“O Psol reivindica colocar um nome para disputar o Senado”, diz Camila Valadão

Se nacionalmente a federação entre Psol e Rede foi positiva e solucionou pendências dos dois partidos, como por exemplo, ter mais tempo de TV e quadros para concorrer, no Espírito Santo a união entre as duas legendas de esquerda tem dado sinais de que tem tudo para ser problemática.

“Foi um casamento arranjado, sem diálogo entre as partes”, disse a vereadora de Vitória Camila Valadão – hoje a maior liderança do Psol capixaba – sobre a federação, de pelo menos quatro anos, que seu partido fará com o partido de Marina Silva.

Em entrevista para o programa “De Olho no Poder com Fabi Tostes”, que foi ao ar nesta quinta-feira (12) na rádio Jovem Pan News Vitória (90.5 MHz), a vereadora trouxe à luz todas as divergências do partido com relação à federação, como a imposição de uma candidatura ao governo previamente definida e de possivelmente ter de engolir coligações que a Rede tem buscado fazer com outras lideranças e partidos.

“Nós, enquanto Psol do Espírito Santo, fizemos muitas críticas à direção nacional pela forma como conduziu o debate da federação. No caso do Espírito Santo, que tem candidatura ao governo previamente colocada, esse debate deveria ter sido feito com maior proximidade, com maior contato e não foi o que aconteceu. Esse foi um debate nacional, de cima pra baixo”, disse Camila.

Segundo a vereadora, o Psol capixaba tinha definido, no ano passado, que teria uma candidatura própria ao governo – a de Gilbertinho Campos, que disputou a Prefeitura de Vitória em 2020 –, mas com a definição nacional da federação pela candidatura do ex-prefeito da Serra Audifax Barcelos (Rede), o partido teve de retirar o nome do militante.

Questionada se o partido iria declarar apoio publicamente, pedir voto, subir no palanque e tirar foto (abraçado) com Audifax para o material de campanha, Camila disse que ainda não foi definido qual será o posicionamento do Psol com relação ao ex-prefeito e que lideranças nacionais da sigla virão ao Estado para ajudar a resolver o imbróglio.

“A gente ainda está em processo de diálogo. Temos refletido a importância da direção nacional estar aqui para conseguir tratar desses acordos. O nosso partido tem diferenças com Audifax e falo disso com muita tranquilidade, com muito respeito, pois são diferenças partidárias”, disse Camila afastando qualquer motivação pessoal com relação à resistência à parceria.

Inclusive ela explicou o motivo de ninguém do Psol ter ido ao lançamento da pré-candidatura ao governo de Audifax, no último dia 30. “Eu tinha uma outra agenda e também estava aguardando o processo de negociação do Psol. Não tem como estar num evento daquele sem ter nitidez sobre as alianças, composições, como ficará nossa participação na chapa proporcional”.

Além das diferenças partidárias e ideológicas, Camila citou a dificuldade do partido em apoiar um candidato que se declare “neutro” com relação à disputa presidencial. Audifax tem dito que seu projeto não estará atrelado ao projeto nacional e que terá autonomia para não apoiar ou apoiar alguém diferente do que a federação decidir. Algo que Camila enxerga como mais um embaraço.

“Na nossa avaliação, uma candidatura ao governo na eleição de hoje, polarizada, tem que ter lado no que diz respeito à eleição presidencial. Não dá pra dizer que qualquer um nos serve. Não nos serve! O Psol está nos últimos quatro anos numa oposição ferrenha e sistemática ao governo de Bolsonaro, dizendo que esse governo é genocida. São temas centrais para nós e é com base nesse tema que vamos para o diálogo com a Rede”, afirmou Camila.

O Psol decidiu nacionalmente que vai apoiar Lula na corrida presidencial, após vencer ala do partido – da qual se incluía Camila – que defendia a candidatura própria. “Eu defendia que tivéssemos candidatura própria pela importância de termos opção para a população brasileira. Vencido o debate, vou seguir a posição do meu partido, vou votar no ex-presidente, vou pedir voto para o Lula”, garantiu a vereadora.

Nome ao Senado

Outra ponta solta na costura entre Rede e Psol é o nome que disputará o Senado na chapa da federação. Camila disse, durante a entrevista, que o partido “reivindica” indicar o nome ao Senado, uma vez que teve de retirar sua candidatura própria ao governo. Gilbertinho Campos é o nome cotado.

“Temos debatido a importância de ter candidatura ao Senado, mas esse tema não é tranquilo para a Rede. O Psol reivindica colocar um nome ao Senado justamente como possibilidade dos debates políticos programáticos. Seria um espaço importante para colocar nossas posições. A gente acha fundamental ter uma candidatura de esquerda”, avaliou a vereadora.

A questão é que Audifax já tem conversado com outros atores políticos para preencher essa vaga. Em contato anterior com a coluna, o pré-candidato ao governo disse que tem falado com o PSDB e com o MDB, entre outros partidos. Ele quer atrair mais legendas em apoio à sua candidatura e a vaga de Senado seria um atrativo.

