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'Estamos mudando a forma de agir da natureza', afirma especialista em ecologia

Marcelo da Silva Moretti

Foto: Arquivo Pessoal

Enchentes, seca, rejeitos de mineradora invadindo rio, racionamento de água são alguns dos assuntos que os capixabas já vivenciaram, quando o tema é ecologia. Nesta segunda-feira (5) comemora-se o Dia Mundial do Meio Ambiente e, segundo o professor de mestrado e doutorado em Ecologia da Universidade Vila Velha (UVV), Marcelo da Silva Moretti, é um ótimo momento para se refletir e pensar em ações de mudança. 

O professor explicou que o Espírito Santo passa por circunstâncias que já foram previstas antes, mas que só agora a população sente. Para ele, as mudanças devem partir de cada um. “O hábito tem que mudar dentro de casa, mas a melhora vem a longo prazo”, destacou o especialista.

Folha Vitória: O senhor acredita que as pessoas estão mais preocupadas com a preservação do meio ambiente?
Marcelo da Silva Moretti:
Eu acho que todo mundo sabe dos problemas, não é uma novidade. O que pode estar mudando é que hoje estamos sentindo mais de perto o que já era previsto. A população está sentindo as consequências dos problemas que foram alertados há bastante tempo. Antes muitos não davam tanta importância, mas não é novidade o que tem acontecido.

FV: Um dos problemas no Estado é com a água. Tivemos um momento de racionamento por conta de uma seca que afetou todos os capixabas. Isso poderia ter sido evitado?
MSM: Seria evitado com medidas feitas a longo prazo. Temos uma situação de desequilíbrio. Passamos de período de enchente para uma longa seca. Nosso padrão era que no meio do ano ficava um pouco seco e no final do ano chuvoso, mas isso está mudando. Possivelmente essas alterações vêm acontecendo provenientes de atividades humanas. Estamos mudando a forma de agir da natureza. Não é algo que acontece de uma hora para outra, estamos mudando há várias décadas e hoje sentimos isso. Antes nos preocupávamos com coisas imediatas, mas sabíamos que isso poderia acontecer, havia alertas, os padrões já estavam mudando, mas achávamos que não era para agora. Isso não se resolve rápido, leva tempo.

FV: Nós ainda corremos o risco de que situações como essa voltem a acontecer?
MSM:
Pode acontecer sim. Viemos de períodos de seca severa. Não sabemos se a chuva vai se manter para recuperar essa água perdida, mas um ano não será suficiente para que tudo volte ao normal. É necessário uma chuva mais constante nos próximos anos para suprir a perda.

FV: As chuvas que atingiram o Estado melhoraram esse cenário?
MSM:
Dá um alívio, pois o clima mudou, os rios estão subindo, mas se a chuva no ano que vem não for como era, não resolve. Aí podemos passar todos esses transtornos novamente.

FV: Como podemos contribuir para que não nos falte água no futuro? O consumo consciente é o principal ponto?
MSM:
Temos medidas imediatas, emergenciais e a longo prazo. Na mais urgente, o consumo fica em primeiro lugar. Isso porque a população cresce cada dia e a água é um bem finito, só temos essa quantidade. Por isso, o consumo tem que diminuir no setor econômico e individualmente. Temos que gastar menos volume por pessoas e nas atividades de empresas estudar a reutilização. Mas só isso não é suficiente. Tem que haver medidas em longa escala para trabalhar as bacias hidrográficas. Outro ponto é que a maioria da umidade vem da Amazônia, não vem do oceano. Se não mudar a questão do desmatamento e continuar da mesma forma, cada vez chegará menos umidade aqui.

FV: Muito se fala em materiais sustentáveis, produtos sustentáveis, biodegradáveis. O senhor acredita que isso diminui o impacto na natureza e que pode ajudar?
MSM:
Nós temos uma escala produtiva. Retiramos produtos, usamos e devolvemos. O problema é como devolvemos. Muitas vezes isso causa poluição e sujeira. A reutilização, transformação desses produtos é muito válida, porque as coisas perdem utilidade rápido e se forem transformadas, é claro que vai reduzir a poluição. Também temos outra questão, que é mudar essa linha de só tirar elementos da natureza, pois uma hora não vai ter mais nada para ser retirado.

FV: Em 2015 o Rio Doce foi atingido pela Lama da Samarco e muitos municípios foram prejudicados. Em Colatina, para tentar preservar as espécies de peixes, pescadores realizaram uma operação de resgate e mesmo assim a mortandade foi grande. Quais os riscos dessa ação? É possível que um dia esse cenário mude?
MSM:
Estávamos num período de seca, o rio já estava com problemas em função da estiagem e aconteceu esse problema considerado o maior desastre em bacia hidrográfica. As pessoas tomaram medidas em desespero. Retirar os peixes dos rios foi uma medida emergencial, pois é complicado retirar uma espécie acostumada em um lugar e colocar em outro. Não é o mais correto. Todo o ecossistema quando sofre tem a capacidade de se recuperar, mas isso leva tempo. 

FV: Como recuperar um rio como esse depois de uma tragédia tão grande? 
MSM:
Se parar a poluição, pois há alguns meses ainda estava descendo lama,  o impacto vai cessar. A natureza já tende a se recuperar, mas temos que somar esforços científicos com os governantes e pessoas que moram na região para melhor mais rápido. Grande parte dos rejeitos se depositou no fundo e isso mudou a calha, além da questão geografia, os hábitos e recursos para alimentação dos animais foi alterado no rio. É necessária a presença de diferentes profissionais para contribuir e melhorar mais rápido, mas isso é uma questão longa. Vamos conviver com isso por um tempo significativo. Não sabemos ainda a escala dos impactos que aconteceram. Não conseguimos ainda uma organização para a coleta de dados para saber o que de fato aconteceu. Temos que entender e depois pensar em medidas. É um grande desafio, pois muitas pessoas necessitam disso para viver, mas ainda é uma fonte de água que não dá para confiar.

FV: No momento em que a Febre Amarela começou a preocupar ainda mais os capixabas, houve comentários de que poderia ter alguma ligação com os rejeitos da barragem de Mariana, já que animais foram afetados com isso. Seria possível essa ligação?
MSM:
Essa não é a minha área, mas conversando com alguns especialistas muitos comentaram. O que apurei é que não tem muita relação e nada foi provado. Os animais sempre tiveram a doença, isso sempre existiu. O fato das pessoas estarem cada vez mais próximas desses animais pode ter feito com que isso aumentasse. Mas nada foi provado, então não descartamos. A seca também influencia, e isso também pode ser falha de saúde pública.

FV: Se todos pensassem em contribuir para a saúde da natureza e resolvessem começar hoje, quais seriam os primeiros passos?
MSM:
Acho que a gente tem que mudar os hábitos. Esperamos que o outro mude ou o governo faça a mudança. O hábito tem que mudar dentro de casa. Se modificarmos os costumes individuais, depois passamos para a família, para a rua, o bairro e por aí vai. Cada esforço pequeno gera um resultado significativo. Muitos concordam com a mudança, mas não mudam. Temos que rever ações e pensar como podemos melhorar, consumindo menos água, trocando bens de consumo, pequenas ações que podem geram efeito em cascata. Mas a mudança vem a longo prazo.

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