Caso Polese traz de volta debate sobre uso e identificação de carros oficiais da Ales

Lucas Polese / crédito: Ales

O deputado estadual Lucas Polese (PL) terá de pagar uma multa no valor de R$ 2.934,70 após se negar a fazer o teste do bafômetro. Ele foi parado numa blitz da Lei Seca na madrugada de sábado (06) quando dirigia, pela Praia do Canto (Vitória), o carro oficial da Assembleia – um Corolla preto locado.

Polese alegou que estava cumprindo agendas oficiais – não há notícia da presença de assessores parlamentares no ato da abordagem – e que se negou a fazer o teste por orientação da sua equipe jurídica.

Na nota que enviou à imprensa, Polese não nega e nem admite ter ingerido bebida alcoólica e também não cita qual seria a “agenda diplomática oficial” que ele teria participado na madrugada de sábado.

A Assembleia ficou de investigar. Em nota também enviada à imprensa, a Ales disse que não tinha ainda sido notificada, mas que “em homenagem ao princípio da oficialidade que norteia a administração pública, apurará o suposto fato, irá contribuir com todo o processo de apuração e adotará as medidas necessárias dentro de um devido processo em que serão observados, dentre outros princípios, o da ampla defesa e o do contraditório”.

Além do fato ter ocorrido em pleno mês de conscientização sobre os índices de acidentes no trânsito – muitos causados pela junção de álcool e direção –, o “Maio Amarelo”, o episódio também trouxe de volta à arena pública o debate sobre o uso e a identificação dos carros oficiais da Assembleia. Tema esse presente em muitas legislaturas.

um breve histórico

Atualmente, os veículos oficiais da Assembleia não são identificados. Na semana passada, os deputados estaduais receberam novos veículos após ser feito um novo contrato de locação. Segundo a Ales, os carros entregues, no modelo Corolla e de cor preta, são provisórios e a empresa contratada (que ganhou o pregão) tem até 120 dias para entregar os veículos definitivos.

Mas, teve uma época em que os carros da Assembleia tinham uma placa preta que os identificava. A situação mudou quando em setembro de 2015, ao retornar de uma agenda oficial no Caparaó, o então deputado estadual Sergio Majeski foi parado numa blitz em Minas Gerais e o carro oficial em que ele estava foi apreendido. Majeski teve de pegar uma carona para continuar a viagem.

A apreensão ocorreu porque a placa do veículo não batia com a que constava na documentação. “A Ales trocava a placa do veículo, para identificá-lo como da Assembleia, mas não regularizava a placa junto ao Detran, já que o documento mostrava a placa original”, explicou Majeski.

Depois desse episódio, o presidente da Assembleia na época, Theodorico Ferraço, determinou a retirada das placas pretas dos veículos, deixando as placas originais, o que acabou com a identificação dos carros usados pelos deputados estaduais.

Em junho de 2018, porém, o próprio Majeski e a ONG Transparência Capixaba entraram com uma representação, com pedido de medida cautelar, no Tribunal de Contas (TC-ES) pedindo a regularização na identificação dos veículos oficiais.

Os conselheiros do TC-ES atenderam à medida cautelar e determinaram que os veículos da Assembleia fossem identificados, dando 10 dias para que o então presidente da Ales à época, Erick Musso, informasse as medidas tomadas para cumprir a determinação. Os veículos, então, passaram a ser novamente identificados.

Nos bastidores, a determinação da Corte não teria sido muito bem recebida na Ales e criou um mal-estar entre os dois poderes. Tanto que em março de 2019, um projeto do então deputado Enivaldo dos Anjos foi visto como uma forma de retaliação.

Enivaldo dos Anjos / crédito: divulgação

O projeto 202/2019 tornava obrigatória a identificação de todos os veículos, próprios ou locados, vinculados à prestação de serviços ou a qualquer outra atividade de todos os poderes e órgãos do Estado.

“No caso da utilização de adesivos, pinturas ou similares, a identificação deve possuir tamanho e letras adequados, além da especificação do respectivo Poder ou Órgão, de modo a facilitar a fiscalização por parte dos cidadãos e dos órgãos competentes”, dizia o parágrafo único do 1º artigo do projeto. E o artigo 4º dizia: “O descumprimento da presente lei caracterizará ato de improbidade administrativa”.

Ou seja, o projeto de Enivaldo estendia a determinação do Tribunal de Contas feita à Assembleia a todos os poderes: Ministério Público, Defensoria Pública, Governo do Estado e Poder Judiciário, além do próprio TC-ES.

Em fevereiro de 2020, o projeto foi aprovado na Assembleia em regime de urgência e encaminhado para o crivo do governo, que vetou a proposta. O governo alegou, no veto, que o projeto interferia “nas tarefas executadas pelos órgãos do Poder Executivo” e que tal atitude feria “o princípio de independência e harmonia entre os poderes”. Citou também que criava despesas para diversos poderes.

A Assembleia chegou a criar uma comissão especial para analisar o veto, que foi derrubado com 18 votos. O projeto virou a Lei 11.126 e foi promulgada em 4 de maio de 2020. Dez dias depois, o Ministério Público do Estado entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) no Tribunal de Justiça, por vício de iniciativa da lei.

A ação tramitou por quase dois anos e só em janeiro de 2022 saiu o julgamento. A ação foi julgada procedente e o TJ-ES, à unanimidade dos votos, declarou a lei inconstitucional. O Tribunal alegou que “de acordo com o artigo 22, incisos I e XI da Constituição da República, compete privativamente à União legislar sobre direito civil, trânsito e transporte”.

A lei foi arquivada, juntamente com os adesivos de identificação dos carros da Assembleia. O que parecia uma derrota do Legislativo se tornou um pretexto para que a determinação do Tribunal de Contas não fosse mais cumprida.

O entendimento na Casa é que se cabe somente à União legislar sobre a identificação dos veículos oficiais, segundo parecer do Tribunal de Justiça com relação à lei de Enivaldo, a Assembleia e o Tribunal de Contas também estariam incluídos na decisão, não cabendo mais ao Legislativo obedecer à determinação da Corte de Contas.

Procurada, a assessoria de comunicação da Assembleia confirmou que a Casa “segue decisão do TJ-ES” sobre a competência da União legislar sobre trânsito e transporte e também confirmou que os carros na Ales não são adesivados.

Até então, a não identificação dos carros da Assembleia era um assunto apenas de bastidores, mas veio à tona após o sabadão de Polese. O episódio tem potencial para não somente reabrir o debate como também ensejar a novas decisões sobre o tema.

Outros casos

Além de Majeski, Polese e Enivaldo, outros deputados estaduais se envolveram em polêmicas por conta do uso do veículo oficial da Assembleia.

Em 2007, a deputada Janete de Sá foi denunciada por suposto uso particular do carro oficial, o que ela sempre negou. Ela chegou a ser condenada, na 1ª instância, à perda do mandato e suspensão dos direitos políticos, mas ao recorrer ao TJES conseguiu reverter a decisão, restando apenas como pena o pagamento de R$ 600 a título de “falta administrativa” por suposto dano ao erário. O processo foi extinto.

Em 5 de janeiro de 2020, o deputado Capitão Assumção, ao voltar de Ecoporanga para Vitória, se envolveu num acidente que resultou na morte de um motociclista de 33 anos. Assumção dirigia um carro oficial da Assembleia e chegou a fazer teste de bafômetro, que deu negativo. A Polícia Civil o indiciou por homicídio culposo (quando não há intenção de matar).

 

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