O que diz o silêncio de Hartung?

Desde que deixou o governo, em 1º de janeiro de 2019, o ex-governador Paulo Hartung (sem partido) quase não tem se pronunciado sobre a política capixaba. Passa a maior parte do tempo em São Paulo, onde preside a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), e também se dedica à formação de novas lideranças políticas, como conselheiro consultivo do RenovaBR.

Quando faz análises políticas, em artigos para a imprensa ou em entrevistas e programas jornalísticos, o foco é sempre no cenário nacional, apontando os problemas e sugerindo caminhos. Cita suas experiências locais, mas, publicamente, não declara voto e nem apoios no cenário capixaba. Embora, nos bastidores, há quem diga que ele tem se movimentado.

O nome de Hartung chegou a ser ventilado no cenário nacional. Antes de terminar o prazo de filiações deste ano (início de abril), PH chegou a ser cotado como um possível presidenciável pelo PSD – após deixar o MDB, Hartung ficou sem partido e foi convidado a integrar a legenda de Gilberto Kassab, de quem era próximo. A cotação não vingou e Hartung não se filiou e nem concorreu.

A dúvida sobre se o PSD abrigaria ou não o ex-governador refletiu no Estado e gerou instabilidade na sigla que, somada à dificuldade de montar uma chapa competitiva para a disputa federal, fez com que o deputado federal Neucimar Fraga, que presidia a legenda no Estado, deixasse o partido. Neucimar foi para o PP e ficou como suplente na eleição deste ano. Neivaldo Bragato, aliado de Hartung, assumiu o PSD.

Mesmo passando a maior parte do tempo fora do Estado, algumas articulações que se sucederam também teriam as digitais de Hartung nos bastidores. Quando o superintendente da Polícia Federal no Espírito Santo, delegado Eugênio Ricas, ensaiou largar o cargo para concorrer ao governo do Estado, Hartung teria sido um dos maiores entusiastas. O projeto era Ricas se filiar ao PSD, o que lhe agradava, mas a possibilidade de ter que passar por uma “prévia” interna para decidir quem seria o candidato, desanimou o delegado e a aposta naufragou.

Depois, a entrada de César Colnago e de Guerino Zanon no PSD também teriam passado pelo crivo do ex-governador, assim como a definição de que Guerino seria o candidato ao governo pelo partido. Sem espaço, Colnago saiu da legenda em julho e não disputou nenhum cargo.

Durante a campanha, o ex-prefeito de Linhares chegou a ser lembrado como o candidato que mais teria o DNA hartunguista. Quando questionado se PH estaria lhe apoiando, Guerino, porém, desconversava.

Algo comum dito pelos candidatos, desde o início do ano, era que Hartung sempre os incentivava a disputar. No último mês de março, o ex-governador se reuniu com o deputado estadual Sergio Majeski (PSDB) com essa missão: convencê-lo a disputar o Congresso. A reunião foi iniciativa de Hartung e chamou a atenção porque Majeski foi um dos maiores opositores do ex-governador na Assembleia, durante os quatro anos de gestão. Majeski disputou a Câmara Federal mas não foi eleito.

Embora muitas movimentações nos bastidores tenham sido atribuídas a Hartung, fato é que ele não colocou a cara na eleição. Publicamente, como estava continuou: em silêncio. O que tem alimentando muitos rumores no mercado político.

Vídeos antigos circulando

Passado o primeiro turno, Carlos Manato recebeu o apoio dos ex-candidatos Aridelmo Teixeira (Novo), Guerino e Audifax Barcelos (sem partido). Manato inclusive já anunciou que se vencer, Aridelmo será seu secretário da Fazenda.

Como é a primeira vez que o Espírito Santo terá segundo turno em 28 anos e o tema do “retrocesso” e do “crime organizado” pautaram o debate da primeira semana, o mercado político começou a questionar o posicionamento do ex-governador.

Hartung coordenou, juntamente com lideranças da sociedade civil, o combate ao crime organizado no Estado. Além disso, o ex-governador é tido como um dos referenciais na gestão pública capixaba. O que soa comum a insistência por um posicionamento, principalmente numa eleição bastante polarizada, nacionalizada e difícil, para os dois lados.

Não demorou muito para que, na ausência de uma declaração, vídeos antigos começassem a circular: um de 2010, de Hartung elogiando Casagrande e pedindo votos para ele. E outro de 2014, quando Hartung diz que cometeu um erro ao ter apoiado o atual governador. Os vídeos estão sendo compartilhados por aliados de Casagrande (o de 2010) e por opositores (o de 2014) também.

Veja o vídeo de 2010 que voltou a circular:

 

Veja o vídeo de 2014 que também voltou a circular:

Não há notícia de que Casagrande e Hartung estariam se aproximando. Desde a eleição de 2014, os dois se tornaram adversários e, até então, continuam assim. Hartung tem tido um discurso de renovação na política, mas isso também não quer dizer que haja uma aproximação para o lado de Manato.

O ex-governador é um crítico do bolsonarismo e, na eleição de 2018, ficou contra Bolsonaro principalmente por conta do episódio da greve da PM, em 2017. Levantamento feito pelo jornal Estadão mostrou que aliados de Bolsonaro no Estado – na época, Manato e Capitão Assumção (hoje deputado estadual reeleito) – teriam participado ativamente da comunicação e da logística do motim.

Em suas redes sociais, o último artigo escrito e postado por Hartung é de terça-feira passada (04), quando escreveu sobre “A oportunidade do segundo turno” (publicado no jornal Estadão). Nele, Hartung defende que o debate desta segunda etapa seja pautado nos problemas reais do Brasil. Criticou a “moda da lacração”, a venda de “terrenos na Lua”, os discursos populistas.

Descreveu a “dura tarefa” que terá quem assumir o país no ano que vem, com cenários interno e externo nada amigáveis, tendo que lidar com as consequências da pandemia, inflação e juros altos, guerra e “ataques totalitários à democracia”.

“Que neste segundo turno, entre finalmente em debate o Brasil real, aquele país que tem um potencial ímpar, capaz de promover ampla prosperidade, mas que também é uma nação que precisa urgentemente redesenhar seus caminhos, afastando-se de séculos de injustiça socioeconômica e desvarios institucionais. Que o Brasil que podemos e merecemos ser esteja na pauta da conversa civilizada e republicana que toda democracia de verdade demanda e enseja. Que o caminho até as urnas eletrônicas do segundo turno seja pavimentado pelo compromisso com a realidade, seus desafios e oportunidades”, escreveu Hartung, sem nenhuma menção explícita à disputa capixaba.

A assessoria de Hartung e o próprio ex-governador foram procurados pela coluna, mas não retornaram aos contatos. Até o momento, pelo que sinaliza, Hartung não deve se envolver na disputa local. Ou, como apostam alguns analistas políticos, “vai deixar o pau quebrar”. A conferir.