Política

Reforma trabalhista: Crise não pode ser desculpa para eliminar direitos, diz procurador do Trabalho

Estanislau Tallon Bozi

Estanislau Tallon Bozi Foto: Divulgação/MPT-ES

A reforma trabalhista estampou as principais manchetes de jornais de todo o país nos últimos dias, a partir da ventilação da hipótese de que as jornadas de 12 horas diárias de trabalho seriam formalizadas pelo governo federal.

Logo depois, o ministro do trabalho, Reinaldo Nogueira negou a informação e o presidente Michel Temer declarou que "o governo não idiota de restringir direitos trabalhistas". 

Para debater melhor o assunto, e entender como poderia se dar essa reforma, o Folha Vitória conversou com o procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho no Espírito Santo, Estanislau Tallon Bozi.

Além de chefe do MPT-ES, Tallon é professor de Direito, com especialidade em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e mestre em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais.

Folha Vitória: O Brasil está em crise. Entende que é necessária a reforma trabalhista?
Estanislau Tallon Bozzi: Penso que a reforma trabalhista não é necessária porque a legislação se encontra consolidada. Fala-se, por exemplo, em terceirização, que já tem regulamento próprio. Não há essa insegurança jurídica que se alardeia. O que se cria é insegurança para o trabalhador, que não sabe como vão ficar seus direitos. 

FV: O governo federal provavelmente não concorda com o senhor. Então caso a reforma ocorra, em que momento acha seria mais oportuna?
ETB: Certamente o debate deveria ser amplo, com sociedade, empresariado, sindicatos patronais e do trabalhador e com a sociedade em geral. A reforma não pode ser feita sem debate. É possível reformar? Sim, mas o quê? Para quê? Como? Tudo isso tem de estar claro. Não somos contra a reforma, mas ela precisa ser debatida. Tem de ser fruto de consenso. A crise não pode ser desculpa para tudo, principalmente para eliminar direitos.

FV: Acha que o governo conseguiria mexer em direitos como o décimo terceiro?
ETB: Com a desculpa da crise é possível ser aprovada qualquer anomalia. Agora, o que faltam são estudos técnicos que dizem 'olha precisa acabar com o décimo terceiro, pois compromete empregabilidade, receita da União, a previdência', enfim. Precisa-se de estudos sérios para saber porque mudar algum direito ou mesmo dever trabalhista.

FV: Muito se falou em oficializar uma carga horária diária de até 12 horas de trabalho para algumas funções, limitada a 48 horas semanais. Depois a tese foi desmentida pelo presidente Michel Temer. O que acha da proposta?
ETB: Em algumas pouquíssimas atividades é possível essa jornada, como a de porteiros. Mas em termos de saúde é importante uma carga horária menor. Oito horas é um limite bom para preservar a saúde, pois a partir da sexta hora de trabalho é que acontece uma parte considerável dos acidentes. Essa média atual permite repouso, uma parte de lazer e dormir adequadamente. A produtividade com 12 horas é bem menor, há estudos que comprovam isso. Quando é fixada uma jornada muito elevada se impede que o trabalhador reponha as energias, ele se acidenta mais, há maior risco dele precisar de indenização e menor produtividade nas empresas. Excepcionalmente talvez seja possível, mas não como regra. Essa proposta vai contra a própria lei da natureza. 

FV: O governo defende outros tipos de contrato diferentes do de jornada, que é o modelo atual. Seria por hora trabalhada e por produtividade. O que o senhor acha dessas opções?
ETB: Contrato por tempo parcial já tem previsão legal há alguns anos. Se não implementaram é porque não quiseram. Remuneração por tarefa também existe desde sempre, se não implementaram é por falta de vontade e não por ausência de legislação. Aí volto para a questão: quem esta inseguro não é o patrão, mas o empregado, que não sabe o que vai perder. Essas formas de contratação existem e poder ser aprimoradas, mas precisam de debate. Porque elas já foram aprimoradas em outros países e pode-se averiguar se lá ajudaram a economia ou pioraram a economia.

FV: E em relação as negociações coletivas?
ETB: Eu só posso ter negociação coletiva se as partes são fortes. Na medida em que tenho sindicatos fracos, com poucos associados, ou que privilegiam arrecadação e não a defesa da categoria não posso falar em autonomia da vontade coletiva. Só posso ter negociação coletiva se atores sociais forem fortes. Uma das reformas que seriam necessárias talvez fosse a sindical.

FV: O que poderia ser mudado nessa reforma sindical? 
ETB: A primeira delas [mudança] é impedir a perpetuação no poder, porque há vários sindicatos fundados que têm o mesmo presidente há 15, 20, 30 anos. Parece-me que isso já não é adequado. Há um déficit aí. Parece-me também que alguns sindicatos impedem filiações. Outra questão pujante é a contribuição sindical, que é obrigatória. Precisamos acabar com esse imposto. Ou seja, precisamos mudar as formas de custeio e representação.

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