Estudo mostra que maioria dos municípios capixabas perde com Reforma Tributária: veja a lista

Vitória é o município no ES que mais perde com a Reforma Tributária, diz estudo / Crédito: Davi Protti – PMV

O impacto da Reforma Tributária no País ainda está sendo estudado e vai depender dos últimos ajustes que o texto vai ganhar no Senado e depois com a inclusão das leis complementares. Porém, as primeiras projeções já dão conta que o Espírito Santo é um dos três estados mais prejudicados com a mudança do novo sistema tributário e que a maioria dos municípios capixabas deve perder arrecadação. A capital, Vitória, será a mais impactada.

De acordo com o estudo “Impactos redistributivos da reforma tributária: estimativas atualizadas”, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a fatia que o Espírito Santo vai receber com o novo imposto IBS (Imposto de Bens e Serviços, que vai substituir o ICMS e o ISS) é bem menor, com relação ao que arrecada hoje.

Isso por conta da migração do imposto arrecadado na origem para o destino. Hoje, o imposto fica no estado que produz. Com a reforma, o imposto vai para o estado que consome. Se a reforma fosse aplicada hoje, por exemplo, sem prazo de transição e sem recursos compensatórios, o Espírito Santo iria perder R$ 5 bilhões de arrecadação – contando com as perdas dos municípios.

O estudo fez uma estimativa de qual seria a receita de cada estado e município, caso o novo imposto já estivesse em vigor em 2022.

Foi usado um simulador da propensão média a consumir, construído a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, ajustado para considerar as hipóteses de isenção e alíquota reduzida em 60% para vários itens da cesta de consumo. Foi considerada a imunidade recíproca entre governos e a repartição da cota-parte do IBS estadual entre municípios, com os critérios (e respectivos pesos): população (85%), partes iguais em cada unidade da federação (5%) e desempenho da educação, segundo indicadores definidos em lei estadual (10%).

O estudo mostra que há um deslocamento de receita dos estados com PIB per capita alto ou médio – caso do Espírito Santo – para os estados de menor renda. O efeito redistributivo total é da ordem de 7%, ou seja, dos R$ 801 bilhões de receita arrecadados no ano passado (R$ 694 bi de ICMS e R$ 107 bi de ISS), cerca de R$ 54 bilhões (contando com os R$ 5 bilhões do ES) trocariam de mãos.

A diferença mais significativa, porém, está na esfera municipal. No total, aproximadamente R$ 50 bilhões ou 21% das receitas municipais migrariam para outras cidades.

No Espírito Santo, por exemplo, 29 municípios (37%) teriam uma receita maior se o novo imposto já estivesse valendo, mas 45 (58%) arrecadariam menos. Para quatro municípios (5%), a reforma não traria impactos significativos.

Raio-X capixaba

A coluna entrevistou o autor do estudo, o pesquisador e economista do Ipea, Sérgio Gobetti, e ele explicou à coluna que, além do Espírito Santo, apenas o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul apresentam um índice de municípios “ganhadores” inferior a 50%.

E isso decorre pela combinação de três mudanças no novo sistema: substituição do ICMS por um imposto estadual no destino; redistribuição da cota-parte municipal do imposto estadual com base em novos critérios (população é o principal deles); e substituição do ISS por um imposto municipal de base ampla e também cobrado no destino.

“A fatia desses estados no bolo tributário do novo imposto é significativamente menor, o que acaba por impactar também a cota-parte dos municípios”, justifica Sergio.

Ele também forneceu à coluna, com exclusividade, os dados específicos do Espírito Santo, com a estimativa de receita e crescimento dos municípios capixabas (veja a tabela no final do texto) para os próximos anos, que estarão debaixo da regra de transição – a Câmara Federal aprovou um período de 50 anos de transição para que o novo sistema seja implantado por completo.

Vitória, segundo o estudo, é o município que mais perderia em arrecadação, ficando abaixo da média de crescimento estimada para o País, até nas projeções mais conservadoras.

Num cenário mais pessimista de previsão do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) nacional em 1,5% ao ano, a expectativa de crescimento médio ao longo de 50 anos para a capital é de 0,9%. Num cenário mais otimista, com previsão de crescimento do PIB em 2,5% ao ano, a estimativa para a capital é de crescimento de 1,9%.

Mas não é só a capital que está no estudo abaixo da média de crescimento. Toda a Região Metropolitana da Grande Vitória também está. Os 45 municípios com previsão de receberem menos receitas no rateio do bolo tributário e, por consequência, crescerem abaixo da previsão correspondem a 69% da população capixaba.

Em contrapartida, o município de Piúma é o que mais ganha. No “ano 20” de aplicação do novo sistema tributário, a estimativa é que a receita do município no litoral Sul do Estado dobre, e no “ano 50”, quando termina a transição, a receita do município deve alcançar o patamar de cinco vezes o que é hoje, gerando um crescimento de 3,3%, no cenário mais pessimista, e de 4,4% no mais otimista.

Viana vem em segundo lugar na previsão dos que mais devem ser impactados positivamente com a reforma, com uma projeção de crescimento que varia entre 3,2% e 4,2%, levando-se em conta os cenários pessimista e otimista, respectivamente.

Já os municípios de Nova Venécia, Alto Rio Novo, Divino de São Lourenço e Afonso Cláudio pouco devem ser impactados, segundo o estudo. A previsão é que o índice de crescimento dos quatro acompanhe a média nacional.

O Espírito Santo, como um todo, também ficaria abaixo da média, segundo a projeção do estudo do Ipea. Num cenário de crescimento do PIB a 1,5% ao ano, o Estado cresceria 0,9%. Já no cenário com crescimento do PIB em 2,5% ao ano, o crescimento em solo capixaba ficaria na casa dos 1,9%.

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O outro lado

A coluna procurou a Secretaria da Fazenda do Estado e a do município de Vitória para falarem a respeito do estudo. A Sefaz estadual informou que não iria emitir opinião, por não ter tido acesso à metodologia utilizada no estudo.

Já a Sefaz de Vitória encaminhou uma nota com críticas ao texto da Reforma Tributária que está em tramitação no Senado e com expectativas de que o texto final observe as demandas municipais.

“A reforma tributária é algo urgente e necessário. Porém o que se discute no Senado é uma reforma que fere a autonomia administrativa dos municípios para gerir seus tributos. E ainda há muito a ser definido posteriormente, fora da emenda constitucional, via lei complementar. Então, qualquer antecipação da base de cálculo do IVA e do impacto global da reforma para cada cidade é um exercício de imprecisão. Estamos otimistas que o texto final dará luz às demandas municipais e que tenhamos um sistema tributário mais justo”.

“Diminui distância entre ricos e pobres”

Sergio Gobetti, pesquisador e economista

De uma maneira geral, não fazendo o recorte do Espírito Santo, mas olhando o País como um todo, para o autor do estudo, a Reforma Tributária é benéfica e tem, como maior ganho, a redução da desigualdade social. “Ela diminui a distância entre os mais ricos e os mais pobres”, disse ele, em conversa com a coluna.

“Quando analisamos quem são os ganhadores, constatamos que são, em geral, estados menos desenvolvidos e municípios mais pobres – 98% dos que possuem PIB per capita inferior à média brasileira e 98% das 108 cidades populosas e pobres que compõem o G100 (criado pela Frente Nacional dos Prefeitos – FNP). Entre as grandes cidades, registram-se ganhos para 59% das capitais e 72% das que possuem população superior a 80 mil habitantes”, retrata o material.

“A redução gradual de desigualdade, principalmente pela ampliação das receitas dos municípios mais pobres, em todos os cantos do Brasil, deve ter impacto ainda imensurável sobre o bem-estar de suas populações, com possíveis desdobramentos sobre o ambiente econômico a serem detectados nas próximas décadas”, conclui o estudo.

E o que o capixaba tem a ver com isso?

O tema da Reforma Tributária é denso e de difícil compreensão até para especialistas na área. Não à toa que o sistema tributário brasileiro é apelidado, carinhosamente, de “manicômio tributário”. O setor produtivo, os empreendedores, os contribuintes, enfim, ninguém sabe ao certo quanto paga de imposto. Todos sabem, porém, que a tributação pesa muito no bolso.

E isso incomoda. Tanto que a principal preocupação do contribuinte com relação à Reforma Tributária é: “Vou pagar mais ou menos impostos?”. Essa questão é, definitivamente, a que mais interessa o cidadão comum. Pelo menos por ora, o compromisso dos congressistas é de não aumentar a carga tributária.

Porém, é preciso ir além das questões que afetam o cidadão individualmente. O que está em jogo na Reforma Tributária é também a saúde financeira de estados e municípios, com a criação de uma nova regra de distribuição dos impostos arrecadados.

É de senso comum – mas é bom lembrar – que são os impostos, pagos pela população e pelas empresas, que bancam os investimentos (obras), a folha de pagamento dos servidores ativos e inativos, que mantém de pé os serviços públicos (segurança, educação, saúde, etc) prestados à população.

Se a arrecadação desses recursos diminui, o efeito será sentido na ponta, com menos investimentos, paralisação de obras, corte de pessoal, atraso do pagamento de servidores, prestação de serviços a desejar. Ou seja, vai afetar a vida do cidadão, principalmente daquele que depende diretamente dos serviços públicos.

Governadores debatem Reforma Tributária no Senado / Crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado

É por isso que esse tema tem gerado tanto rebuliço entre governadores e prefeitos. Por mais que estejam previstas medidas compensatórias, os critérios para os repasses desses recursos em caso de perda de receita ainda estão em debate e a preocupação dos gestores é de não conseguir manter os cofres públicos no azul, comprometendo assim a prestação de serviço.

Na sessão temática que ocorreu no Senado e contou com a maioria dos governadores, na última terça-feira (29), os gestores reclamaram principalmente da falta de autonomia para gerir os receitas da tributação e do peso que foi dado à população como critério para a distribuição de recursos do Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) no novo sistema.

Nesse modelo, estados pequenos, como o Espírito Santo, que são muito mais produtores do que exportadores, serão prejudicados.

Após ouvir os governadores, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, ficou de marcar uma reunião com prefeitos. É bom preparar os ouvidos.

Fonte: IPEA

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