Economia

Recuperação judicial x extrajudicial: saiba a diferença e quem pode pedir

Os modelos estão previstos como mecanismos que as empresas podem recorrer para renegociar dívidas. Advogado ouvido pelo Folha Vitória explica como funcionam

Erika Santos

Redação Folha Vitória
Foto: Freepik

No último dia 28, a Casas Bahia divulgou que fechou um acordo de recuperação extrajudicial com o objetivo de reestruturar sua dívida de R$ 4,1 bilhões. Apesar desse mecanismo ter o mesmo objetivo da recuperação judicial, ou seja, permitir que empresas consigam um fôlego para se reerguerem financeiramente, os dois modelos são diferentes.

Empresas bem conhecidas do consumidor, como Americanas, SouthRock (operadora Starbucks no Brasil), 123 Milhas, grupo Petrópolis (fabricante das cervejas Itaipava e Petra), a operadora Oi, dentre outras, são algumas que recorreram à recuperação judicial.

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Mas esse não é o único modelo de recuperação que as empresas podem recorrer. Quem explica é o advogado Felipe Finamore Simoni, especialista em Direito Empresarial. 

A pedido do Folha Vitória, ele explicou que a recuperação judicial é feita pelo Poder Judiciário; já a outra ocorre de forma direta com as empresas. Isso significa que a organização pode negociar diretamente com seus credores, sem a necessidade de um processo judicial.

"A recuperação extrajudicial oferece uma alternativa para empresas em dificuldades financeiras negociarem acordos com seus credores de forma mais flexível e ágil, sem a necessidade de um processo judicial complexo. Esse mecanismo permite maior autonomia privada e agilidade na busca por soluções para superar a crise, contribuindo para a manutenção das atividades econômicas e da função social das empresas", destaca o advogado.

De acordo com Felipe Finamore Simoni, a recuperação extrajudicial se apresenta como uma alternativa jurídica destinada a empresas com um número identificável de credores, possibilitando a elaboração de um único plano de reestruturação que englobe todos os interesses envolvidos, configurando um acordo multilateral entre as partes.

No caso da Casas Bahia, a recuperação extrajudicial foi aprovada pelo Bradesco e pelo Banco do Brasil, que são os principais credores da rede de lojas.

Confira a entrevista com Felipe Finamore Simoni:

1 - Qual é a diferença fundamental entre recuperação judicial e recuperação extrajudicial no contexto empresarial?

Na recuperação extrajudicial, seja por uma opção de fluxo de caixa ou mesmo de estratégia no processo de reestruturação, há a possibilidade de o empresário realizar uma eleição dos credores que se sujeitarão aos efeitos do processo de negociação.

Já na recuperação judicial, os credores se sujeitam aos seus efeitos por força de lei (ope legis), na medida em que dispõe o art. 49 da Lei 11.101/05 que estão sujeitos aos seus efeitos “todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”.

Em suma, enquanto na recuperação judicial a vinculação dos credores é obrigatória, na extrajudicial o devedor pode eleger os credores que se sujeitarão aos efeitos, inexistindo a obrigatoriedade até mesmo de inclusão de todos os credores de uma mesma classe.

2 - Quem pode pedir recuperação judicial e extrajudicial?

Podem pedir recuperação judicial ou extrajudicial toda e qualquer empresa, sociedades que exerçam atividade econômica por equiparação, produtor rural, associações esportivas, como clubes de futebol, por exemplo, pois a Lei 11.101/05 tratou de enumerar aqueles que não podem se utilizar do instituto.

Estão identificadas neste grupo: as empresas públicas, as sociedades de economia mista, instituições financeiras públicas e privadas, cooperativas de crédito, consórcios, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.

Dito de outro modo, numa interpretação contrario sensu, a todas as outras pessoas jurídicas seria lícito postular pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, desde que preenchidos os requisitos subjetivos enumerados no art. 48 da Lei 11.101/05, como exercer suas atividades regulares há pelo menos dois anos, não ser falido ou, sendo falido.

Também que tenham declaradas extintas as responsabilidades decorrentes, não ter obtido a concessão de recuperação judicial há menos de cinco anos e não ser condenado e não ter administrador ou sócio controlador pessoas condenadas por crimes falimentares.

3 - Como funciona o processo de recuperação judicial para uma empresa e quais são os principais objetivos desse procedimento?

A recuperação judicial é um instrumento importante para a manutenção das atividades econômicas e da função social de uma empresa em crise financeira. 

Ao contrário do que muitos pensam, a recuperação judicial não significa falência, mas sim a busca por soluções viáveis para reorganizar as finanças e continuar operando no mercado de forma sustentável.

Por meio desse procedimento, a empresa tem a oportunidade de apresentar um plano de pagamento aos seus credores, buscando a aprovação em assembleia. Com a recuperação judicial, é possível negociar deságios, prazos especiais para pagamentos, alterações societárias, redução de encargos financeiros, entre outras medidas que visam reestruturar a empresa e garantir sua continuidade.

Portanto, é essencial desmistificar a recuperação judicial e compreender que se trata de uma ferramenta legal que pode beneficiar empresas em dificuldades financeiras. 

Com a adoção de medidas adequadas e o comprometimento da empresa em superar a crise, é possível reverter a situação e retomar o crescimento da atividade econômica.

4 - Em contrapartida, quais são os principais aspectos da recuperação extrajudicial e como ela se diferencia da recuperação judicial?

Na recuperação extrajudicial, o papel do juiz é essencialmente homologatório, ou seja, ele pode intervir para validar o acordo entre o devedor e seus credores, visando superar a crise financeira. 

Diferentemente da recuperação judicial, a intervenção estatal é acessória nesse processo, onde o acordo previamente entabulado entre o devedor e os credores “escolhidos” é submetido à homologação judicial.

De igual forma, em sua modalidade extrajudicial a recuperação não conta com a intervenção obrigatória do Ministério Público ou mesmo com a nomeação de um Administrador Judicial, inexistindo, ainda, a publicidade por meio de editais, como ocorre com o processo de recuperação em sua forma judicial.

O principal objetivo da recuperação extrajudicial é promover um acordo entre o devedor e seus credores para resolver a crise financeira da empresa. Trata-se, na verdade, de um contrato com o propósito de superar a crise e reorganizar as finanças da empresa devedora, cujo processo de convocação e negociação se estabelece diretamente entre os interessados (credor e devedor), guardado o sigilo da negociação e a preservação das partes envolvidas.

No caso das Casas Bahia, por exemplo, a divulgação ao mercado somente foi realizada após a concretização do acordo entre a empresa e os credores implicados no processo de negociação, o que evidencia um maior sigilo e privacidade no ambiente de negociação da crise financeira.

É importante ressaltar que a recuperação extrajudicial não exclui outras formas de acordo entre o devedor e seus credores, conforme estabelecido no artigo 167 da Lei 11.101. Nesse sentido, a autonomia privada ganha destaque, uma vez que o plano de recuperação não precisa abranger todas as classes de credores ou todos os créditos de uma classe.

De acordo com Tomazette (2022, p. 449), a recuperação extrajudicial guarda semelhanças com o chamado 'prepackaged plan' do direito norte-americano, o que demonstra a eficácia desse instrumento para a reestruturação financeira de empresas em crise.

Em suma, a recuperação extrajudicial oferece uma alternativa para empresas em dificuldades financeiras negociarem acordos com seus credores de forma mais flexível e ágil, sem a necessidade de um processo judicial complexo. Esse mecanismo permite maior autonomia privada e agilidade na busca por soluções para superar a crise, contribuindo para a manutenção das atividades econômicas e da função social das empresas.

Foto: AL Consultoria
Felipe Finamore Simoni é advogado especialista em Direito Empresarial

5 - Quais são as principais etapas e procedimentos que uma empresa precisa seguir ao optar por um processo de recuperação extrajudicial?

A recuperação extrajudicial se apresenta como uma alternativa jurídica destinada a empresas com um número identificável de credores, possibilitando a elaboração de um único plano de reestruturação que englobe todos os interesses envolvidos, configurando um acordo multilateral entre as partes.

Nesse tipo de recuperação, o devedor comparece ao juízo com um acordo pré-estabelecido com seus credores, solicitando apenas a homologação do plano, que, inclusive, já é apresentado com a assinatura de todos os envolvidos. 

A unanimidade dos credores não é um requisito obrigatório para a obtenção da recuperação extrajudicial. A homologação do plano pode ocorrer se mais da metade dos credores de uma determinada classe ou subclasse concordarem com seus termos, sendo vinculante para todos, inclusive e especialmente os não signatários do plano.

No entanto, é imprescindível comprovar que o devedor enviou a proposta de acordo a todos os credores sujeitos às classes e subclasses previstas no plano de pagamento, como condição para a adesão dos credores discordantes ao plano proposto.

Após a apresentação do pedido de homologação, um edital será publicado, permitindo que credores insatisfeitos com o plano possam objetar, limitando-se ao descumprimento dos requisitos legais ou a possíveis ações fraudulentas por parte do devedor.

Na recuperação extrajudicial, não é obrigatória a intervenção do Ministério Público, e a homologação do plano constitui um título executivo judicial. Diferentemente da Recuperação Judicial, a homologação do plano não impede o devedor de estabelecer outros acordos privados com seus credores.

Em resumo, a recuperação extrajudicial é um instrumento eficaz para fornecer suporte a empresas em crise, sem os custos associados à Recuperação Judicial. Geralmente marcada por uma maior proximidade entre o devedor e seus credores, essa modalidade possibilita negociações mais favoráveis. 

Uma concentração das dívidas mais significativas ou uma melhor previsibilidade da situação de crise podem resultar em uma Recuperação Extrajudicial bem-sucedida, garantindo a recuperação da empresa de forma mais rápida e econômica.

6 - Como ficam os direitos e interesses dos credores em cada uma dessas modalidades de recuperação? Há alguma distinção significativa?

Seja na recuperação judicial ou extrajudicial, eventual alteração do direito dos credores, como deságios, prazos de pagamento e índices de correção diferenciados, por exemplo, dependerá do plano de pagamento a ser apresentado pela empresa devedora.

Dito de outro modo, é a capacidade de pagamento da empresa devedora que determinará a forma de pagamento a ser proposta no plano e, via de consequência, a alteração a ser provocada no direito dos credores, no caso de aprovação por mais da metade (50% + 1) dos credores.

7 – Qual é o papel dos credores durante o processo de recuperação judicial e recuperação extrajudicial? Eles têm voz ativa nas decisões?

Os credores em verdade são os protagonistas do processo de recuperação, seja da forma judicial ou extrajudicial, pois ao cabo e ao final somente com a aprovação destes é que o devedor terá a homologação do seu plano e a concessão da recuperação judicial.

A posição dos credores é preponderante no processo de recuperação judicial, possuindo reflexos diretos no resultado do procedimento, pois concordando com o plano, haverá uma modificação (novação) dos créditos, os quais daí em diante serão liquidados no valor, forma e prazo definidos no plano.

Em caso de rejeição, por sua vez, as consequências são distintas, pois enquanto a rejeição de um plano de recuperação judicial implica na consequente decretação da falência da empresa; eventual rejeição de um plano de recuperação extrajudicial não altera em nada a relação creditícia, não há a decretação da falência como consequência da rejeição e, ainda, poderá o devedor no caso de rejeição de um plano extrajudicial optar pelo próprio ajuizamento de um pedido de recuperação judicial.

8 – Quais são os direitos e garantias dos trabalhadores das empresas em processo de recuperação? Como esses direitos são protegidos durante o processo?

Os credores trabalhistas e decorrentes de acidentes de trabalhos não são alcançados pelo processo de recuperação extrajudicial, e no procedimento judicial recebem tratamento especial, pois os créditos até 150 salários-mínimos deverão ser pagos em até um ano a contar da homologação do plano e concessão da recuperação judicial.

Os créditos de até 5 (cinco) salários mínimos por trabalhador, de natureza estritamente salarial e vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial, deverão ser pagos no prazo máximo de 30 dias, a contar da homologação do plano.

É digno de nota que o prazo de um ano previsto para pagamento dos créditos de até 150 salários-mínimos poderá ser estendido em até dois anos, desde que sejam apresentadas garantias julgadas suficientes pelo juiz, a proposta conte com a aprovação de mais da metade dos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho presentes na Assembleia de Credores e o devedor apresente garantia de pagamento da integralidade dos créditos trabalhistas.

Por fim, merece registro que os créditos trabalhistas e decorrentes de acidentes de trabalho são liquidados na Justiça Trabalhista e, posteriormente, habilitados no processo de recuperação judicial. 

Os valores dos créditos que eventualmente ultrapassem o limite de 150 salários-mínimos serão inscritos na classe dos créditos chamados de quirografários e pagos na forma do plano aprovado para essa classe de credores.

9 – Quais são os principais desafios enfrentados pelos trabalhadores durante um processo de recuperação judicial ou extrajudicial de uma empresa?

Como dito, não há sujeição do crédito trabalhista ao procedimento extrajudicial e no judicial o trabalhador deve liquidar seu crédito na Justiça Trabalhista, podendo requerer ao juízo especializado que oficie ao juízo da recuperação solicitando em cooperação a reserva do seu crédito, até que liquidado o valor em definitivo ao final do procedimento.

10 – Por que, em sua opinião, tem havido um aumento significativo no número de empresas buscando a recuperação judicial nos últimos anos no Brasil?

O mundo viveu eventos severos e extraordinários nos últimos anos. Passamos pela pandemia do coronavírus e logo após sobreveio a Guerra entre Rússia e Ucrania.

Internamente, esses eventos resultaram na elevação de custos de commodities e, por arrasto, de vários insumos ligados diretamente a vários setores da atividade econômica que, por sua vez, não puderam repassar ao consumidor final todo o impacto da elevação desse custo, resultando na redução de margem e até mesmo operações deficitárias.

Esse déficit financeiro de diversas empresas, num primeiro momento, foi “suprido” mediante alavancagem financeira, uma vez que contemporaneamente a esses eventos extraordinários ocorridos no mundo, no Brasil passamos por um período de redução na taxa básica de juros.

Em agosto de 2020 a taxa básica de juros (SELIC) estava fixada em 2% ao ano e inúmeras empresas tomaram crédito para suprir sua necessidade de caixa e, assim, manter sua capacidade produtiva. Outras, por sua vez, enxergaram na reduzida taxa de juros uma oportunidade de alavancagem para expansão.

No entanto, esses contratos de financiamento foram vencendo e algumas empresas não experimentaram no período pós-pandemia a retomada do caixa no tempo e modo projetados, o que resultou na necessidade de rolagem dessa dívida, mas desta vez com taxas de juros mais elevadas, uma vez que em agosto de 2021 a taxa Selic já se encontrava em 5,25% ao ano e um ano após já alcançava o percentual de 13,25%.

Ou seja, aquele capital tomado a baixo custo sofreu renovações com custos mais elevados e as empresas não comportaram em seu fluxo de caixa o pagamento dessas parcelas, comprometendo a própria continuidade das atividades, de modo que o ajuizamento de pedidos de recuperação judicial se traduziu na única forma de manter a atividade produtiva e, consequentemente, os postos de trabalho dos colaboradores.

11 - Quais são os impactos financeiros e reputacionais para uma empresa que entra em processo de recuperação judicial em comparação com a recuperação extrajudicial?

Financeiramente, o processo de recuperação, seja ele judicial ou extrajudicial, propiciará ao empresário uma readequação do seu fluxo de caixa, na medida em que as dívidas existentes e sujeitas aos seus efeitos (com a distinção de que no judicial são todas e na extrajudicial as escolhidas) serão pagas na forma e no prazo estabelecidos no plano.

Dito de outro modo, será o plano aprovado que determinará a extensão dos impactos financeiros experimentados pela empresa, já que esse novo plano substituirá aquelas obrigações que existiam antes da medida, possibilitando uma readequação dos pagamentos à realidade financeira da empresa.

No que diz respeito à reputação da empresa, entendemos que o processo de recuperação, seja ele judicial ou extrajudicial, se reveste em modelo ético de renegociação das dívidas existentes, num processo transparente no qual são conciliados os interesses de credores de devedores.

É bom que se diga que atualmente os credores em geral têm melhor percepção do procedimento de recuperação e usualmente mantêm o processo de fornecimento de insumos e até mesmo crédito, pois são sabedores que a manutenção das atividades negociais com empresas em recuperação lhes assegura preferência no recebimento de seus créditos, em caso de insucesso destas em suas tentativas de soerguimento e eventual decretação de falência.

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