De olho nas eleições nos EUA

Eleição nos EUA deixa mundo à beira de um ataque de nervos

Norte-americanos flertam com a dupla populismo-isolacionismo

GAF_2016.11.04_15h56m51s_001_Numa das muitas passagens excelentes do já clássico filme “Obrigado Por Fumar”, dirigido por Jason Reitman, pai (um habilidoso lobista da indústria de tabaco) e filho (prestes a adentrar a adolescência) fazem juntos a lição de casa.

O menino tem de escrever uma redação sobre o tema “por que o sistema político (government) dos EUA é o melhor do mundo?”.

Na foto, Marcos Troyjo em apresentação para grupo de empresários setor indústria nas dependências do SINDIFER (2013)

O pai zomba do chauvinismo proposto para o texto e instrui o filho: “Não há o que possa definir o que seja o ‘melhor’, mas talvez o os EUA tenham o sistema político mais divertido (entertaining) do mundo”.

A presente eleição à Casa Branca é um perfeito exemplo de tal entretenimento.

Não apenas um dos contendores é uma celebridade bem versada no ambiente televisivo, como seu acervo de propostas esdrúxulas para a economia e a política externa apresentam a superficialidade de um reality show.

A ascensão de Donald Trump não é de interesse público, mas seguramente atrai o interesse do público.

Em conversas com líderes de empresas multinacionais americanas, diplomatas do Departamento de Estado, ou mesmo jornalistas e professores americanos, sempre fiquei com a impressão de que todos consideram Trump apenas uma figura bizarra da fronteira “business-show business”.

Peter Thiel, legendário investidor em empresas de tecnologia e um dos capitalistas pioneiros do Facebook, é um dos poucos líderes de negócios de expressão que endossam a candidatura Trump. E mesmo Thiel, um mago das finanças do Vale do Silício, tem dificuldades de decifrar o que uma administração Trump representaria para os EUA.

Numa conversa em Nova York com jornalistas na segunda-feira passada, Thiel sofisticou a já complexa teoria de que “devemos considerar Trump seriamente, mas não literalmente”.

Banir a entrada de muçulmanos nos EUA? Não exatamente, somente “dar um tempo” para entender melhor a natureza de ameaças fragmentárias aos EUA.

Construir um muro na fronteira com o México? Talvez apenas uma alegoria da necessidade de uma triagem mais apurada do fluxo de imigrantes aos EUA.

Impor um tarifa unilateral de comércio a exportações chinesas aos EUA no patamar de 40%? Quem sabe seja apenas uma peça retórica voltada a obter melhores resultados em negociações com Pequim.

Globalismo, não. Americanismo, sim? Ora, jamais um presidente republicano defenderia uma menor presença dos EUA no mundo.

A aposta é sempre a de que na hora “H”, o eleitor americano vai dizer “bem, agora chega de diversão. Votemos na chata, previsível e mais-do-mesmo Hillary Clinton”. Mas o fato é que nesta semana pesquisas mostram Trump e Hillary virtualmente empatados.

Hillary se vê embaralhada na infindável trama de utilização de contas pessoais de email no trato de temas sensíveis e de assuntos de Estado. Na medida em que o FBI projeta maiores investigações no caso —a apenas poucos instantes do principal dia da eleição (8 de novembro)—, isso promete emoções fortes.

reação dos mercados no mundo todo à pesquisa foi a pior possível. Mas nada se mostrou tão ilustrativo quanto uma matéria do “Financial Times”que aponta verdadeira corrida de investidores ao ativo ouro em busca de refúgio, caso Trump saia vencedor.

E mesmo se Hillary vencer por uma pequena margem, esta tenebrosa temporada política nos EUA pode não acabar tão cedo —com Trump buscando questionar judicialmente o resultado das urnas.

Neste 2016, já testemunhamos de queixo caído o “brexit” e a ocorrência de tantos outros “cisnes negros”.

Nas próximas semanas, o flerte cada vez mais perigoso dos EUA com a dupla populismo-isolacionismo manterá EUA e mundo entretidos —e certamente à beira de um ataque de nervos.

Marcos Troyjo é Economista, diplomata e cientista social, dirige o BRICLab da Universidade Columbia em NY, onde é professor-adjunto de relações internacionais e políticas públicas. Escreve às quartas na Folha de São Paulo.

 

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