O intrigante caso do povo que quer liberdade. Menos a de imprensa!

Crédito: Alex Pandini

Dia 1º de Maio, Dia do Trabalho. Dia de descanso e praia para muita gente, menos para quem exerce atividades essenciais na sociedade, como profissionais da saúde, da segurança, da alimentação e da imprensa, entre outros. Para esses profissionais da informação, seria mais um dia comum, cobrindo as principais notícias do dia – marcado por manifestações pró e contra o governo federal – se não fosse por mais um lamentável episódio de desrespeito, hostilidade e ataques a jornalistas.

Uma equipe de reportagem da TV Vitória (afiliada à Rede Record no Espírito Santo) foi expulsa da manifestação “Pela liberdade, pela democracia e apoio ao presidente”, promovida por apoiadores de Bolsonaro, na tarde deste domingo (01), e teve de sair escoltada pela Guarda Municipal. Além de xingamentos, vaias e ofensas, um vereador de Vila Velha ainda impediu que a equipe entrevistasse manifestantes que até já tinham concordado em dar entrevista.

A confusão ocorreu no início da tarde. O repórter Alex Pandini, juntamente com o cinegrafista José Jantorno estavam na Terceira Ponte, ainda do lado de Vila Velha e entrevistavam manifestantes quando foram interrompidos pelo vereador Rômulo Lacerda (PTB).

“Estava começando o trabalho, feito poucas imagens, tentando entrevistar algumas famílias que foram juntas para a manifestação. Já tinha abordado duas famílias. Daí vi uma senhora com uma faixa pedindo “Intervenção Militar Já” e fui conversar com ela. Ela aceitou dar entrevista e estava falando conosco, quando apareceu o vereador Rômulo Lacerda, gritando, dizendo que eu queria ‘denegrir’ o movimento”, disse Pandini.

Ele contou que os gritos e a postura intimidatória do vereador chamaram a atenção dos que estavam ao redor e, em torno deles, começou a juntar muitas pessoas. “Colocaram uma bandeira do Brasil tapando nossa câmera para não filmar, colocaram um boné na minha cabeça e começaram as vaias e os xingamentos. Teve um rapaz no trio que nos chamou de imprensa canalha e jornal fuleiro. Fui tentar entrevistar um outro rapaz, que estava na manifestação, e mais uma vez o vereador impediu. Eu até perguntei ao vereador se ele queria dar entrevista, mas ele não parava de gritar. Aí, como estávamos sendo hostilizados e o clima de animosidade era grande, a Guarda chegou e tivemos que ir embora”.

Um vídeo gravado por populares mostra o vereador com o dedo em riste gritando com o jornalista, que tenta explicar que estava apenas fazendo o seu trabalho: cobrindo uma manifestação, entrevistando quem quisesse falar e fazendo imagens do evento que ocorreu em vias públicas. O vereador foi procurado para se manifestar sobre o caso. Até o momento desta publicação, não respondeu aos contatos do jornalismo da Rede Vitória.

Num banner que circulou nas redes sociais conclamando para o evento, a organização aparece em nome do Movimento Conservador e do Direita ES. Mas, outros movimentos como o “Soberanos da Pátria”, “Resgate Brasil Direita”, “Serra Direita”, “Vila Velha Direita”, “Guarapari Pátria Viva” também participaram, segundo a presidente do Movimento Conservador, Alexandra da Silva.

“Nós não incentivamos nenhum ataque à imprensa. Inclusive somos contra pedido de intervenção militar, mas não podemos responder pelas atitudes do vereador”, disse Alexandra, justificando que não viu os ataques à equipe de reportagem.

Os grupos que participaram somaram seis trios elétricos na travessia da Terceira Ponte, saindo de Vila Velha e seguindo rumo à Praça do Papa, em Vitória. Segundo estimativa da Polícia Militar, cerca de 3 mil pessoas se concentraram na Praça do Papa.

Na manifestação, faixas com pedido de liberdade, acusando o STF de “ameaçar a nossa liberdade”, afirmando que a liberdade é um direito individual, além de faixas em apoio a Bolsonaro.

Mas, chama a atenção a contradição de líderes e militantes que pregam a liberdade tentarem  impedir a liberdade de imprensa de atuar. Que pregam a liberdade de um manifestante levar uma faixa pedindo intervenção militar (o que é inconstitucional e pode ser caracterizado como crime), mas impedem que o ato seja questionado por um profissional que é pago para fazer perguntas. E o pior: que esse impedimento venha através da brutalidade, agressões, intimidações e ameaças. Impedir o trabalho da imprensa é ataque à democracia.

O fato ocorre a menos de 48h da comemoração do “Dia Mundial de Liberdade de Imprensa” (3 de maio), data em que será lançado o dossiê “Ataques ao jornalismo e ao seu direito à informação”, produzido pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Não é de hoje que se nota um aumento nos casos de ataques a jornalistas. Relatório produzido pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) dá conta que 230 profissionais da imprensa foram vítimas de violência não letal – ofensas, agressões físicas, intimidações e atentados – em 2021, o que configura um aumento de 21,69% em relação a 2020. O número de atentados teve um aumento de 100%, de quatro para oito casos.

