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Sem drogas há três anos, mendigata capixaba conta história em livro: 'O pior inferno foi dentro de casa'

Após desistir do tratamento e ver sua foto na manchete dos jornais, Jéssica decidiu lutar contra as drogas por conta própria. Ela fugiu de casa aos 13 anos

“O pior inferno da minha vida foi dentro de casa”, afirma a capixaba Jéssica Pinto da Luz, de 23 anos, mais conhecida como ‘mendigata’. Aos 13 anos, ela teve a coragem de fugir de casa após perder a mãe, ser separada dos irmãos e sofrer nas mãos do pai.

De Vitória, Jéssica foi mandada para Minas Gerais junto com o pai. Após fugir, ela caminhou por quatro meses até chegar a Guarapari, onde recebeu ajuda de uma senhora. Mais tarde, essa senhora morreu e a capixaba foi morar em Niterói. 

Jéssica está sem drogas há três anos, ficou noiva e vende sacolé em Piauí Foto: Divulgação

Em terras cariocas, ela viveu na rua durante muitos anos, usou drogas e passou fome até ser descoberta por uma emissora de TV. Ganhou vaga em uma clínica de reabilitação e tratamento de beleza, mas acabou desistindo, pois não queria se livrar das drogas com ajuda de medicamentos. 

Após desistir do tratamento e ver sua foto na manchete dos jornais, Jéssica decidiu lutar contra as drogas por conta própria. Há três anos ela diz que está “limpa”, tem um lar, está noiva e pretende se casar no dia 21 de janeiro. Além disso, a capixaba reúne sua história em livro, que tem previsão para ficar pronto no final deste ano.

“Comecei a fazer o livro quando morava na rua, mas acabei perdendo esse caderno. Estou escrevendo tudo de novo e já estou bem adiantada. Conto desde quando fui para a rua, o motivo disso tudo, até a minha fase atual. Estou noiva, vou me casar e saí da rua tem três anos”.

Jéssica, que começou a usar drogas aos 8 anos com o pai, conta que não foi fácil traçar um novo caminho, mas um motivo especial tem dado forças suficientes: a filha.

“Eu estava em situação de rua e uma emissora de TV prometeu me colocar em uma clínica e a recuperar a guarda da minha filha, que está com minha irmã. Antes de entrar na clínica, eles disseram que o tratamento seria sem remédio, com ajuda de médicos e psicólogos. Mas chegando lá, descobri que o tratamento era com remédio,  não me deixaram ver minha filha e ainda me doparam. Pedi para ir embora e disse que não ficaria mais. Quando pagaram minha passagem de volta, fizeram uma matéria dizendo que eu iria voltar para rua e drogas. Então, resolvi provar que eu conseguia me livrar disso. A droga era meu refúgio, comecei a usar com 8 anos com meu pai. Fui buscando ajuda, procurei reuniões, vendi sacole, sanduíche na praia, bebida em carnaval ou festa. Fui tirando meus hábitos, tenho meus amigos lá, mas não visitei mais para não ter uma recaída. Criei força pensando na minha filha, nos meus sonhos e no que as pessoas iam pensar de mim. O problema das drogas é que você demora anos para se recuperar”, diz.

Para a capixaba, a parte mais difícil de viver na rua é o preconceito, além de não conseguir se dedicar aos estudos. Mas, apesar do sofrimento, a fuga de casa foi um alívio para Jéssica, que agora tem um caderno de metas em que anota diariamente suas conquistas.

“Existe muito preconceito. Fugi com 13 anos e as pessoas dizem ‘ah, mendigata, morava na rua pra usar droga”. E não era assim. O pior inferno da minha vida foi dentro da minha casa. As pessoas olham o morador de rua como um lixo. Nunca roubei e nunca precisei matar. Usava droga para me aliviar porque a sociedade coloca um peso muito grande e nos julgam. Às vezes você só quer ouvir uma palavra amiga, mas recebe um olhar de crítica ou deboche. Vivia na rua, tinha meu balde para as necessidades, me banhava, montava meu colchão inflável, me sentia em casa. Preferi viver assim do que acabar morrendo igual minha mãe morreu nas mãos do meu pai. O preconceito e os meus estudos foram as maiores dificuldades de viver na rua. Além disso, tinha a prefeitura que cortava nossas comidas, ficávamos dois três dias com fome e já fomos proibidos de banhar na rua. Ficava muitas vezes na biblioteca, tinha meus cadernos e até fiz um blog. Tirei como lição de vida e hoje sei aproveitar o valor de um alimento e banho. Tenho um caderno de metas e vi o lucro das coisas que ganhei sem drogas e as perdas que tive na época em que vivi na rua”, revela.

Atualmente, Jéssica mora com a noiva em Piauí, vende sacolé e escreve sua história em um caderno. Ainda não recuperou a guarda da filha, mas retomou o contato com a família.

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