O MDB tem a senadora Rose de Freitas como pré-candidata à reeleição. A princípio, ela busca o apoio da chapa liderada pelo governo do Estado, mas a bênção do Palácio Anchieta é concorrida, disputada por outros partidos da base aliada.

Já o presidente do PSDB, Vandinho Leite, disse em entrevista para o programa “De Olho no Poder” que o partido vai ter candidatura majoritária e que não participará de nenhum projeto que não dê protagonismo à legenda. Resumindo, o PSDB vai apoiar o candidato ao governo que lhe der condições de indicar o nome ao Senado. Vandinho admitiu estar com conversas próximas a Audifax.

A possibilidade de uma coligação com outras legendas também vai ser algo difícil de administrar. “Esse é um tema extremamente complicado também, nós não temos relação política com esses partidos. A história do Psol é de total independência e oposição a esses partidos políticos que já estiveram em cargos no Executivo. Relação de total distanciamento, oposição e divergência. Então, nós não temos acordo nem com esses diálogos nem com a possibilidade de haver coligação com esses partidos”, avisou Camila.

Questionada se seria difícil estar no mesmo palanque que a Rede e outros partidos coligados, Camila respondeu: “Sim, muito difícil. Eu diria mais, que é impossível subir o palanque com essa composição”.

Prioridade

Camila contou que a meta do Psol é a sua eleição à deputada estadual. Desde a saída da ex-deputada Brice Bragato em 2006 – ela foi eleita pelo PT mas mudou para o Psol na metade do mandato – que o Partido Socialismo e Liberdade não tem uma cadeira na Assembleia. Camila disputou a Ales em 2018 e ficou entre os 30 mais votados, recebendo 16.829 votos, mas não entrou por conta do coeficiente eleitoral.

“A gente tem refletido muito sobre a importância de ocuparmos todos os espaços e termos bancadas fortes tanto nas assembleias estaduais quanto no Congresso. A partir da visibilidade política que o nosso mandato alcançou em Vitória, o partido afirma que a prioridade é me eleger para a Assembleia. Não podemos repetir o que aconteceu em 2018, precisamos combinar com a Rede qual será a tática”, explicou Camila.

Para ajudar a custear a campanha, o partido vai lançar uma plataforma de financiamento coletivo para receber doações voluntárias. Em 2020, a mesma estratégia foi usada e, segundo Camila, sua campanha conseguiu arrecadar cerca de R$ 30 mil.

Ideologia x Pragmatismo

Camila também foi questionada sobre as bandeiras do partido, que ela coloca na extrema-esquerda, e sobre a falta de pragmatismo da legenda. “Na política, as duas coisas precisam ser combinadas, acho que manter os princípios políticos é fundamental, afirmar suas posições, ter um programa explícito. Mas, se disputamos as eleições, precisamos entender bem quais as regras do jogo, acho que isso é um pouco o que falta ao Psol, principalmente no Espírito Santo. Faltou dosar melhor essa tática para a disputa eleitoral”.

Ela disse que o Psol defende uma ruptura “radical” com o capitalismo. “É um partido que quer, em última instância, acabar com o capitalismo, construir um outro modelo de sociedade. O capitalismo não é o único sistema político e social, esse sistema tem pouco mais de 100 anos. Nós já tivemos outras formas de organizar a economia e a vida em sociedade. Eu acho que é possível, sim, romper com essa lógica de exploração baseada no lucro de poucos sobre o trabalho de muitos”.

Violência política de gênero

Bate-boca entre Gilvan e Camila

Camila também citou as denúncias que vem fazendo de violência política de gênero dentro da Câmara de Vitória. Ela e o partido já denunciaram um vereador da Casa após uma série de ataques, tais como ser mandada calar a boca, ser chamada de assassina e satanista, ouvir que não teria “moral” para falar no Parlamento, entre outros.

“Todos esses episódios são cotidianos no exercício parlamentar das mulheres. A nossa participação política historicamente é composta pela violência. Isso tem nome: é violência política de gênero, não acontece por um traço individual meu, acontece com o objetivo de silenciar, intimidar, de dar um recado às mulheres e qual o recado? ‘A política não é para vocês. Não venham para a política porque se vierem serão vítimas da violência política. Então, em última instância quem está sendo agredida não é a Camila, é a democracia e os direitos políticos das mulheres”. Camila foi eleita em 2020 como a segunda vereadora mais votada em Vitória: teve 5.625 votos.

Camila também enfatizou sobre a necessidade de uma coibição mais enérgica a esses ataques. Questionada se as instituições estavam agindo ou sendo omissas, Camila respondeu: “Acho que estão sendo mais omissas do que atuando”.

Na íntegra

Camila também falou sobre os pontos convergentes e divergentes com a gestão da Prefeitura de Vitória, sobre a relação do Psol com o governo Casagrande, sobre a autocrítica dos partidos de esquerda em terem se afastado das periferias – e sobre como estão fazendo para recuperar o tempo perdido –, sobre suas bandeiras para a campanha e sobre o mandato na Câmara de Vitória. A entrevista na íntegra pode ser conferida aqui: