha de bateria.
Os casos envolvendo o mundo do samba não pararam por aí. Em junho deste ano, um músico de Vitória procurou a polícia após se sentir ofendido com uma montagem publicada em uma rede social. Na imagem, Luiz Henrique Bita Meireles aparecia com uma roupa de festa, mas é comparado com um garçom. Na mesma montagem, há a foto de um outro jovem, que, segundo o autor da postagem, estaria com um "look para cantar em casamento".
A montagem com a comparação foi considerada racista por muita gente e viralizou na internet. "Quando a gente fala de racismo, a gente tem que parar de querer minimizar, parar de querer justificar com 'ah, foi uma brincadeira'. Não. Foi uma violação de direito, não só a um jovem, mas como também à família que passa pela situação junto com ele", ressaltou Drica Monteiro, do Movimento Negro Unificado.
Conferência sobre Combate às Desigualdades
Todos estes casos, resumidos na desigualdade racial, será um dos temas debatidos entre os dias 26 e 29 de setembro, durante a 5ª Conferência Mundial sobre Combate às Desigualdades Econômicas, Raciais e Étnicas (5ª WCORREEI), no campus de Goiabeiras da Ufes, em Vitória.
A Conferência tem como objetivo propor, ampliar e reafirmar políticas públicas, ações e medidas para reduzir a desigualdade econômica e étnico-racial em diversos países, segundo as diretrizes assumidas, em 2001, na Declaração e Programa de Ação de Durban, África do Sul. Durante o evento, delegações da Austrália e de países africanos, sul-americanos, asiáticos, europeus e norte-americanos vão participar de fóruns, palestras, seminários, rodas de discussões, oficinas e atividades culturais.
As inscrições podem ser realizadas nas modalidades estudantes de graduação cadastrados no Programa de Assistência Estudantil, com taxa de R$ 50,00; integrantes de movimentos sociais e comunidades tradicionais, sendo R$ 80,00 de taxa; estudantes de graduação, R$ 150,00; estudantes de pós-graduação, R$ 200,00; e profissionais e pesquisadores, pagando a taxa de R$ 300,00. O número máximo de inscritos é limitado a 600 vagas e podem ser feitas por meio do endereço eletrônico do evento.