O estudo também mostrou uma queda do Brasil no Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa da ONG Repórteres sem Fronteiras. O Brasil ficou em 111º lugar – a pior colocação desde que o relatório é produzido (2002). Em 2020 estava na 107ª posição. O posto mostra, segundo a ONG, que “a situação da imprensa é considerada difícil e o trabalho jornalístico é desenvolvido em ambiente tóxico”.

Se faz necessário refletir sobre que tipo de “política” endossa ataques a jornalistas. Que tipo de governante, eleito pelo povo e pago pelos impostos do povo, não admite ser questionado e prestar conta de seus atos? Que tipo de grupo social tenta criminalizar a profissão dos trabalhadores da imprensa? Trabalhadores esses que são cidadãos brasileiros, contribuintes e eleitores.

A quem interessa calar a imprensa? E por quê?

 

Manifestações de apoio

Tanto a Fenaj como o Sindicato dos Jornalistas do Espírito Santo repudiaram os ataques sofridos pela TV Vitória. E cobraram punição dos órgãos competentes.

Até o fechamento desta edição, dos postulantes ao Palácio Anchieta, apenas o governador Renato Casagrande – que ainda não admitiu publicamente ser candidato à reeleição, mas o PSB conta com seu nome –, se pronunciou sobre os ataques contra a equipe da TV Vitória.

Num tuíte postado na rede do governador, Casagrande escreveu: “A liberdade de imprensa faz parte do Estado Democrático de Direito e está garantida em nossa Constituição. Lamentável a cena da equipe da TV Vitória sendo expulsa dos atos deste domingo. As manifestações são legítimas e não podemos aceitar que as usem para destilar ódio”.

Quem é Rômulo Lacerda?

Não é a primeira vez que o vereador de Vila Velha Rômulo Lacerda (PTB) ataca a imprensa. Quando esteve na Câmara de Vitória, em novembro de 2021, e recebeu espaço de 15 minutos para compartilhar desinformação sobre a vacina de Covid e comparar o comprovante vacinal – medida exigida em todo o Estado, na época – ao holocausto sofrido por judeus – recebendo o repúdio da Congregação Israelita Capixaba, a coluna noticiou o fato.

Não podendo rebater os argumentos, já que na publicação é possível constatar os dados corretos que desmentem o vereador, Rômulo se propôs a atacar o veículo de comunicação e a jornalista nas redes sociais e numa sessão da Câmara de Vila Velha, datada de 24 de novembro de 2021.

Rômulo é vereador de primeiro mandato e foi eleito pela onda bolsonarista em 2020. À época abrigado no PSL, teve 1.602 votos. Trocou de partido, indo para o PTB. De atuação polêmica, com discursos de ódio e pautas ideológicas, o parlamentar ficou conhecido por propor na Câmara de Vila Velha o “Dia do Orgulho Hétero”.

No portal da Transparência do site da Câmara de Vila Velha consta que ele apresentou 21 projetos de lei desde o início do mandato – além do “Orgulho Hétero” também quis proibir o comprovante de vacina, dar nome a escola cívico-militar, criar o dia do capelão, uma frente evangélica na Casa. Todos os projetos, porém, constam no site com o status de “tramitando”, ou seja, nenhum aprovado.

Outro projeto que o vereador propôs e que poderia ele mesmo virar alvo, caso já tivesse sido aprovado, é o Projeto de Lei 5.888/2021, que autoriza a prefeitura “a cobrar de indivíduos, sindicatos, movimentos sociais, entidades públicas ou privadas e empresas organizadoras, os custos oriundos dos serviços de limpeza urbana e da reparação dos danos ao mobiliário urbano e equipamentos públicos ocorridos em vias públicas em função da realização de eventos abertos ou fechados, manifestações, passeatas, desfiles ou outro tipo de concentração popular que culminem em depredação de coisa alheia, vandalismo, perigo a pessoa, ao patrimônio público ou privado, a paz pública ou a incolumidade pública”.

Entre os equipamentos públicos, Rômulo cita de meio-fio a monumentos – muitos viraram alvos de protestos pelo mundo, por exemplo, por homenagearem personagens envolvidos com escravidão e racismo. E entre os atos passíveis de punição estão: pichação, escrever, rabiscar, entre outros.

A punição seria a aplicação de multa de 250 VPRTM’s (Valor Padrão de Referência do Tesouro Municipal), o equivalente a R$ 986,15, e 500 VPRTM’s (R$ 1.972,15) para cada reincidência. Porém, no projeto, Rômulo defende que seja punido o movimento popular que ocasionar “perigo a pessoa”, o que abre brecha para que ele mesmo seja enquadrado pelos ataques que fez à equipe da TV Vitória, já que a confusão também aconteceu em Vila Velha.

O vereador foi procurado em seu celular para se manifestar, mas até o fechamento desta edição, não respondeu aos contatos da coluna. No vídeo abaixo o momento em que ele ataca a equipe de reportagem: