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"Turismo de Regência acabou", afirmam moradores e comerciantes de balneário capixaba

Seis meses após o desastre ambiental de Mariana, população do vilarejo onde fica a foz do Rio Doce diz que estabelecimentos estão fechando as portas por causa da falta de turistas

Após o desastre ambiental de Mariana e a chegada dos rejeitos de minério ao litoral capixaba, lama passou a fazer parte da paisagem da praia de Regência, em Linhares Foto: Leonardo Merçon / Instituto Últimos Refúgios

Seis meses depois da maior tragédia ambiental da história do Brasil, moradores e comerciantes do balneário de Regência, em Linhares, litoral norte do Espírito Santo, ainda sofrem com as consequências da chegada ao Rio Doce e ao oceano dos resíduos de minérios, provenientes do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, Minas Gerais, no dia 5 de novembro do ano passado.

Segundo eles, o maior impacto aconteceu no setor do turismo, que é a base da economia local. Sem contar com indústrias de grande porte e longe do centro de Linhares, Regência sobrevive basicamente com o dinheiro de turistas que visitam o local para desfrutar de suas belezas naturais. Com a chegada da lama de minério à região, a economia do balneário praticamente estagnou.

"O turismo de Regência acabou, não vem mais ninguém para cá. Até o início de janeiro, as pousadas e o comércio ainda tinham uma 'gordura' para queimar, então não sofreram tanto, mas hoje eles não têm mais dinheiro nem para pagar contas de água e luz. Com isso, muitos estabelecimentos estão tendo  fechar as portas", contou o vice-presidente da Associação de Moradores de Regência, Fábio Gama.

Segundo o presidente da Associação Comercial da vila, Messias Caliman, pelo menos duas pousadas já deixaram de funcionar, além de padarias e outros estabelecimentos. "No início, logo quando essa lama chegou, ainda tínhamos um movimento, por causa dos profissionais que estavam trabalhando diretamente com o desastre. Mas agora que eles foram embora, acabou. Dependíamos do turismo e da pesca e agora não temos mais turistas. Depois que saiu aquele laudo que apontou contaminação dos peixes, ninguém vem mais. A grande maioria dos estabelecimentos teve queda de 100% do movimento. Os menos prejudicados tiveram 50%. Mas todos foram severamente afetados, principalmente as pousadas", destacou.

Lama chegou ao mar de Regência no final de novembro Foto: Fred Loureiro/Secom-ES

E essa queda de 100% no movimento também foi sentida pelo proprietário da Pousada Vila Sergio, Sergio Missagia. Ele conta que, antes da chegada da lama a Regência, estava no auge de seu negócio. Hoje já admite partir para outra área.

"Tenho essa pousada há 11 anos, sempre em evolução. Estávamos no nosso ápice no ano passado, conseguimos atingir nossa meta com o pé nas costas. Mas, de uma hora para outra, tudo mudou. Sabe o que é passar um fim de semana inteiro sem nenhum hóspede? Temos 24 suítes e todas estavam vazias. Nem no pior dos meus pesadelos me vi passando por uma situação dessa. Investi toda a minha vida nesse sonho e hoje mal consigo pagar as contas básicas. Todo esse estresse está afetando minha saúde. Não só a minha, como de vários outros comerciantes daqui. Já estou pensando em abandonar o negócio e voltar a trabalhar com obra, que era o que eu fazia antes", lamentou.

O presidente da Associação Comercial de Regência acredita que, para tentar amenizar em curto prazo a situação do comércio local, deveriam ser adotadas algumas medidas paliativas por parte do poder público. "Estamos nessa situação e não temos sequer uma indenização por causa desse TAC (Termo de Ajuste de Conduta) que foi assinado entre a Samarco e o governo. Eles (Samarco) se protegem por meio desse TAC, e a gente não tem sequer uma solução paliativa. Queremos um auxílio imediato enquanto esperamos as ações serem colocadas em prática. A comunidade não tem mais tempo", protestou.

Turbidez

Com relação à coloração da água, os moradores de Regência admitem que ela clareou bastante nos últimos meses. No entanto, não acreditam que isso signifique que a qualidade da água melhorou.

"Realmente o rio está com menos turbidez hoje, em comparação de como estava no início. Mas acredito que isso seja por causa da crise hídrica no Estado, porque não está chovendo. Mas sabemos que a sujeira está toda depositada no fundo do rio e do mar e, quando voltar a chover na cabeceira do Rio Doce, toda a turbidez vai voltar", frisou Fábio Gama.

Pescadores

Lama de minério da Samarco prejudicou população que depende da pesca no Rio Doce Foto: Leonardo Merçon / Instituto Últimos Refúgios

Além dos comerciantes de Regência, pescadores das regiões afetadas pela lama de rejeitos de minérios da Samarco foram severamente prejudicados pelo desastre ambiental, já que perderam sua principal – e às vezes única – fonte de renda.

De acordo com advogado da Federação das Colônias e Associações dos Pescadores e Aquicultores do Espírito Santo (Fecopes), Leonardo Amarante, mais de 3,5 mil trabalhadores ainda aguardam receber indenização da mineradora. Em março, a Federação entrou com um pedido de antecipação de tutela para concessão de pensionamento de um salário mínimo aos pescadores, já requerido na ação ajuizada em dezembro do ano passado.

"Com a mortandade dos peixes da região, os pescadores foram diretamente prejudicados pela tragédia e, seis meses após o rompimento das barragens, continuamos lutando pelos direitos dessa classe tão importante para a economia do país. A situação dos rios ainda é dramática e os pescadores estão impossibilitados de trabalhar", destacou Amarante.

Iema

O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) informou, por meio de nota, que vem realizando a coleta de água e sedimentos no corpo hídrico antes mesmo da chegada da lama de rejeitos à porção capixaba do Rio Doce. O instituto disse também que acompanha a coleta de água feita pela Samarco para contraprova. Além disso, o Iema informou que continua realizando sobrevoos com o intuito de acompanhar o comportamento da pluma na região costeira do Norte do Estado.

Para verificar o atendimento que vem sendo feito pela Samarco à população impactada pelo desastre no Rio Doce, o instituto destacou que são feitas regularmente vistorias em comunidades dos municípios de Colatina, Baixo Guandu, Marilândia e Linhares, diretamente afetados pela tragédia.

O Iema ressaltou ainda que já foram emitidos 15 autos de intimação para a Samarco, em função do desastre ambiental em Mariana, e dos danos causados à porção capixaba do Rio Doce. O primeiro deles foi enviado logo após o rompimento das barragens.

Segundo o instituto, a Samarco foi multada três vezes por descumprimento dos autos de intimação. Uma delas no valor de R$ 300 mil e a outra, de R$ 150 mil. A terceira multa é diária, no valor de R$ 50 mil.

As multas, de acordo com o Iema, foram aplicadas em função de a empresa não ter fornecido apoio necessário aos municípios, e por não realizar ações de mitigação do desastre de forma satisfatória. A Samarco recorreu das multas e a defesa das mesmas está em análise no instituto.

O Iema também informou que participou das discussões técnicas para a elaboração do Termo de Compromisso assinado entre a União e governos do Espírito Santo e Minas Gerais com a Samarco e as suas controladoras, BHP e Vale, prevendo a realização de 38 programas socioambientais e socioeconômicos.  

Além disso, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Seama) é integrante do Comitê Interfederativo, criado em abril, com a função de fiscalizar e validar as ações de reparação dos danos sociais e ambientais em função do rompimento da barragem da Samarco.

O Iema ressaltou ainda que integra o Grupo Governança pelo Doce, formado por diversas instituições do poder público municipal, estadual e federal, além de universidades, que estão atuando com ações para a recuperação do Rio Doce.

Samarco

Já a Samarco informou que a pluma resultante do acidente com a Barragem de Fundão gerou um aumento momentâneo da turbidez no Rio Doce. Segundo a mineradora, os resultados dos laudos encomendados pela Samarco, junto a empresas especializadas, mostram redução significativa nos níveis de turbidez do Rio Doce nas últimas semanas. 

De acordo com a Samarco, no início de abril foram atingidos valores inferiores ao limite de 100 NTU estabelecido pela resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), em todo o trecho do rio Doce entre a região de Governador Valadares (MG) até a sua foz, no Espírito Santo. A mineradora informou que esses dados são enviados diariamente ao Ibama, dentre outras autoridades.

A Samarco destacou que a redução da turbidez é resultado das ações da empresa para conter o aporte de sedimento na água, que incluem a construção de três diques de contenção de sedimentos, revegetação das margens dos rios Gualaxo e Carmo, afluentes do Rio Doce, e a recuperação dos canais dos afluentes, permitindo que a água volte a chegar limpa até os rios principais, além da redução das chuvas.

De acordo com a mineradora, outro trabalho também em andamento é a distribuição de cartões de auxílio financeiro às pessoas cuja renda dependia diretamente do Rio Doce. Até o momento, segundo a Samarco, 5.818 famílias já recebem o auxílio, no valor de um salário mínimo, acrescidos 20% do salário do mínimo por dependente e o valor de uma cesta básica calculado pelo Dieese. 

A empresa esclarece que o valor do cartão é retroativo ao dia 5 de novembro, independentemente do dia do recebimento do auxílio, e que o auxílio segue sendo pago aos impactados, conforme os critérios determinados no acordo assinado pela Samarco e os governos federal, de Minas Gerais e do Espírito Santo.

A Samarco reforça, ainda, que mantém reuniões regulares com representantes da associação de moradores e da associação de comerciantes de Regência.

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